O projeto Gás de Camisea foi e continua sendo objeto de inúmeras críticas de ambientalistas e de cientistas sociais. A razão principal é que a exploração do recurso se localiza numa área que até pouco mais de uma década atrás era ainda quase inalterada. Várias etnias lá viviam de modo tradicional, algumas delas sem nenhum contato com a civilização e a região é um empório para a biodiversidade, sendo limítrofe com o famoso Parque Nacional do Manu. A ideia de que nesse contexto pudesse irromper um investimento tão considerável pôs os cabelos em pé de muita gente ao redor do mundo. Após o governo ter aprovado a concessão, inclusive sobre terra de índios arredios, os ambientalistas e os antropólogos fizeram todo o possível para evitar que, pelo menos, recebessem financiamento de bancos multilaterais. Não tiveram sucesso, mas o resultado foi a imposição de uma série de condicionalidades tanto às empresas como ao governo. Dentre elas, por exemplo, a proibição de abrir caminhos para instalar a rede de gasodutos coletores na zona de exploração, determinando que absolutamente toda a operação fosse feita com helicópteros. Também foram estabelecidas, pelo governo, várias unidades de conservação, e a maior parte dos territórios indígenas foi demarcada e titulada como comunidades indígenas. Outras medidas não foram cumpridas, ou foram distorcidas, especialmente pelo governo. No entanto, em geral, o Gás de Camisea, se comparado com empreendimentos petroleiros anteriores e com outros atualmente desenvolvidos, pode ser considerado um modelo.
Uma das condições dos bancos foi o início de um programa de monitoramento ambiental e social comunitário. A ideia não era nova. Existe esse tipo de monitoramento em países desenvolvidos há varias décadas e, no Peru, existia uma versão muito elementar do mesmo para algumas explorações de minérios. Porém nada tinha sido feito no Peru com hidrocarbonetos e índios amazônicos. A razão de estabelecê-lo foi procurar diminuir a desconfiança dos índios nas informações que provinham do monitoramento realizado pela própria empresa, especialmente no que se trata de indenizações por danos decorrentes de acidentes. Mas, em termos gerais, o monitoramento comunitário, era visto pelas empresas como um gesto de boa vontade que, eventualmente, reduziria os custosos conflitos sociais que no país eram assunto do dia a dia das empresas mineradoras e, também, das petroleiras no norte da Amazônia peruana.
No social as informações recolhidas pelos monitores têm permitido documentar a extraordinária velocidade que impregna as mudanças econômicas e sociais nas comunidades submetidas a essa situação, incluindo as que podem ser consideradas positivas como: melhor educação, qualidade das vivendas, água encanada, eletricidade e saúde e os negativos, como o alcoolismo e a desestruturação familiar além, claro, da perda das tradições seculares.
A informação produzida pelos monitores é vertida para um sistema de informação disponível na Internet para os lideres das comunidades e federações e para a empresa e, solicitando uma senha, para o público em geral. Nela todos os dados e as fotografias –elas são parte importante da documentação- são georreferenciados. Reuniões mensais dos monitores, com presença dos líderes das federações, servem para recapitular os problemas e receber treinamento em novos temas, além de planejar as atividades do próximo mês. Indígenas que ainda não dominam plenamente o idioma espanhol são capazes de fazer excelentes relatórios eletrônicos, usando toda a parafernália tecnológica disponível.
São milhares de ocorrências, desde insignificantes até gravíssimas, todas elas registradas cuidadosamente na última década. Desde lixo doméstico abandonado, eflúvios de águas servidas ou de óleos e combustíveis nos acampamentos ou restos abandonados de material usado durante a colocação dos dutos, até acidentes graves, como fugas de gás, mortalidade de peixes nos rios, passando por voos rasantes de helicópteros, queda de canastras de helicópteros, acidentes fluviais, abusos sexuais e brigas entre operários ou entre estes e os índios.
Obviamente é a empresa que cobre os custos dos programas de monitoramento. Esse fato, porém não tem comprometido a sua independência, como se temia muito, no princípio. O monitoramento é supervisado periodicamente por organismos públicos e pelos bancos que financiaram o empreendimento. Os próprios indígenas conhecem o orçamento do programa e fiscalizam o trabalho técnico facilitado pela ONG que é escolhida de comum acordo. De qualquer modo, seria conveniente que o monitoramento comunitário fosse obrigatório por lei, e não voluntário como agora. Com efeito, os principais problemas com as empresas têm sido a demora destas para renovar os contratos com a ONG executora e a sua mesquinha alocação orçamentária para esse programa. Se o monitoramento comunitário ambiental e social se convertesse em obrigatório, os problemas diminuíram.
O sucesso do monitoramento foi confirmado quando, há vários anos, os seus relatórios foram requeridos, com prioridade, pelos departamentos de operações e manutenção das empresas. Após a tremenda desconfiança inicial dos técnicos das empresas sobre o que “aqueles selvagens” podiam aportar, eles descobriram que os monitores índios, que conhecem o terreno, que recorrem a pé e metro a metro cem por cento da longitude dos ductos, pelo menos uma vez ao mês e que são avisados de qualquer problema de imediato pelos habitantes, constituem o melhor e mais econômico sistema de alerta e prevenção de desastres. Informam oportunamente de processos erosivos que desnudam os dutos, aluviões no meio da mata que ninguém mais vê e, de outras situações semelhantes, como ductos e válvulas com fugas e tantos outros. Ao contrário, as muito custosas revistas técnicas são efetuadas a cada três ou mais meses, por amostragem, quer dizer com muito menos intensidade que as dos monitores indígenas. Hoje, os relatórios dos monitores são prioridade diária dos engenheiros.
De outra parte, embora muitas vezes os relatórios dos monitores tenham provocado reclamações de membros da comunidade contra as empresas, justificando às indenizações correspondentes, também se deu casos em que, contra todos, os monitores se mantiveram firmes em demonstrar que alguns problemas não estavam relacionados com a exploração de gás. Teve muita ressonância uma mortalidade grande de peixes que, a priori, foi atribuída a fugas de hidrocarbonetos o que, segundo o monitoramento, não parecia provável. Investigações posteriores demostraram que, realmente, a contaminação era de origem natural. A lealdade dos monitores tem se orientado estritamente com a verdade e essa atitude está sendo respeitada por todos.
Interessante foi constatar o que o trabalho de monitoramento ambiental tem feito para a melhoria da qualidade de vida das comunidades indígenas. O bom comportamento ambiental já não é tão só o que se reclama das empresas, mas, também o que a sociedade se impõe a si mesma. Os monitores tem se convertido em referências para as suas comunidades e suas apresentações periódicas de resultados têm estimulado a mudanças de atitude notórias como, por exemplo, a coleta seletiva de lixo onde anteriormente era simplesmente despejado fora das casas. Várias comunidades já instituíram uma secretaria de meio ambiente dentro das suas direções e o mesmo está acontecendo no nível das federações.
Após dez anos de funcionamento tudo indica que o monitoramento ambiental e social comunitário está lá para ficar. Nenhum conflito grave que possa ser atribuído a incidentes ambientais ou sociais tem sacudido as relações das empresas e de seus vizinhos indígenas. O beneficio tem sido mútuo. Pelo menos no caso do Gás de Camisea, a convivência e a colaboração mútua dos indígenas e das grandes empresas parecem ter bom futuro. É, pois, um desses exemplos tão escassos na Amazônia.
*A Fundação ProNaturaleza foi selecionada para conduzir o programa de monitoramento pelos três consórcios do projeto Gás de Camisea. Esta nota resume uma avaliação dos dez anos de monitoramento comunitário na seção amazonica. O monitoramento também é realizado com comunidades camponesas em Serra e Costa, assunto que não é tratado nesta síntese.
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