Há pelo menos 2,5 milhões de anos nossos ancestrais já haviam colonizado as savanas do leste da África, um capítulo importante da história que deu origem à nossa espécie. Mas não fomos apenas nós e outros ramos extintos de nosso arbusto evolutivo, como os australopitecos, que ocuparam este habitat cheio de perigos e oportunidades.
Os babuínos são um grupo de macacos extremamente bem sucedidos, com pelo menos 5 espécies ocupando a África, no sul do Sahara e parte da península arábica. A hibridação entre diferentes linhagens evolutivas foi importante na história do grupo, da mesma forma como ocorreu conosco, um belo enxame híbrido.
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Adaptáveis e inteligentes (babuínos podem reconhecer palavras escritas), nossos primos distantes vivem em sociedades complexas onde a política interna depende das personalidades individuais. Quatro das espécies de babuínos (a exceção é Papio hamadryas da Arábia e nordeste da África, que já foi considerado uma encarnação do deus Toth pelos egípcios) vivem em grupos formados por diversos machos e fêmeas adultos e seus filhotes e subadultos.
Esses grupos, que podem chegar a várias dezenas de indivíduos, são sociedades matrilocais, onde as fêmeas permanecem no grupo onde nasceram enquanto os machos o deixam, buscando um grupo estranho onde tem que se integrar em um processo cheio de perigo e diplomacia. Um pouco mais complicado do que trocar de escola em uma vizinhança realmente ruim, mas com tensões similares.
Sociedades babuínas são hierárquicas, como a grande maioria das sociedades primatas (e humanas). As fêmeas herdam o status social de suas mães. Isso significa acesso diferencial a alimentos e melhores parceiros sexuais, de inteligência social sofisticada.
A vantagem de ser boa praça
Mas posição na hierarquia não é tudo. Babuínos e babuínas cultivam redes sociais e a qualidade e número das amizades — e não status na hierarquia — são indicadores mais fortes do sucesso reprodutivo de uma fêmea. Não apenas isso, babuínos com mais e melhores amigos têm concentrações menores de hormônios indicadores de stress e é válido dizer que vivem vidas mais saudáveis e felizes.
E do que depende a qualidade da rede social de um babuíno? De sua personalidade. Babuínos, como humanos, variam desde os que são gentis com todo mundo, independente da hierarquia, até os anti-sociais. E, como um estudo feito com fêmeas mostrou, aí está a chave da boa saúde e sucesso darwiniano entre as babuínas, presas às comunidades onde nasceram: ser uma primata gentil, carismática e educada, com muitos amigos, se traduz em menos stress, mais saúde e mais babuininhos chegando à idade adulta, passando seus genes à próxima geração. Vale a pena ser legal.
“Esses senhores que investiram seu tempo sendo gentis com as meninas, senhoras e mães (e seus bebês) são os que continuam no grupo e passam os últimos anos de suas vidas sendo apoiados”
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Machos também enfrentam uma vida muito estressante, já que, adultos, devem encontrar um novo grupo que os aceite e conquistar seu lugar em uma hierarquia onde músculos e dentes contam. Quem já viu um babuíno macho sabe que é bom não se meter com eles. Suas lutas pelo poder podem resultar em bons estragos e cicatrizes. Além disso, os brigões plantam as sementes de uma velhice infernal.
Babuínos machos podem ascender socialmente intimidando seus rivais e o resto da comunidade, como verdadeiros bullies, ou podem adotar uma política de fazer amigos e influenciar as pessoas, limpando os pêlos de uma fêmea aqui, bancando a babá ali, ameaçando um leopardo acolá. Enfim, alguns chegam ao topo usando músculos, dentes e intimidação, outros são mais adeptos do soft power.
Pesquisadores que trabalham com babuínos estão acostumados a ver machos adolescentes deixarem seus grupos para fazer a vida em outro, mas de tempos em tempos também observam machos velhos, já em declínio, fazerem o mesmo. Por quê? Qual a razão desses senhores deixarem o grupo que os acolheu por anos e preferirem o stress de se integrarem em nova comunidade, provavelmente na posição de ralé da ralé.
Babuínos se lembram exatamente quem eram os machos dominantes quando ainda eram adolescentes, durante seus anos de alpinismo social. Uma vez no topo, não perdem a oportunidade de agredir a ex-elite envelhecida para mostrar quem manda no momento. E isso não depende se o líder aposentado era um cara legal ou um bully, o que mostra um babuinismo não tão diferente do jeito humano de ser.
Então, não é de estranhar que ex-líderes, maltratados pela nova geração, saiam em busca de um novo grupo. Mas nem todos fazem isso e alguns sobrevivem no mesmo grupo, apesar do bullying da nova elite. E quem são esses?
São os que desde sua chegada cultivaram uma boa rede de amizades com as fêmeas do grupo, porque babuínos machos não formam amizades entre si (embora se cumprimentem puxando os respectivos pênis, o que é um tremendo gesto de confiança).
Esses senhores que investiram seu tempo sendo gentis com as meninas, senhoras e mães (e seus bebês) são os que continuam no grupo e passam os últimos anos de suas vidas sendo apoiados, catados, conversando, copulando e fazendo todas as coisas agradáveis que os babuínos fazem com suas amigas.
A maneira como boas amizades tornam a vida de babuínos de meia idade mais agradável em meio a uma estrutura social para lá de estressante renderia alguns livros de psicobobagens e auto-ajuda. Porém, o mais interessante é o paralelo entre a condição babuína e a humana, mais próximas do que se imagina. Afinal, a Ciência mostra que amizades são também o ingrediente para uma velhice humana saudável.
Autor deste blog, Fabio Olmos é biólogo e doutor em zoologia. Tem um pendor pela ornitologia e gosto pela relação entre ecologia, economia e antropologia. Seu último livro, sobre ecossistemas brasileiros e conservação, é Espécies e Ecossistemas. |
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