Com seu clima mediterrâneo, o extremo sul da África foi uma das poucas partes do continente onde colonos europeus se estabeleceram com sucesso*. A chegada dos colonizadores significou a extinção de povos nativos (mas não seus genes), o que acontece sempre que uma nova onda humana chega a uma área já ocupada. Essa costuma ser a regra, de Cro- Magnons substituindo Neandertais a Tupis substituindo construtores de sambaquis,.
Os colonizadores também extinguiram parte da fauna nativa. Entre as perdas estão o Quagga, o Bluebuck e o Cape Warthog. Duas outras espécies, a Mountain Zebra e o Black Wildbeest sobreviveram apenas porque alguns fazendeiros protegeram em suas terras um punhado de rebanhos. Dentre as extinções locais, foram-se leões, rinocerontes e elefantes.
Valiosos devido a seu marfim, elefantes foram exterminados sem piedade até que, em 1931, os últimos 16 indivíduos foram protegidos pela criação do Parque Nacional Addo Elephant, próximo a Port Elizabeth. Hoje, este parque cobre 180 mil hectares em terra e outros 120 mil no mar e mantém mais de 500 elefantes. Ali, foram reintroduzidas espécies antes eliminadas, como leões, rinocerontes e leopardos (reintroduções são rotina em parques na África do Sul, enquanto aqui no Brasil são controversas).
Clique para ampliar |
“Seleção artificial”
Nos elefantes de Addo, as marcas da perseguição humana se expressam na grande porcentagem de indivíduos que não desenvolvem presas. Sob intensa pressão de caçadores de marfim, a seleção poupou os elefantes com genes que resultam em banguelas. Afinal, mesmo que a ausência de presas traga desvantagens, significava uma vida mais longa. Agora, isso está mudando com a translocação de elefantes com presas vindos de outros parques para aumentar a diversidade genética da população do parque.
Elefantes banguelas são um dos exemplos da seleção negativa causada pela exploração humana, visível também em espécies que vão de baleias a bacalhaus. Elas já não atingem os tamanhos históricos registrados e passaram a se reproduzir mais cedo. Frente à pilhagem humana do seu ecossistema, o melhor é viver rápido e ter filhos o quanto antes, pois você morrerá jovem. Melhor também não ter atrativos que te tornam um alvo, como presas de marfim. Por isso, elas se tornaram raras e, nesses dias, apenas alguns machos de elefantes asiáticos têm presas.
Humanos são uma má notícia para elefantes e a guerra de extermínio continua, dessa vez, alimentada por novos ricos. Na maior parte são chineses, que querem pavonear itens de luxo, mas entram na lista carolas cristãos, muçulmanos e budistas que acham que imagens de marfim glorificam seus deuses.
A perda dos elefantes é nociva aos ecossistemas. Megaherbívoros, eles são engenheiros que moldam seus ambientes de uma maneira profunda, da estrutura da vegetação à sua hidrologia, da ciclagem de nutrientes à frequência e intensidade de incêndios. A perda de espécies de elefante causa extinções em dominó de plantas, insetos e mamíferos. Isto é observado nas reservas africanas atuais, onde a extinção de elefantes e rinocerontes é seguida pela de antílopes que dependem do mosaico de habitats criado pelos pesos-pesado.
Hoje restam três (talvez quatro) espécies de elefantes (Proboscidae), quando há apenas 10 ou 12 mil anos existiam talvez 20 espécies. Elas incluíam espécies anãs vivendo em ilhas, mamutes, stegodons, o mastodonte verdadeiro e os “mastodontes” sul-americanos. Essa diversidade foi eliminada nos últimos milhares de anos graças à ação humana, em alguns casos combinada a momentos de stress climático.
Os restos de pelo menos uma espécie de elefante, Stegomastodon (ou Haplomastodon) waringi são encontrados em quase todo o Brasil, e há “cemitérios” desses animais, como o de Águas de Araxá. Esses elefantes foram generalistas, como seus primos atuais, capazes de viver em diferentes habitats e com dieta variada, e desapareceram da América do Sul a apenas 6-7 mil anos atrás.
A perda da megafauna deixou para trás ecossistemas mancos, alterados de forma negativa. Além da perda de dispersores de sementes, uma consequência provável é o aumento na frequência de incêndios intensos devido ao maior acúmulo de biomassa seca, que antes seria consumida por aqueles animais. Por isso, há pesquisadores que defendem a introdução de “análogos ecológicos” de espécies extintas em “parques do Pleistoceno”, como forma de restaurar esses processos ecológicos danificados. A ideia é no mínimo controversa, mas já foi executada em parte com a reintrodução do cavalo (um nativo americano) nas Américas.
Poucos se dão conta de que a apenas alguns milhares de anos o Cerrado, Caatinga, Pantanal ou Pampa eram ecossistemas mais ricos e, hoje, são uma sombra do passado. Podemos apenas imaginar como seriam nossas savanas se nossos elefantes e o resto da megafauna ainda estivessem por aqui.
*Para entender mais sobre o sucesso da colonização no sul da África leia o livro “Armas, germes e aço”, de Jared Diamond
Autor deste blog, Fabio Olmos é biólogo e doutor em zoologia. Tem um pendor pela ornitologia e gosto pela relação entre ecologia, economia e antropologia. Seu último livro, sobre ecossistemas brasileiros e conservação, é Espécies e Ecossistemas. |
Leia também
Amazônia tem 6,5 mil km² sob risco de desmatamento em 2025, mostra análise do Imazon
Sede da COP30, Pará é o estado com maior área sob risco de desmatamento, mostra Instituto. Análise é feita por meio de inteligência artificial →
União Europeia decide futuro de sua lei anti desmatamento
Órgão que reúne Comissão europeia, Parlamento e Conselho Europeu se reúne para debater mudanças na norma. Vazamento de commodities ligadas ao desmatamento preocupa →
Liminar federal barra ocupações de indígenas no Parque Nacional do Iguaçu
Reparação histórica de direitos dos Avá-Guarani não pode ser realizada às custas da unidade de conservação, diz o ICMBio →