Nos últimos três meses, as árvores na Amazônia voltaram a cair em ritmo acelerado. Mas não é apenas o maior bioma do Brasil que suplica por maior atenção do poder público. A Floresta Estacional Decidual, cujo pomposo nome pode ser reduzido a Mata Seca, também demanda cuidados. No último dia 18, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, sancionou a Lei 17.353 sem esperar pelas propostas da sociedade civil e dos órgãos ambientais interessados na preservação da floresta. O texto da lei aumenta a possibilidade de desmatamento para 70% de todo ecossistema, que está presente na região Norte do estado. Pouco estudado, essa vegetação reúne número significante de espécies da fauna e flora, algumas endêmicas.
A notícia da nova lei agradou aos madeireiros e produtores rurais da porção Norte de Minas. Afinal, são eles os mais interessados nas nobres madeiras e solos férteis que abrigam as formações arbóreas acostumadas a climas bem definidos. Aliás, Mata Seca é uma denominação um tanto arriscada para o ecossistema distribuído do México até os chacos argentinos. Rica em árvores altas e de bom valor econômico, como o umbu, ipê e barriguda, a cobertura vegetal recebeu o nome por liberar, pelo menos, 50% de suas folhas durante o período de seca, que dura por volta de três meses a cada ano.
Apesar de serem encontradas, predominantemente, em regiões áridas, é possível avistar as Florestas Tropicais Secas (como também é conhecida) até na Amazônia. Sua principal incidência, porém, acontece no Nordeste brasileiro e no Norte do estado governado por Aécio Neves. Foi justamente ali, já fragmentada pelo desmatamento irregular, que a Mata Seca acabou de perder parte de sua proteção. “Trata-se do ecossistema terrestre mais ameaçado no país, principalmente por ocorrer em solos férteis, cobiçados pela agricultura e pecuária. Além disso, tem importantes espécies de árvores que fornecem madeira para construção e movelaria de alta qualidade. Por essas razões, no Brasil restam somente áreas fragmentadas e geralmente perturbadas”, conta Aldicir Scariot, do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas.
Batalha perdida
De acordo com a nova legislação, 70% das árvores secundárias (independente de seus estágios de sucessão) podem ser derrubadas, 10% a mais do que era previsto pela Deliberação Normativa do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) 72, de setembro de 2004. Já a cobertura florestal em estado primário, a partir deste mês, pode perder legalmente 60% de sua área total, o triplo do que era previsto. Antes de 2004, teoricamente, o ecossistema em questão era protegido pelo Decreto Federal nº750/93, que garante a conservação integral da Mata Atlântica, exceto em casos de utilidade pública ou interesse social. “É uma situação bastante complexa, porque a Mata Seca que existe no Norte de Minas é endêmica da região e do sul da Bahia”, explica Cristina Chiodi, assessora jurídica da Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente.
A batalha pela preservação do ecossistema já existe há alguns anos. Na tentativa de estabelecer normas mais claras para conservar a vegetação depois de aceita a Deliberação Normativa (DN), as entidades de proteção ecológicas da região, em conjunto com órgãos federais e estaduais (Ibama, Instituto Estadual de Florestas, Federação de Agricultura, entre outros), criaram um Grupo de Trabalho no âmbito da Secretaria do Estado do Ambiente de Minas Gerais. A expectativa era elaborar um novo texto, com cuidado ainda maior à Mata Seca, para substituir a antiga resolução. Como a discussão foi trazida para o âmbito da Assembléia do Estado por deputados da bancada ruralista, esperava-se que o texto da DN , elaborado pelo grupo, pudesse subsidiar o trabalho parlamentar.
Um dos principais pedidos era rever a determinação que permitia o desmatamento de 60% de todas as árvores secundárias. O desejo era apresentar permissões diferentes para os diversos estágios de sucessão do crescimento. Enquanto as mudas em estágio inicial poderiam ser derrubadas em maior quantidade, as que tivessem melhor desenvolvimento deveriam ser mantidas em sua quase totalidade. Mas não deu tempo de apresentar a proposta à Câmara dos Deputados. No final de 2007, quando as luzes do ano já se apagavam, o projeto de lei foi aprovado na Assembléia Legislativa sem qualquer consulta aos demais interessados. “Isso tudo apesar de haver um consenso informal que permitiria a participação de órgãos públicos e sociedade civil na discussão agora em 2008. Além disso, o Grupo de Trabalho já tinha pronta desde setembro de 2006 uma minuta de deliberação com a nossa nova proposta. Ela deveria ter sido publicada há muito tempo. Só não o foi em razão de interesses políticos contrários”, afirma Chiodi.
De acordo com um comunicado oficial divulgado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, a aprovação da Lei 17.353 aconteceu em virtude de um antigo desejo dos produtores rurais da região Norte: o de usar o solo da Mata Seca para empreendimentos agrossilvipastoris.O texto enviado por e-mail assegura que houve audiências públicas e melhorias no projeto desde o início de sua tramitação na Assembléia. O curioso, no entanto, é que a secretaria admite a possibilidade de melhorar a lei com vistas ao desenvolvimento sustentável da região. Infelizmente, o governador decidiu sancionar a nova determinação antes que ela ganhasse ares definitivos.
Características da mata
No Norte de Minas, a Mata Seca participa de três biomas diferentes. Enquanto uma delas é praticamente contígua à Mata Atlântica, as outras duas são encraves mais espalhados. “As de encosta crescem em solo calcário, muito similar ao que existe no Cerrado. Mas existe um outro tipo que ocorre em solos planos, muito férteis, diretamente associadas à Caatinga”, afirma Mário Marcos do Espírito Santo, biólogo e professor da Universidade de Montes Claros (Unimontes). Apesar disso, a confusão sobre a real importância biológica do ecossistema persiste, assim como sua classificação ou não como novo bioma.
A falta de estudos e informações sobre a Mata Seca leva a uma séria complicação: ninguém sabe dizer ao certo se, nos outros estados, ela entra nas cotas de desmatamentos e reservas legais estabelecidos pelo Código Florestal. “Era necessário fazer uma lei específica para regular o uso da terra na Floresta Estacional Decidual, mas como um bioma separado. Com a nova determinação aprovada pelo Aécio, ficou muito permissivo”, completa Mário Marcos. De acordo com ele, a partir de agora o desflorestamento fica permitido apenas para agricultura e pecuária sustentável. No texto da lei, entretanto, não há qualquer definição para a palavra sustentável.
O grande temor dos ambientalistas com a nova regra é de que o Brasil perca uma riqueza ainda desconhecida. Em primeiro lugar, porque essas formações florestais acontecem de forma diferente em cada região do Brasil, justamente porque sofrem influências diretas dos biomas. Fora isso, os fazendeiros geralmente liberam suas propriedades para os carvoeiros coletarem sua matéria-prima e limparem a área para a pastagem. “Em Minas, as matas estão sendo destruídas sem que haja um inventário da biodiversidade que existe nelas. Essa região do Norte é muito pouco conhecida”, relata Anderson Sevilha, biólogo que trabalha na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.
De acordo com Aldicir Scariot, a Lista Vermelha da IUCN tem duas espécies de árvores ameaçadas que vivem nas Matas Secas. São elas: cedro e imburana. Ele ainda indica outros bons motivos para conservar o ecossistema. Apenas pouco mais de 27 milhões de hectares, em todo o Brasil, são cobertos por Florestas Estacionais Deciduais. Deles, só 3,92% são protegidos por algum tipo de unidade de conservação. Quando se pensa em proteção integral, o número cai drasticamente para 0,43% do total, algo em torno de 117 mil hectares. Muito pouco para deixar que o carvão, gado e cultura de grãos avancem em mais da metade de seu território.
“Não há possibilidade de preservar os processos ecológicos presentes nas matas secas, ou em qualquer outro bioma, com a permissão de um desmatamento tão grande. Todos os problemas sócio-ambientais existentes são causados pela baixa fiscalização e por políticas públicas erradas”, afirma Geraldo Wilson Fernandez, professor do Departamento de Biologia Geral do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Infelizmente, enquanto o desconhecimento dos ciclos naturais da Floresta Tropical Seca caminhar lado a lado aos anseios da dos ruralistas de Minas Gerais, a Mata Seca não se verá livre do sério risco de extinção.
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