Reportagens

Com valor 27 vezes maior que lance mínimo, construtora ganha concessão de parques

Resultado do leilão para concessão de serviços de uso público nos parques nacionais de Aparados da Serra e Serra Geral foi divulgado nesta segunda-feira. Ganhadora é Construcap

Duda Menegassi ·
12 de janeiro de 2021 · 3 anos atrás
Cânion Fortaleza, no Parque Nacional da Serra Geral, um dos principais atrativos da região. Foto: Duda Menegassi

A empresa de engenharia Construcap é a vencedora do leilão para concessão dos serviços de visitação nos parques nacionais de Aparados da Serra e Serra Geral, na região sul do país, e que prevê investimentos estimados em R$260 milhões ao longo de 30 anos nas duas unidades de conservação. A proposta ganhadora da empresa promete a aplicação de R$20,5 milhões iniciais, um valor que é 27 vezes maior que o lance mínimo do leilão, de R$718 mil. O resultado foi anunciado nesta segunda-feira (11) pelo Ministério do Meio Ambiente e faz parte do “pacotão” de concessões em unidades de conservação previstas a partir do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República (PPI).

O critério do processo de concorrência é selecionar a proposta mais vantajosa a partir de um valor mínimo de outorga. As empresas interessadas enviam suas propostas, os envelopes são abertos e, como num leilão tradicional, quem oferecer mais leva. Outras quatro empresas apresentaram propostas: Soul Parque, Agro Latina, Consórcio Aparados da Serra e Parques dos Cânions. Os valores das propostas, revelados em auditório durante a abertura dos envelopes, começaram na ordem dos 3 milhões. A empresa Agro Latina, especializada na produção de couro, declarou que pretende recorrer da decisão.

Uma sexta concorrente, o consórcio Parque Sul, composto pelas empresas Urbanes Empreendimentos Eirelli e a STE – Serviços Técnicos de Engenharia S/A, foi desclassificada da licitação por não atendimento ao estabelecido no Edital.

O projeto de concessão foi desenvolvido pelo ICMBio junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O contrato inclui a “concessão de prestação de serviço de apoio à visitação dos parques nacionais de Aparados da Serra e da Serra Geral, com previsão do custeio de ações de apoio à conservação, à proteção e à gestão das referidas unidades de conservação”. Ou seja, a gestão do território, a fiscalização e proteção, continuam sendo responsabilidades do ICMBio. O que a concessionária poderá fazer é apoiar ações do órgão ambiental, inclusive com a contratação de brigadistas.

A remuneração da concessionária virá principalmente através da cobrança de ingressos que, conforme descrito na Minuta do Contrato, não poderá ultrapassar o valor de R$80 e valerá para entrada em ambos os parques. Atualmente, não há cobrança de ingressos no parque. A empresa também poderá desenvolver e explorar outras fontes de receita, desde que de acordo com o estabelecido no Plano de Manejo das unidades.

Os parques nacionais são vizinhos e contíguos, situados na fronteira entre os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, e os valores altos registrados no leilão indicam o forte potencial turístico da região. O município gaúcho de Cambará do Sul, principal porta de entrada para os parques, está localizado a menos de 200km de Porto Alegre, e a cerca de 400km de Florianópolis; e a entrada para os principais atrativos de ambos é acessível facilmente por carro.

Juntos, os parques receberam pouco mais de 220 mil visitantes ao longo de 2019, de acordo com dados do ICMBio. A maior parte deles visa conhecer os principais atrativos da região: os cânions, do Itaimbezinho, em Aparados da Serra, e Fortaleza, na Serra Geral.

O Cânion do Itaimbezinho, no Parque Nacional de Aparados da Serra, será um dos núcleos prioritários de investimentos. Foto: Duda Menegassi

A diretora-executiva da Rede Pró-UC, Ângela Kuczach, acredita que o alto valor da proposta ganhadora reflete no potencial econômico da exploração turística dos parques. “Eu acho que concessões em parques nacionais são um ótimo negócio. E Aparados da Serra e Serra Geral têm um potencial gigantesco porque são parques que têm uma paisagem muito conhecida, dos cânions do sul, ficam próximos de Porto Alegre e da entrada para Santa Catarina. Você tem acesso, uma paisagem única no Brasil e tem muito potencial para ser explorado”, aponta Ângela.

A diretora compara com a situação do Parque Nacional do Iguaçu, pioneiro na contratação de uma concessionária para apoiar a visitação, e cita que houve ganhos tanto pro turismo – com aumento de visitantes e melhoria da infraestrutura – quanto para conservação da natureza – com uma visitação melhor controlada e menos impactante. “Se você olhar para esse bom exemplo, dá para imaginar que em Aparados e na Serra Geral não vai ser diferente”, aposta.

“A expectativa é de que tenha uma infraestrutura de qualidade para recepção dos visitantes, com manejo adequado de visitação, de trilhas e de acessos, para que você tenha uma diminuição de impacto. Porque você consegue aumentar o número de visitantes e diminuir o impacto, se bem feito. E que seja um gerador de renda local também, através do turismo de natureza, com pousadas, restaurantes, serviços de guias, traslado”, explica. “As boas concessões são benéficas para todo mundo”, conclui Ângela.

A agenda de concessão em unidades de conservação é uma das bandeiras do atual governo. Em vídeo publicado em suas redes sociais, o ministro Ricardo Salles comemorou a seleção da futura concessionária dos parques do sul. “Investimento de 260 milhões, o que é muito importante para concessão dos parques nacionais, ecoturismo, preservação do meio ambiente e geração de emprego”, comentou o ministro do Meio Ambiente no vídeo.

Procurada por ((o))eco, a Construcap respondeu em nota que: “Em relação à informação divulgada nesta segunda-feira, 11/01, sobre a concessão do Parque Nacional de Aparados da Serra, a Construcap esclarece que avalia com entusiasmo o segmento de concessão dos parques e aguardará a conclusão das demais etapas do processo licitatório para se manifestar”.

A próxima etapa se refere à verificação dos documentos, que deverá ser realizada dentro dos próximos 30 dias e ser concluída até o início de fevereiro. Se a documentação não apresentar falhas, a Construcap se consolida como a concessionária vitoriosa, caso haja algum erro, o procedimento é entrar em contato com o segundo colocado no processo. Neste caso, a empresa vencedora seria a Parque dos Cânions, que ficou em segundo com proposta no valor de 10,8 milhões.

O Parque do Ibirapuera, um dos símbolos de São Paulo, está sob administração da construtora desde março de 2019. Foto: Rodrigo Soldon/CC 2.0

Esta é a primeira vez que a Construcap assumirá uma concessão em unidades de conservação, mas não é sua primeira com parques. Em março de 2019, a empresa assumiu a gestão de seis parques urbanos na cidade de São Paulo, entre eles o Ibirapuera. No contrato, de 35 anos e valor de R$70,5 milhões, a prefeitura concede o controle administrativo das áreas à Construcap. Além do Ibirapuera, o contrato inclui os parques paulistas: Jacintho Alberto, Tenente Faria Lima, Jardim Felicidade, Eucaliptos e Lajeado.

A Construcap Engenharia S/A foi fundada em 1955 pelo engenheiro Júlio Capobianco e outros quatro sócios. Júlio Capobianco é pai de sete filhos, três deles em cargos de diretoria na Construcap: Roberto, Eduardo e Júlio. Distante dos negócios do pai, há ainda João Paulo Ribeiro Capobianco: biólogo, ambientalista e braço direito da ex-ministra do meio ambiente Marina Silva.

Além da Construcap Engenharia e Comércio S/A, o grupo possui quatro empresas, três de construção e uma de equipamentos de saúde.

Construcap e a Lava Jato

Um dos diretores da empresa, Roberto Capobianco, chegou a ser condenado na 31ª fase da Operação Lava Jato pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e associação criminosa, mas foi posteriormente absolvido. A sentença inicial, de 12 anos em regime fechado, foi emitida em maio de 2018, pelo então juiz federal Sérgio Moro, como desdobramento da Operação Abismo.

Em agosto de 2020, entretanto, a 8ª Turma do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4) decidiu absolver o empresário. No entendimento do tribunal, não há provas suficientes no processo que confirmem o envolvimento de Capobianco no esquema que teria fraudado e superfaturado a licitação de construção do Cenpes, centro de pesquisa e desenvolvimento da Petrobras, no Rio de Janeiro, conforme denúncia feita pelo Ministério Público Federal.

Projeto de Concessão

O projeto de concessão para os parques nacionais de Aparados da Serra e Serra Geral é ambicioso. Com investimentos obrigatórios e outorgas na ordem de R$29 milhões e duração de 30 anos, a partir da sua assinatura, o contrato define três núcleos prioritários de visitação: Itaimbezinho, Rio do Boi e Fortaleza, que concentrarão as intervenções.

Na lista dos investimentos obrigatórios da concessionária estão a implementação de estruturas de recepção aos visitantes. Foto: Duda Menegassi

A lista inclui ações como: implementação e gestão de estacionamentos; a construção do Portal dos Parques, que funcionará como portaria principal de acesso aos visitantes; instalação de postos de informação e controle e de centros de apoio à visitação com sanitários; implementação de um Serviço de Transporte Interno nos parques, com objetivo de organizar a movimentação dos visitantes no acesso às unidades e aos atrativos; implementação de infraestruturas e serviços de hospedagem e de camping; e a abertura, manejo e sinalização de trilhas e de mirantes.

Além disso, o projeto básico também prevê que a concessionária deve contratar 10 postos de brigadistas e dois chefes de esquadrão para compor a Brigada de Prevenção de Combate a Incêndios Florestais do ICMBio. Caberá, entretanto, ao ICMBio a seleção e formação da brigada. O apoio aos programas de voluntariado, monitoramento ambiental, pesquisa e manejo de espécies exóticas também serão responsabilidades da concessionária.

Além de Aparados da Serra e Serra Geral, o Ministério do Meio Ambiente já expôs sua intenção de abrir editais semelhantes de concessão de apoio à visitação para pelo menos outras 20 unidades de conservação, como o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (MA), o Parque Nacional de Jericoacoara (CE) e a Floresta Nacional de São Francisco de Paula (RS).

 

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  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 5

  1. Arlete diz:

    Se ganhassemos em dólar,acharia razoável! Mas nossa realidade é bem diferente. Acho que o solo brasileiro pertence a todos nós sem discriminação! O valor cobrado deve ter em vista o acesso a todos que desejarem conhecer essa maravilha!! Acho muito caro para nossos padrões de consumo!!!


  2. Paulo diz:

    Detalhe, "o ingresso não poderá ultrapassar R$ 80, 00 (reais). É caro.
    Indo 4 pessoas de uma família, gastaram somente para entrar R$ 320,00.
    A proposta é ter acesso a todos, com custos justos e não elitizar o acesso, para que a população entenda o valor destas UC Brasileiras e conhecendo-as , valorize e defenda-as.
    O conselho da UC deve ser ouvido.


    1. Carlos diz:

      Quando visitei o parque em 2018, não tinha nem banheiro pro turista mijar. Uma lástima.

      Não é caro. É barato. O ingresso para se visitar o Yellowstone é de US$ 50.00.


  3. Carlos diz:

    Mais uma medida acertada deste que é um dos melhores ministros do governo Bolsonaro, Ricardo Salles.


  4. Jack Palance diz:

    "Distante dos negócios do pai…"