Pode não passar de um gesto diplomático, mas a Petrobras está dando sinais de que pretende ao menos colocar em discussão um calcanhar-de-aquiles de sua política ambiental: o caso do Parque Nacional de Yasuni, no Equador.
Enquanto no Brasil a empresa se esforça para respeitar a legislação e compensar os danos que volta e meia suas operações causam ao meio ambiente, do outro lado da fronteira, na Amazônia equatoriana, está prestes a iniciar a extração de petróleo no coração de uma área protegida, coisa que ela estaria impedida por lei de fazer aqui. É evidente, neste caso, que a Petrobras adotou padrão duplo de comportamento.
A grita em defesa do Parque Nacional Yasuni – a maior área protegida do Equador, com 982 mil hectares – vem crescendo nos dois países. E a Petrobras começa a vir a público responder às críticas.
No dia 29 de novembro, a empresa recebeu para uma reunião em sua sede no Rio de Janeiro representantes das principais ONGs brasileiras, equatorianas e internacionais que contestam seus planos de exploração petrolífera no Equador. Ao fim do encontro, comprometeu-se a organizar, em janeiro de 2005, uma visita à área junto com as ONGs, para avaliar os riscos e impactos ambientais denunciados.
A viagem pode não reservar muitas novidades para Julianna Malerba, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Ela participou, em agosto, de uma missão internacional ao Parque Yasuni, para conhecer de perto a operação das empresas Encana (do Canadá) e Repsol/YPF (da Espanha), em áreas vizinhas ao bloco que será explorado pela Petrobras. Diversos impactos ambientais foram constatados. “Em três dias, eu vi dois vazamentos de óleo. A ação das madeireiras também é muito forte, no bloco da Encana”, conta Julianna. A expedição constatou a contaminação das águas dos rios por óleo e alertou para a ameaça das atividades à biodiversidade do Parque. Julianna lembra que a área da Petrobras, conhecida como Bloco 31, com 200 mil hectares, é a única totalmente inexplorada no Parque. Nela estão localizadas grande extensões de floresta íntegra e comunidades indígenas que nunca foram contactadas.
A missão realizada em agosto serviu de base para a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, juntamente com o Projeto Brasil Sustentável e Democrático e a Associação de Combate aos POPs (ACPO), produzir em setembro uma petição solicitando à Petrobras o agendamento da reunião, que aconteceria dois meses depois.
No documento, as ONGs enfatizam a importância ambiental do Parque Nacional Yasuni, declarado Reserva Mundial da Biosfera pela Unesco. Alegam que os impactos da atividade industrial são altos, citando a estrada de 180 km que foi aberta para dar acesso aos locais de exploração, e por onde passam oleodutos e linhas de alta tensão. A petição diz que a estrada está provocando ocupação desordenada e “um alto grau de desmatamento” ao longo de suas margens. São freqüentes os vazamentos e descargas de petróleo nos campos que já estão em funcionamento. O documento denuncia ainda que no Bloco 16, da Repsol, há uma estação de incineração de parte dos rejeitos da petroleira, que libera dioxinas, furanos e metais pesados.
Por fim, as organizações condenam a prática de “duplo padrão”: “A nós como cidadãos, não nos parece tolerável que uma empresa brasileira, pública ou não, reproduza em território de nossos irmãos equatorianos o que diversas empresas internacionais fizeram aqui quando transferiram suas atividades poluentes para áreas de populações pobres e vulneráveis”.
Por meio de sua assessoria, a Petrobras afirmou que “nos sete anos em que a empresa opera na área não ocorreram conflitos sócio-ambientais e a companhia mantém excelentes relações com as comunidades circunvizinhas ao Bloco, assim como com as autoridades regionais”. Lembra que sempre respeitou a legislação equatoriana e adotou as medidas necessárias para prevenir e compensar os impactos ambientais, com a produção de um Estudo de Impacto Ambiental e a obtenção de licença junto ao Ministério do Meio Ambiente daquele país.
Mas ambos os documentos são questionados por ambientalistas do Equador. As ONGs Acción Ecológica e Oilwatch lideram o movimento de oposição à presença da Petrobras no Parque Nacional Yasuni. Juntas, divulgaram em maio o estudo “Petrobras no Yasuni: Comentários ao Estudo de Impacto Ambiental do Bloco 31”, que em 42 páginas chama de “vagas”, “insuficientes” ou “inadequadas” as medidas de redução do impacto ambiental propostas pela empresa. As críticas não impediram a concessão da licença ambiental, mas sua repercussão fez a Petrobras Energía Ecuador (PEE), braço da empresa brasileira no país, lançar um comunicado para a imprensa local, no dia 7 de setembro. Na ocasião, Hugo Giampaoli, gerente da PEE, informou que a Petrobras pretende estabelecer uma política de “vazamento zero” no Parque.
“Em qualquer atividade petrolífera os vazamentos são inevitáveis”, rebateu, em nota, a Acción Ecológica. A ONG contestou, item por item, as informações prestadas por Giampaoli. As divergências vão desde as pontes a serem implantadas no dossel florestal para o livre trânsito da fauna, até a participação dos indígenas em um “monitoramento participativo” para controlar a gestão ambiental das atividades.
A conclusão da nota é categórica: “A única forma de garantir a conservação do Parque é não havendo operações petrolíferas”. A brasileira Julianna Malerba faz coro (“O que estamos pedindo é que a Petrobras desista”), mas reconhece que o início da negociação já é um avanço. “A Petrobras foi aberta, ao aceitar nos receber. Queremos que ela abandone o projeto, mas não estamos fechados para o diálogo”, afirma.
De sua parte, a empresa acredita que a visita ao Parque em janeiro poderá desfazer a má impressão que a empreitada causa entre os ambientalistas. Além de mostrar os cuidados que estão sendo tomados para evitar danos à região, no Equador será possível ter acesso a mais informações sobre a exploração do Bloco 31 do que em sua sede brasileira, afirmou a assessoria de imprensa.
Na reunião com a rede de ONGs contrária ao projeto, a Petrobras propôs também uma comparação com a experiência de exploração de gás e petróleo em Urucu, no Amazonas. Apesar de não se localizar em área de preservação ambiental, Urucu fica em plena selva amazônica, e a empresa garante que aquela é uma iniciativa modelo, de impacto pequeno e que conseguiu evitar o crescimento populacional na região. Ostentando variadas certificações internacionais de gestão ambiental e trabalhista, Urucu é apresentada, pela Petrobras, como a prova de que é possível produzir na floresta sem prejuízo aos recursos naturais.
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