A poucos dias do início da Cúpula do Clima da ONU, o governo Bolsonaro lançou, na tarde de ontem (25), o que chamou de Programa Nacional de Crescimento Verde (PNCV). Iniciativa conjunta entre os Ministérios da Economia e Meio Ambiente, o programa tem o objetivo de “contribuir para consolidar o Brasil como a maior potência verde do mundo”, diz nota da pasta econômica.
Para especialistas, no entanto, este é mais um programa “retórico” do atual governo. Com aumento exponencial nos números de desmatamento e queimadas, e sem uma política efetiva de comando e controle, a atual administração federal tenta criar fatos positivos para apresentar na COP-26, que terá início no próximo domingo (31), em Glasgow.
Durante solenidade de lançamento, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, informou que o plano tem três objetivos principais: redução das emissões de carbono, conservação florestal e uso racional de recursos naturais, com geração de emprego verde e crescimento econômico.
“Há 60-90 dias atrás [sic], o ministro Paulo Guedes me ligou e solicitou um programa de crescimento verde. Agradeço a ele pela ideia”, disse Leite.
O decreto de criação do PNCV, publicado nesta terça-feira no Diário Oficial da União lista, de forma genérica, uma série de atividades que deverão ser incentivadas para alcançar os objetivos descritos pelo mandatário da pasta ambiental, como “adoção de iniciativas coerentes com as políticas públicas de meio ambiente, inovação, produtividade e competitividade” e “desenvolvimento de ações tecnológicas e inovadoras relacionada ao uso sustentável dos recursos naturais”.
Em uma rede social, o cientista político Bruno Carazza, doutor em Direito pela Universidade de Brasília, disse que o Programa Nacional de Crescimento Verde é um típico exemplo de como “adoramos fazer as coisas para inglês ver”.
Carazza cita a ausência de prazos, metas, responsabilização em caso de não entrega de resultado, avaliação periódicas, obrigações de publicar resultados e propostas, além da ausência da participação da sociedade civil no processo.
“Ao lançar esses programas e planos nacionais, os governos brasileiros fingem que têm política, o mundo finge que acredita e a gente continua à deriva, lidando com os velhos problemas de sempre: inflação, baixo crescimento, fome, desigualdade, devastação ambiental…”, disse o cientista político, no twitter.
Comitê Interministerial
Durante a cerimônia de lançamento do novo programa federal, o governo também anunciou a criação de um comitê interministerial que será responsável pela execução do Plano de Crescimento Verde.
Na prática, o que o governo fez foi renomear o Comitê Interministerial de Mudança do Clima, criado em novembro de 2019. O novo nome passa a ser: Comitê Interministerial Sobre Mudança do Clima e Crescimento Verde.
“O plano [PNCV] terá governança única. O Comitê Interministerial será responsável por criar e consolidar critérios verdes, levando em consideração as características de cada região do Brasil em todos os seus biomas. A criação do comitê trará mais transversalidade à agenda verde, que estava só no Ministério do Meio Ambiente e agora está em 10 ministérios, catalisando recursos de forma integrada, reforçando a agenda verde como uma das principais políticas do governo federal. O futuro verde está aqui no Brasil”, disse o ministro Leite, durante o lançamento.
A reunião de Ministérios para tratar do clima, na verdade, não é uma novidade. Em 1999 foi criado colegiado interministerial semelhante: a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, formada por 13 ministérios, mais Casa Civil da Presidência da República. O órgão foi extinto em 2020 por Bolsonaro.
Também em relação ao decreto que cria o Comitê, a falta de detalhamento foi criticada. Para a pesquisadora Natalie Unterstell, mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Harvard e especialista em políticas climáticas, o governo fez um “anúncio do anúncio”.
“Eles anunciaram que estão repaginando o comitê interministerial responsável pela Política de Mudança do Clima, para que ele se torne um comitê que vai ter a tarefa de construir um plano de crescimento verde para o Brasil. Não foi dado nenhum detalhe. Os dois decretos, tanto o do Plano quanto o do Comitê são muito cheios de palavras barrocas, mas não têm nenhum conteúdo específico, não tem nenhuma diretriz, nenhum instrumento concreto”, diz.
Segundo ela, o Brasil não terá nada para, de fato, apresentar na COP. “[O Plano de Crescimento Verde] está muito longe daquilo que o Brasil precisa, que são instrumentos, por exemplo, de precificação de carbono, de comando e controle do desmatamento. Nos parece que o plano é um instrumental retórico e não concreto de política pública […] Não há nada de relevante a ser levado para a COP”, defende a pesquisadora.
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Moito obrigado!
Javier Domínguez Angulo
Writer and landscaper