O juiz Vitor Porto dos Santos, da 2ª Vara Cível da Comarca de Maricá, determinou na última quarta-feira (17) que o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) cancele as licenças já concedidas para a implementação do Projeto Maraey, na Área de Proteção Ambiental (APA) de Maricá. O órgão ambiental estadual deverá comprovar ao Judiciário o cumprimento dessa decisão. O mesmo procedimento deverá ser adotado pela Prefeitura deste município litorâneo da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde o empreendimento liderado pela empresa IDB Brasil já tinha recebido alvará em 13 de julho.
Em nota divulgada à imprensa, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPERJ) informou que a decisão judicial “atendeu ao ingresso de uma petição do 6º Núcleo Regional de Tutela Coletiva”, com o intuito de que fossem reiterados os impedimentos legais existentes para a realização tanto desse projeto imobiliário como de qualquer outra obra na APA. Até o fechamento desta edição, o Inea informou que não havia sido notificado da determinação do Judiciário.
A DPERJ representa juridicamente a Associação Comunitária de Cultura e Lazer dos Pescadores Zacarias (Acclapez), em desdobramentos da Ação Civil Pública movida conjuntamente com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ). A mobilização socioambiental que tem tido ressonância no Judiciário foi gerada de forma unificada entre a Acclapez, organização representativa dos pescadores, cujas famílias vivem há mais de dois séculos na Vila Zacarias, e a Associação de Preservação Ambiental das Lagunas de Maricá (Apalma).
Na sua petição, a DPERJ argumentou que instâncias superiores já haviam decidido sobre essa questão dos impedimentos de realização de obras, como foi o caso da publicação de acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em novembro de 2021, reiterando decisão daquela corte proferida em abril do mesmo ano.
“O despacho do juiz da 2ª Vara Cível, onde tramita o processo, é pelo cumprimento de acórdão da 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, que já havia decidido pelo cancelamento das licenças e do alvará. Há ainda posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) desfavorável ao empreendimento. A IDB havia recorrido às duas instâncias, sem sucesso”, afirmou a DPERJ em nota sobre o processo no qual “são réus a IDB Brasil, a Prefeitura de Maricá, o Inea e o Estado do Rio de Janeiro”.
Na mesma nota divulgada pela DPERJ, a defensora pública que acompanha o caso, Renata Antão, titular do 6º Núcleo Regional de Tutela Coletiva, afirmou: “A expedição de alvará, pelo Município de Maricá, em 13 de julho, autorizando obras do empreendimento Maraey, representa verdadeira afronta às decisões do Poder Judiciário.”
Ainda segundo a defensora, “a decisão do juiz da 2ª Vara Cível proferida no último dia 17 reafirma que a liminar deferida, em segunda instância, no ano de 2013, permanece em vigor. Para Renata Antão, “as decisões judiciais posteriores, inclusive do STJ, apenas reafirmaram o entendimento de que a instalação do resort Maraey no local acarretaria dano irreparável à Área de Proteção Ambiental (APA) de Maricá, com impactos devastadores para o meio ambiente”.
Empresa está determinada a seguir com recursos possíveis
Em resposta à reportagem sobre os próximos passos que deverá adotar diante da determinação judicial mais recente, a IDB Brasil, responsável pelo projeto Maraey, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que ainda “não foi notificada formalmente da decisão do juízo da 2ª Vara Cível de Maricá”.
Independentemente do não recebimento da notificação formal, até o fechamento desta edição, “a empresa reafirma que, como sempre, cumprirá rigorosamente quaisquer ritos legais em vigência, mas que buscará imediatamente todos os meios legítimos e legais para avançar com o projeto do mais importante complexo turístico-residencial sustentável do país.”
Reiterou, ainda, que “o compromisso da IDB é com o desenvolvimento ambiental, social e econômico de Maricá por meio da implementação de um empreendimento que tem como principais pilares o patrimônio ambiental, com a constituição da segunda maior Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) de restinga do Estado, o apoio à comunidade local e o impulso econômico da região com a geração de milhares de empregos”.
Ambientalista diz esperar cancelamento definitivo do projeto no Judiciário
Ao tomar conhecimento da decisão judicial, a presidente da Apalma, Flávia Lanari Coelho, opinou que essa determinação pelo cancelamento do licenciamento vem de encontro às demandas que o movimento ambientalista tem levado ao Judiciário, apoiado pela comunidade científica que desenvolve pesquisas em Maricá, tendo inúmeros representantes no Movimento Pró Restinga. Ela afirma que não crê “na proposta de sustentabilidade” anunciada pelos empreendedores.
Em sua avaliação crítica, a ambientalista considera que as lideranças empresariais à frente da proposta do resort e os gestores públicos que defendem o empreendimento têm “vendido ilusões à população local”. Ela afirma, também, perceber ações de disseminação de desinformação de agentes públicos e privados “quando desprezam, em muitas ocasiões, nos últimos tempos, decisões judiciais repetidas em todos os recursos que impetram, às quais tentam burlar e camuflar, quando divulgam notícias sobre licenças e alvarás concedidos ao empreendimento que não têm nenhum valor legal, induzindo a população ao erro”.
Segundo opina, “são mentiras para convencer que resort, hotéis de luxo, condomínios e shoppings serão benéficos à população que vai perder o acesso à praia”. E questiona: “Alguém acha que não haverá achaques ao povo simples daqui que vai caminhando esses três quilômetros, mais ou menos, entre São José e o mar, em grupos grandes ou pequenos, ou às vezes solitariamente com suas varas de pesca?”.
Ao ser indagada sobre quais são as suas expectativas para o futuro de Maricá, a ambientalista afirma que deseja alcançar no Judiciário o cancelamento em definitivo do projeto Maraey. “E que nossos patrimônios naturais, não só nossa restinga, mas também outros ecossistemas, tesouros históricos e geológicos, se mantenham vivos e fortes, firmes no propósito de nos mostrar nossa insignificância diante de uma riqueza plural e de todos que conseguiu atravessar décadas, séculos e milênios”, conclui a dirigente da Apalma.
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