Esta coluna foi escrita para os vegetarianos. Mas os carnívoros podem lê-la antes de ir à churrascaria. Não é preciso ser vegetariano para se sentir em boa companhia, visitando as páginas do astrofísico canadense Hubert Reeves (www.hubertreeves.info). Para começo de conversa, trata-se de um dos sites mais bonitos da internet, onde se pode dar uma olhada nas palestras que, por falta de tempo para falar pessoalmente com cada platéia, ele converteu em suntuosos espetáculos audiovisuais. Neste verão do Hemisfério Norte, seus “Diálogos do céu e da terra” estão em cartaz nos parques nacionais da França e do Canadá.
Reeves garante que, mais cedo ou mais tarde, os vegetarianos tomarão conta não só dos restaurantes onde hoje os garçons lhes torcem o nariz, como do planeta inteiro. E banca a aposta com dois argumentos difíceis de empurrar para debaixo da mesa. O primeiro é de pura racionalidade econômica. O homem é onívoro, sim. Desde a noite dos tempos mistura em sua dieta a carne com os vegetais. Mas, se fizer bem as contas, comerá cada vez menos carne irremediavelmente, porque o rendimento calórico dos vegetais é muito maior.
A cadeia alimentar, em cujo topo nos sentamos, pois ela vai das plantas aos carnívoros, passando pelos herbívoros, é um processo dispendioso e perdulário. “Para extrair um grama de proteínas, o carneiro tira em média dez gramas das plantas e o leão tira dez do carneiro”, diz o texto. Logo, um grama de cereais é muito mais eficaz do que um grama de bife. E daí? Daí que o cálculo dessas perdas tem implicações práticas para uma população que cresce sem parar, como a nossa. Ou passará a ter, à medida que os bilhões de homens se multiplicam. Atualmente, ele afirma, nós já “utilizamos, direta ou indiretamente, quase a metade da matéria orgânica planetária produzida”. Mas, como acontece com quase tudo na terra, a produção de filés ainda é muito mal distribuída.
Sorte nossa. Se, de uma hora para outra, a humanidade inteira passasse a pôr carne no prato com a mesma prodigalidade dos países ricos, todo o cereal do mundo, engordando no meio do caminho os bois, os carneiros, os frangos e outros bichos, não daria para nutrir um terço dos habitantes do planeta. Ao contrário, sendo todos vegetarianos, sobrariam dois terços dos grãos.
Tudo bem, você não vai se deixar convencer por isso. Mas talvez se toque com o argumento seguinte. Reeves acredita que o ser humano esteja melhorando ao longo dos milênios. Devagar e sempre, com altos e baixos, muitos baixos, mas melhorando. “Pode-se dizer que a hominização de nossos ancestrais macacos, nossos primos, tenha correspondido a um fenômeno de humanização?” – ele pergunta. E responde: “Os elementos sugerem que sim”.
Ele comanda uma campanha internacional contra a caça esportiva. E várias ONGs ambientalistas. Dirige espetáculos musicais. Criou textos ecológicos para serem declamados ao som de músicas como “Pedro e o Lobo”, de Serge Prokofiev, “O Carnaval dos Animais”, de Camille Saint-Saens, ou “A Mãe Ganso”, de Maurice Ravel. Tem trabalhos publicados sobre as reações termonucleares dos núcleos estelares, o espectro dos neurinos solares, a origem de elementos leves, como o bório, o lítio e o berlino, a densidade do universo e coisas do gênero. E também escreveu quase 20 livros, com títulos como “Um grito do coração”, “A mais bela história da terra” e “Pássaros, maravilhosos pássaros”. Bem, você pegou o espírito da coisa.
Reeves se considera um cientista multimídia. É o protagonista e o principal ator de um filme intitulado “O contador de estrelas”. Escreve poemas. E apresenta um programa de divulgação científica na rádio francesa. Do alto de todo esse formidável currículo, ele afirma que a Declaração Universal dos Direitos do Animal está, aos poucos, pegando junto à opinião pública. Há cada vez menos jovens que caçam, por exemplo. E, depois de atingir esse ponto, chegar à interdição dos matadouros é um pulo.
Um pulo e tanto, como ele mesmo deixa entrever no próprio site, onde recolheu, num “florilégio”, vinte e cinco séculos de citações contra a matança dos bichos. A lista começa com Pitágoras, no quinto século antes de Cristo: “Enquanto os homens matarem os animais, eles se matarão uns aos outros”. Passa por Leonardo da Vinci, no Renascimento: “Virá o dia em que o assassínio de um animal será condenado às mesmas penas que o assassínio de um homem”. Por Voltaire, no Dicionário Filosófico: “Que pobreza de espírito dizer que os animais são máquinas desprovidas de consciência e sentimento”. Por Bernard Shaw: “Quando o homem quer matar um tigre, ele chama isso de esporte. Quando o tigre mata o homem, ele chama de ferocidade”. Por Mahatma Gandhi: “A grandeza de um país e seu progresso moral podem ser medidos pela maneira como trata os animais”. A lista não pára por aí. Nada, com Reeves, pára por aí.
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