A Organização Meteorológica Mundial (OMM) publicou na semana passada seu relatório “Estado do Clima Global”, registrando aumento recorde de calor oceânico. O aumento do nível do mar dobrou entre 1993 e 2002, com perda de geleiras acima da média. Recentemente escrevi, em conjunto com o professor Luiz Marques da Unicamp, um artigo que questiona a métrica utilizada pelos países para calcular suas emissões líquidas de gases efeito estufa (GEE), gerando dados que são enviados para as Nações Unidas para modelagem global.
É evidente que a base de dados sobre emissões está subestimada, ao não considerar outros elementos, não antropogênicos, até mesmo efeitos indiretos do aquecimento planetário, como a liberação de metano do permafrost.
O sexto relatório do IPCC publicado no último mês de março é resultado de oito anos de trabalho de um corpo científico que conta com centenas de especialistas dos mais qualificados em todo o mundo. O relatório apresenta um cenário preocupante, elencando perdas materiais e de vidas humanas.
Apesar de a janela do tempo estar se esgotando para agir e reverter o cenário, o relatório se esforça para passar a necessária dose de otimismo, de modo a estimular ações necessárias.
O quadro global trazido pelos relatórios da OMM e IPCC, além da falta de metodologia adequada na coleta de dados, demonstra a falta de eficácia governamental para enfrentar este desafio civilizatório. Estão esmaecendo a pouca segurança que nos resta para uma possível contenção das mudanças climáticas.
A atual ultrapassagem de aumento médio de 1,1 grau Celsius lança dúvidas sobre a capacidade humana de manter a temperatura dentro dos níveis aceitáveis de 1,5 grau preconizados como índice mais seguro pelo Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC).
De outro lado, o IPCC aponta que os efeitos do aquecimento registram efeitos mais severos do que se esperava, conforme demonstra o drástico índice de chuvas registrado em fevereiro de 2023 no litoral norte paulista. O volume recorde de 627 mm de chuva se abateu sobre o município de São Sebastião em apenas 24 horas, provocando 68 mortes, deixando 1.730 desalojados e 766 desabrigados.
Os riscos sobre vulnerabilidade decorrentes de ocupação inadequada do solo continuam subestimados. Dentro da maior metrópole da América do Sul, a cidade de São Paulo continua a crescer sem planejamento ambiental, com plano diretor que não considera de forma efetiva os componentes essenciais das mudanças climáticas. Sem estudos de impacto ambiental sobre a extensa ocupação nas áreas originalmente ocupadas por várzeas, a sociedade civil e especialistas vêm promovendo contínua demanda por estudos ambientais eficazes.
A situação é ambientalmente insustentável, derivando da velha prática da especulação imobiliária que prossegue seu ritmo de business as usual, mesmo dentro do atual cenário da emergência climática. A defesa do status quo é mantida à custa de esforços jurídicos governamentais que tutelam o processo e resistem até a última instância (STF) contra a apresentação de estudos ambientais.
Observando os últimos dados sobre o desmatamento da Amazônia e do Cerrado, é possível compreender quão pouco eficiente tem sido a governança ambiental do país para conter as mudanças climáticas. No corrente mês de março o índice de desmatamento da Amazônia registrou 344 km², um aumento de aproximadamente 180% com relação ao mês de março do ano passado.
A maior parte do desmatamento (76%) decorre da grilagem e ocorre em áreas privadas, o que exige fiscalização eficiente para sua contenção. O agravante é que está deixando as bordas do Arco de Desmatamento e caminhando para o coração da Amazônia, margeando as estradas federais, o que ameaça ainda mais a resiliência da floresta, próxima do ponto de inflexão.
A Mudança do Clima provoca o colapso do ecossistema sobre os elementos bióticos que dependiam do ecossistema original. A iminência do colapso tornou-se uma grande dor de cabeça para o mundo dos negócios. As preocupações iniciadas por agentes de seguro, muitos dos quais irão à bancarrota com as tragédias climáticas, movimentam hoje grupos mundiais de investidores que representam cerca de US$ 130 trilhões. Exigem informações dos grupos empresariais sobre a publicização das iniciativas de cerca de 10 mil empresas com relação aos seus procedimentos quanto às mudanças climáticas.
Enquanto a comunidade europeia caminha para cortar emissões veiculares a partir de 2035, o Brasil sinaliza aumento expressivo na extração de petróleo com possível exploração da margem equatorial brasileira, na região da foz do rio Amazonas. Nas negociações multilaterais, sinalizadas na lista das andanças internacionais do governo Lula, não estão Comunidade Europeia, onde especialmente a Alemanha apresenta posições mais progressistas no combate às mudanças climáticas. Na prática, o Brasil parece perseguir outros objetivos que não a de potência global na área ambiental.
Os sinais de colapso climático trazem à baila o grande problema para a sobrevivência da humanidade: a segurança hídrica, alimentar, e a prevenção das migrações em massa. O secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, apontou as consequências drásticas que já atingem dezenas de milhões de pessoas com migrações em massa decorrentes das secas na África Oriental e chuvas devastadoras no Paquistão, em um cenário marcada por intenso desequilíbrio nos ciclos naturais, como a floração das cerejeiras do Japão, que foi a mais precoce em 1.200 anos.
Na antessala do colapso, é preciso montar salas de situação, voltadas à governança ambiental e climática, nas diferentes esferas da competência administrativa: federal, estaduais e municipais. Nesse processo de resistência humanitária, três elementos indispensáveis para a gestão pública ambiental serão essenciais: o uso e aperfeiçoamento dos meios legais disponíveis; o concurso da ciência para decisões informadas; e a transparência de dados, com participação e controle social.
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