BICHOS, PLANTAS E HISTÓRIAS QUE NÃO CONTARAM PARA VOCÊ
Episódio 1 | A curiosidade matou a harpia
Sinopse
Ficha Técnica
Este podcast teve o apoio do programa Acelerando a Transformação Digital 2022, do Meta Journalism Project, em parceria com o Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ) e a Associação de Jornalismo Digital (Ajor).
“Bichos, plantas e histórias que não contaram para você” tem produção da Todavós e ((o))eco.
Pesquisa, roteiro e apresentação: Duda Menegassi e do Rafael Ferreira.
Consultoria em roteiro e revisão final: de Geórgia Santos
Edição: Geórgia Santos e Douglas Weber.
Montagem, sonorização e finalização: Douglas Weber.
Música original: Gustavo Finkler.
Estratégia de distribuição: Milena Giacomini e da Gabriela Güllich
Identidade visual: Gabriela Güllich
Site e material audiovisual: Marcio Isensee e Sá
Idealização, coordenação e execução financeira: Paulo André Vieira
Além de áudios do nosso acervo, este episódio usou trechos da peça de propaganda Integração da Amazônia, de 1974, que é parte do acervo do Arquivo Nacional.
Agradecemos a Thiago Reis, Ale Potaschef, José Orenstein, Felipe Seibel, Rodrigo Alves, Mônica Aquino, Everton Miranda, Felipe Mansur, Bruna Borjaille, Alison Grausam e Thayane Guimarães, do Centro Internacional para Jornalistas, Maia Fortes, todos os colegas da Ajor, e — é claro — à toda a equipe de ((o))eco.
Material Extra
Reportagem “A curiosidade (dos outros) matou a harpia“, por Duda Menegassi
Artigo científico “Landowner perceptions of livestock predation: implications for persecution of an Amazonian apex predator” (Percepções de proprietários sobre predação de gado: implicações na perseguição de um predador de topo amazônico), por Everton Miranda, C. A. Peres e C. T. Downs.
Fotos e Making of
Transcrição
Bichos, Plantas e Histórias que não contaram para você
Episódio 01 | A curiosidade matou a harpia
Duda Menegassi: Eu estou aqui no Parque Nacional da Tijuca, que é uma das maiores áreas verdes protegidas dentro de um território urbano no mundo. E esse parque, aqui no Rio de Janeiro, protege um dos poucos trechos de Mata Atlântica ainda preservados no município.
A cidade não está tão longe, mas dá para sentir um pouco da tranquilidade desse lugar. Ouve os sons da floresta comigo.
Sinta essa tranquilidade e deixa o caos lá fora.
Eu estou aqui debaixo de um jequitibá. Eu fico olhando para cima e imaginando que lá no alto, entre aqueles galhos, há muito tempo, podia ter um ninho de harpia.
Antes dos portugueses chegarem por aqui, a Mata Atlântica se estendia por todo o litoral brasileiro. Era uma faixa verde que ia do Rio Grande do Sul até o Ceará. Mas depois de mais de 55 anos de ocupação e exploração, ela mudou muito. O verde deu lugar à cidade e hoje o que resta são poucos fragmentos que chegam a cerca de 12% do que havia de mata, originalmente. E isso é muito pouco para sustentar todas as espécies de bichos e plantas que existiam aqui.
O Parque Nacional da Tijuca é um respiro de floresta no meio de uma das maiores metrópoles brasileiras. Mas não foi sempre assim. A floresta que existe aqui, hoje, é fruto de uma iniciativa pioneira de reflorestamento, comandada por Dom Pedro II lá no século XIX. Nessa história de devastação, muitas espécies deixaram de existir por aqui. Como a harpia que, num passado distante, talvez já tenha feito seus ninhos em árvores como essa que observo aqui do chão. Uma gigante, sem dúvida. Mas sem a companhia da gigante dos céus.
Rafael Ferreira: Imagina uma águia enorme. De pé, a harpia tem um metro de altura. Quando abre as asas, de ponta a ponta, pode chegar a 2 metros. A plumagem da cabeça é de um cinza claro, que revela uma bela crista de penas um pouco mais escuras, que seguem no topo da cabeça. É como se ela tivesse um topete. O bico robusto tem uma forma de gancho. O pescoço, tem esse tom de metal escuro, quase chumbo, que desce como uma cascata meio irregular até o peito amplo dessa ave.
As partes inferiores são brancas, com pernas salpicadas de um cinza pálido e que terminam em poderosas e longas garras negras, capazes de capturar — e destroçar — presas como macacos, preguiças e até filhotes de veados.
Mas não é fácil avistar toda essa exuberância quase assustadora. Para encontrar uma harpia, temos que ir para um bioma bem diferente de onde estamos: a Amazônia.
Duda Menegassi: E foi lá, no norte de Mato Grosso, que tive a chance de ver de perto uma harpia.
Eu sempre tive muita curiosidade sobre a harpia. Mas ainda assim, nada tinha me preparado para o que seria vê-la pessoalmente. E olha que eu só vi um filhote! E a curiosidade não é só minha: tem gente, principalmente de fora do Brasil, que viaja para o interior de Mato Grosso, só para ver essa ave de perto. Sem falar nas pessoas que moram lá, que também ficam intrigadas com o aspecto incomum dessa ave gigantesca.
O problema é que tinha gente querendo ver a harpia tão de perto, que estava disposta a tudo para conseguir.
Rafael Ferreira: Você está ouvindo “Bichos, plantas e histórias que não contaram para você”, um podcast do site ((o))eco de jornalismo ambiental.
Nessa temporada, em seis episódios, a gente traz alguns dos principais temas da conservação da natureza no Brasil.
Eu sou o Rafael Ferreira.
Duda Menegassi: Eu sou a Duda Menegassi
No episódio de hoje, “A curiosidade (dos outros) matou a harpia.”
Quem me acompanhou nessa pequena expedição para ver de perto a maior ave de rapina brasileira foi Everton Miranda, pesquisador da The Peregrine Fund e especialista em harpias. Nós caminhamos por meia hora, floresta adentro, até que nos deparamos com uma árvore enorme, de tronco super grosso, e lá em cima, há uns 27 metros de altura, estava o ninho. Mas vazio.
Demoramos algum tempo até achar o filhote, de cerca de oito meses, que nos observava de outra árvore. Esse filhote ainda vai precisar de uns 4 ou 5 anos para alcançar a plumagem adulta e aprender a caçar sozinho. Ou seja, ele ainda não se vira sozinho. E o som que você ouviu há pouco, que parece um apito agudo, um piado bem alto, é justamente o som de um filhote de harpia chamando a mamãe. Muito provavelmente por nossa causa, para que ela averiguasse quem eram aqueles estranhos, tão perto da sua casa.
Everton Miranda: O chamado do filhote é um silvo agudo, longo, que ele usa para se comunicar com os adultos quando ele está pedindo a comida ou a presença dos adultos. Então ele tem um um silvo bem compridão assim e, simultaneamente, quando ele emite esse silvo, ele contrai as asas fechadas.
Rafael Ferreira: Esse é o Everton, que acompanhou a Duda na busca pela harpia. E como você vai ver daqui a pouco, o Everton e a pesquisa que ele fez são fundamentais para a história que a gente está contando aqui. Mas voltamos a isso depois.
Everton Miranda: Os filhotes, eles são cuidados pelos pais. Eles recebem cuidado parental, como a gente diz na Biologia, durante alguns anos. Eles nascem com cerca de 56 dias, voam com alguma coisa entre quatro e sete meses. E depois desse período, já [estão] voando e já [estão] caçando uma parte muito pequena do seu alimento. Depois de alguns meses voando eles ainda recebem alimento dos pais até ter cerca de dois anos e meio, três anos de idade. Então as harpias só produzem um filhote a cada a cada três anos.
Rafael Ferreira: O Everton explica que se a gente olhar uma harpia no nível dos olhos, a gente vai ver que elas tinham dorso escuro, mas o interior das asas é branco. Então fazem essa contração das asas funciona como um flash: tem esse movimento do corpo e a vocalização
Everton Miranda: Simultaneamente, o filhote tem um um display visual pros adultos verem ele (que os adultos também conseguem fazer), além do display da voz. Então os adultos identificam isso como um chamado de um bicho que tá precisando de alguma forma de atenção ou que tá precisando de alimento. Eles vão emitir essa vocalização quando eles estão com fome obviamente e também quando eles estão sob risco e eles querem que um adulto venha dar uma olhada no ninho. Se tem, enfim, algum movimento estranho ali pelo entorno.
Duda Menegassi: E segundo o Everton, os filhotes são cuidados pelos pais por bastante tempo.
E tem que cuidar mesmo. Porque o estranhamento com relação à harpia é tanto, que muita gente não sabe nem como chamar essa ave.
Everton Miranda: Como a harpia é um bicho amazônico e não ocorria mais na Mata Atlântica na ocasião das pessoas estarem aqui, a harpia não tem nome. Os migrantes do Sul do Brasil, do Paraná, de Santa Catarina, eles já tinham extinto a harpia no Paraná antes de virem para cá. A perda de habitat já tinha eliminado da espécie lá, antes deles virem para a Amazônia.
Então, ao contrário das populações caboclas, ribeirinhas e indígenas que existem na Amazônia, os imigrados sulistas do Arco do Desmatamento normalmente carecem de um nome popular para a espécie. Não tratam ela por nome nenhum.
Normalmente, quando eu chegava pra falar sobre os abates e tal, fazer as entrevistas formais, eles falavam que mataram “um gavião muito grande.” “Matei um mundo do gavião enorme.”
Rafael Ferreira: O nome das harpias vem de outro tempo e continente. Na mitologia grega são representadas assim, como aves de rapina, mas não é uma ave qualquer. Estamos falando de um pássaro com um rosto e torso de mulher, uma criatura enviada para punir. Por isso, os primeiros exploradores europeus nessas bandas ignoraram as designações dos povos originários, e passaram a chamar esses pássaros de harpias.
Não à toa, as harpias são o que se chama de predadores de topo. Isso quer dizer que, na cadeia alimentar em que elas estão inseridas, não tem nenhum animal que esteja em cima delas.
E assim, a ave se expõe, sem medo, nos galhos de árvores altas, a 20, 30 metros de altura. Não tem nenhum bicho que se alimente dela. Ela não tem nenhum predador. Ou, pelo menos, não tinha. Porque quando se coloca gente nessa história, quando o bicho homem entra nessa equação, a coisa complica.
Nos anos 2015 e 2016, 181 harpias foram abatidas no norte do Mato Grosso. O motivo? Em grande parte, curiosidade. Para ver de perto esse pássaro tão poderoso, os curiosos gastavam uma, duas ou quantas balas forem necessárias para levar a ave ao chão. O corpo abatido era antes cuidadosamente observado, para depois ser exibido nas redes. Para outros curiosos.
Duda Menegassi: Durante a nossa expedição, enquanto a gente observava o filhote de harpia na floresta, o Everton me explicou a lógica desse tipo de caçador.
Everton Miranda: Normalmente é muito fácil para um caçador abater uma harpia porque elas são bichos que ficam empoleirados durante muito tempo no mesmo poleiro. E esses bichos param na borda também da floresta para forragear. Essas duas características juntas fazem com que seja muito fácil abater um animal, porque é muito atípico um predador passar muitas horas no mesmo lugar. Você não vai ver uma onça sentada cinco, sete, doze horas no mesmo lugar, mas, eventualmente, você vê uma harpia fazendo isso. Eventualmente, você vê ela até fazendo isso na borda de uma área de mata.
Consequentemente, é muito fácil. O cara vê, às vezes volta para casa de cavalo para pegar espingarda, ir lá olhar de novo e atirar no bicho, porque queria ver com a mão. Como eles dizem: “Queria ver muito de perto esse gavião tão grande assim, que não tem nome.” Então é um bicho relativamente fácil de abater quando quando você está, por exemplo, cuidando do gado e fazendo outras atividades em campo.
Rafael Ferreira: A curiosidade matou a harpia.
Duda Menegassi: Essa matança insólita foi descoberta ao acaso, durante uma pesquisa que se propôs a analisar a relação entre proprietários de terra e a harpia. O Everton e mais dois pesquisadores, Colleen T. Downs, também da Universidade de KwaZulu-Natal, na África do Sul, e Carlos Peres, da University of East Anglia, do Reino Unido, aplicaram questionários entre os moradores de áreas rurais situadas ao norte de Mato Grosso. Os proprietários entrevistados admitiram que a maioria dos abates de aves aconteciam por não estarem familiarizados com a espécie. Ou seja, por curiosidade.
Voz adicional: “Eu queria ver de perto”
“Eu nunca tinha visto um gavião desse tamanho”
Duda Menegassi: … foram algumas das respostas ouvidas pelos pesquisadores. As outras mortes eram retaliação tanto pela predação de animais de criação, como porcos e galinhas, quanto domésticos, como cães e gatos.
Fosse por curiosidade ou por vingança, em média, 90 harpias eram abatidas por ano naquela região.
Everton Miranda: …e eu acredito que inclusive foi parte do fenômeno que eliminou a espécie na Mata Atlântica, historicamente.
Se se pensar que é uma espécie com um ciclo de vida tão longo, populações tão pequenas, qualquer taxa…
Duda Menegassi: Você deve ter percebido que o Everton e eu não estamos em um estúdio durante essa conversa. Essa entrevista foi gravada dentro de um carro, enquanto a gente atravessava as estradas de terra de Sinop e Mato Grosso, até o local onde estava o ninho da harpia. Por isso que o áudio está um pouquinho diferente.
Everton Miranda: … trinta a trinta seis meses, que é quando eles vão recomeçar outro ciclo reprodutivo. Então é um é um ciclo de vida muito lento. O mais lento entre todas as espécies deaves.
Rafael Ferreira: Essa região da Amazônia, conhecida como Arco do Desmatamento, se estende do leste e sul do Pará em direção oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre. É por lá que avança a fronteira agrícola e, com ela, as maiores taxas de desmatamento de toda a Amazônia.
Áudio: O hasteamento da bandeira em Itaituba marcou o início da visita do Presidente Médici às obras rodoviárias na Amazônia.
O Ministro Mário Andreazza mostrou como se encontram os diferentes trechos da Rodovia Transamazônica.
Rafael Ferreira: Essa fronteira avançou historicamente com apoio do próprio governo, que a partir da década de 70, em plena Ditadura Militar, incentivou a ocupação da região Norte do Brasil sob o lema “Integrar para não entregar”.
Áudio: O primeiro deles, com mais de 250 km, que liga Estreito a Marabá, no Estado do Pará, foi entregue ao tráfego durante a visita presidencial. Tiveram eles a oportunidade de constatar o ritmo em que e desenvolvem as obras, não só de construção da estrada, como também da colonização das ricas terras de suas margens.
Duda Menegassi: Essa “colonização de ricas terras” a que se refere a propaganda da Ditadura Militar, no caso do norte do Mato Grosso, foi feita principalmente por pessoas do sul do país. Paranaenses, catarinenses e gaúchos que fincaram raízes em terras matogrossenses. Ou melhor, arrancaram. Porque eles arrancaram as raízes da floresta./
Vindos de uma região no Brasil onde não conheciam nenhuma águia tão imponente quanto uma harpia — porque ela já tinha sido extinta por lá —, resolveram se aproximar desse gigante dos céus para vê-lo de perto ou, como alguns disseram na pesquisa, para “ver com as mãos”.
Rafael Ferreira: A população das harpias está diminuindo rapidamente devido à perda e degradação da floresta, caça e perseguição. Nesse ritmo, a espécie pode desaparecer das florestas do norte do Mato Grosso num futuro próximo. Aliás, Everton suspeita que foi o que aconteceu no Rio, no passado.
Mas a gente não está aqui só para falar de desgraça. Esse é um podcast de histórias de conservação. E a história da harpia no Brasil não precisa acabar no cano da bala.
Além de pesquisador, Everton Miranda é o responsável por estimular o turismo de observação de harpia na região.
A partir de 2017, já com os números preocupantes que indicavam uma taxa média de abate de 90 harpias por ano, ele decidiu que precisava agir antes mesmo de concluir a pesquisa.
Everton Miranda: Normalmente, [a gente] vem visitar primeiro para saber se é realmente ninho de harpia, para, como a gente mesmo diz, “não gastar o cartucho à toa”. Quer dizer, não perturbar o dono da terra sem uma razão muito específica. E depois que a gente fez [a verificação], a gente, normalmente, se apresenta, apresenta os contratos, apresenta os valores e pergunta se ele está interessado em fazer o projeto. Essa parte quem faz sou eu.
Do contato com os proprietários. Eu faço convencimento, como é que o turismo funciona, e assim por diante.
Duda Menegassi: O projeto também reembolsa financeiramente os proprietários que relatam casos de predação de animais de criação, como porcos e galinhas, justamente para evitar esse sentimento de “sede de vingança” entre eles.
Foi através dessa iniciativa, que faz parte do projeto Construindo uma Estratégia para Conservação da Harpia na Amazônia, coordenado por Everton, que eu me enfiei na floresta atrás de um dos ninhos monitorados.
Rafael Ferreira: De 2017, quando a iniciativa de turismo começou, até a eclosão da pandemia – que comprometeu as atividades turísticas – o projeto recebeu em média 100 a 120 turistas por ano.
Everton Miranda: O perfil de turista do turismo internacional de fauna é de terceira idade. A gente não tem como escolher outro público. As pessoas são assim ou pelo menos sua extensa maioria é assim.
Quem compra com a gente via de regra é fotógrafo amador ou ecoturista que gosta muito de fotografia de fauna. E são pessoas que foram ao Pantanal, que visitam o Pantanal para ver onça pintada, visitam o Pantanal Norte, partindo do aeroporto de Cuiabá, e normalmente essas pessoas compram extensões de turismo de harpia — Então ele fica 5 dias no Pantanal, por exemplo, e três na Amazônia vendo harpia.
Duda Menegassi: E aí é o público estrangeiro geral: americano, europeu…
Everton Miranda: Europeu, inglês principalmente. Pensa naquele velhinho passarinheiro europeu clássico. Aquele cara que vai num safári africano, que gasta uma nota para ficar dias em Botswana tirando foto de elefante e tal. Aquele mesmo carinha.
Rafael Ferreira: Apesar de um número ainda tímido, ele está associado a outro dado, que mostra na prática o impacto positivo do turismo. Nos cinco anos desde que o projeto foi implementado para valorizar a presença das harpias e mudar a percepção dos moradores sobre ela, Everton registrou apenas três abates.
Everton Miranda: A sensibilização era muito interessante porque no momento em que a gente começa a oferecer a recompensa, a atitude já muda. Porque é um bicho que vale dinheiro, é de interesse e tal. Então o cara já pensa duas vezes antes de matar.
E quando eu cheguei [na região], a minha publicidade era muito intensa. Eu passava por tudo colando no cartaz. A gente pagava para colocar anúncio de rádio. O meu cartaz foi feito por um designer profissional, uma “parada” bonita assim, sabe? Para o cara ver e gostar.
E eu não repeti as entrevistas formais, dessa pesquisa que você está comentando. Só que, depois da implementação do projeto, eu acho que tive notícia de três bichos abatidos, na minha área de estudos. Enquanto a média histórica deve ser de cerca de 90 por ano. 90 por ano para três por anos depois da implementação do turismo.
Rafael Ferreira: Os números podem ser maiores, afinal, esses dados foram colhidos informalmente. Mesmo assim, são um bom indicador de que a matança de harpias foi interrompida.
Além disso, a iniciativa virou um esforço de ciência cidadã, já que na medida em que as pessoas notificam novos ninhos, os pesquisadores podem monitorar os nascimentos de filhotes e número de indivíduos da ave que vivem naquela região.
O próximo passo é refazer a pesquisa no futuro e ampliar o escopo para outras comunidades e assentamentos, “para ver se o efeito do turismo e da oportunidade financeira com a harpia chegou até lá”.
Miranda acredita que os caminhos para conservar a harpia não apenas no Mato Grosso, mas ao longo de todo o Arco do Desmatamento, na Amazônia, são investir em ações educativas e conscientização voltadas para os sitiantes, e oferecer meios para que as pessoas conheçam a espécie. Para isso, integrar as harpias na economia local é estratégico.
Duda Menegassi: Caminhando pelo Parque Nacional da Tijuca, área há muito tempo esvaziada de fauna nativa, torço para que as harpias da Amazônia tenham melhor sorte do que as da Mata Atlântica. Para isso, iniciativas como o turismo de observação de aves podem ser aliadas importantes para mudar a forma como as pessoas percebem a floresta em pé e o valor que dão para ela. Como o Everton mesmo fala, não é o turismo, sozinho, que vai salvar a harpia de uma possível extinção. Mas ele é uma ferramenta poderosa.
A curiosidade – dos outros – matou a harpia. Mas, quem sabe, também possa protegê-la.
Rafael Ferreira: Você acaba de ouvir o primeiro episódio de “Bichos, plantas e histórias que não contaram para você”, podcast do site ((o))eco de jornalismo ambiental.
Quando a esquadra de Cabral pisou no litoral brasileiro, deu início a uma exploração ininterrupta das florestas costeiras. Uma das madeiras mais valiosas foi (e ainda é) o pau-brasil, que ao longo desses mais de 500 anos foi cortado para fazer desde móveis na Europa até violinos. Hoje uma árvore ameaçada e protegida por lei, pesquisadores encontraram uma testemunha – um pau-brasil de 600 anos – que sobreviveu a todos esses ciclos de destruição e segue vivo, oculto em meio a uma floresta que, milagrosamente, manteve-se de pé.
No próximo episódio, a gente vai contar a história inspiradora do sobrevivente solitário de um ecocídio.
Este podcast teve o apoio do programa Acelerando a Transformação Digital, do Meta Journalism Project, em parceria com o Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês) e a Associação de Jornalismo Digital (Ajor).
“Bichos, plantas e histórias que não contaram para você” tem produção da Todavós e ((o))eco.
Acesse o nosso site, oeco.org.br, e clicando na página “Especiais”, tem acesso a todas as informações sobre o projeto, com conteúdos adicionais sobre cada um dos episódios.
A reportagem original “A curiosidade (dos outros) matou a harpia”, escrita pela Duda Menegassi, você também encontra lá no site.
Este episódio teve pesquisa, roteiro e apresentação da Duda Menegassi e minha, Rafael Ferreira.
As externas foram gravadas no Parque Nacional da Tijuca.
A consultoria em roteiro e revisão final são da Geórgia Santos. Também é da Geórgia, a edição do episódio junto com o Douglas Weber.
A montagem, sonorização e finalização são do Douglas Weber.
A música original é de Gustavo Finkler.
A estratégia de promoção, distribuição nas redes e conteúdo digital é de Milena Giacomini e da Gabriela Güllich, que também assina a identidade visual.
A idealização, coordenação e execução financeira do projeto são do Paulo André Vieira.
Além de áudios do nosso acervo, este episódio usou trechos da peça de propaganda Integração da Amazônia, de 1974, que é parte do acervo do Arquivo Nacional.
Agradecemos a Thiago Reis, Ale Potaschef, José Orenstein, Felipe Seibel, Rodrigo Alves, Mônica Aquino, Everton Miranda, Felipe Mansur, Bruna Borjaille, Alison Grausam e Thayane Guimarães, do Centro Internacional para Jornalistas, Maia Fortes, todos os colegas da Ajor, e — é claro — à toda a equipe de ((o))eco.
Duda Menegassi: Se você gosta do nosso trabalho, apoie a gente. Acesse oeco.org.br que lá você vai achar o caminho para se tornar um apoiador.
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