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Registro inédito confirma que ainda há harpias em Minas Gerais

Há pelo menos um século não havia registros de harpias na Mata Atlântica mineira. Foto feita por observador de aves na Mata do Limoeiro veio à público no Wikiaves

Duda Menegassi ·
30 de junho de 2023

“Olha o gavião!”, gritou o sobrinho de Oswaldo, de apenas oito anos, enquanto eles passarinhavam em família em Almenara, no nordeste de Minas Gerais, no último domingo (25). Quando o engenheiro agrônomo olhou para cima, quase caiu para trás. A cerca de 20 metros de altura, estava o maior gavião de todos, o gavião-real, também conhecido como harpia. Esse encontro com a maior ave de rapina do país já seria uma história especial para qualquer observador, porém as fotos feitas por Oswaldo confirmaram que ainda há harpias na Mata Atlântica mineira, o que não era documentado há pelo menos um século. 

Ao todo, ele fez 86 cliques até que a ave voasse para fora de vista – “ia fazer um vídeo, mas não deu tempo” –, mas foi suficiente. E assim que ele publicou suas fotos na plataforma Wikiaves, a reação foi imediata. “Foi um registro extraordinário aqui para Minas Gerais, ainda mais porque conseguimos uma boa foto”, conta o engenheiro em conversa com ((o))eco. 

As fotos dele guardam uma informação ainda mais extraordinária: a harpia fotografada muito provavelmente não está sozinha, como esclarece o biólogo Everton Miranda, especialista ouvido por ((o))eco. Há um ninho, com um filhote recém-chocado e, naturalmente, um parceiro.

“O peito está tingido de marrom, isso indica que é um bicho que estava chocando durante a última chuva. É o tanino das folhas que deixa o peito assim amarronzado, pelo contato com as folhas durante os 55 dias de choca”, explica Everton. “Tem ninho por ali, a menos de 10 quilômetros dessa localidade”, completa.

As manchas amarronzadas do peito da harpia indicam que a ave estava nidificando recentemente. Foto: Oswaldo Rezende

A localidade em si é conhecida como Mata do Limoeiro e fica no município mineiro de Almenara, no extremo nordeste do estado, já próximo da fronteira com a Bahia. 

A harpia (Harpia harpyja), ocorre em áreas de floresta do México à Argentina. No Brasil, a maioria dos registros atuais está na Floresta Amazônica, mas a espécie ocorre até mesmo em enclaves florestais no Cerrado e no Pantanal. Enquanto na Amazônia a espécie ainda ocorre em boas densidades, na Mata Atlântica ela é cada vez mais rara – uma consequência direta de mais de cinco séculos de  desmatamento e degradação.

Há poucas localidades conhecidas atualmente para a ave no bioma, a maioria no sul da Bahia – como nas reservas particulares Estação Veracel e Serra Bonita, nos parques nacionais Pau Brasil e Serra das Lontras, e na Reserva Biológica Una. Também há localidades no Espírito Santo, principalmente nos municípios de Sooretama e Linhares, e no Rio Grande do Sul, no Parque Estadual do Turvo. “Em nenhum desses lugares tem uma população conhecida razoável. São sempre 1 a 3 ninhos”, conta o especialista Everton Miranda. Na Mata do Limoeiro, ele acredita que se trate de uma pequena família solitária, repetindo o padrão de outras áreas na Mata Atlântica.

Ele conta que há alguns relatos não documentados de avistamentos de harpia na Reserva Biológica da Mata Escura, que fica a menos de 50 quilômetros em linha reta da área da Mata do Limoeiro. “É possível que tenha algum ninho lá também, mas é uma chance modesta”, avalia.

Em 2003, no último registro confirmado pro estado até então, uma harpia foi documentada no extremo sul de Minas Gerais, em área de Cerrado. A espécie é classificada como Criticamente Em Perigo na lista estadual. Na última avaliação nacional, de 2014, ela é considerada “apenas” Vulnerável, porém com o alerta de que a população está em declínio devido, principalmente, ao desmatamento e perda de habitat.

A área de vida de uma harpia é de cerca de 50 km² (o equivalente a 5 mil hectares), que podem variar para cima ou para baixo, de acordo com variáveis como o grau de fragmentação da floresta e a abundância de presas. Além disso, a espécie faz ninhos apenas nas árvores mais altas, que normalmente são as de madeira mais exploradas e por isso, cada vez mais escassas.

Foto: Oswaldo Rezende

A Mata do Limoeiro, que possui esse nome por causa de uma fazenda que leva esse nome, faz parte de um conjunto de maciços florestados onde já foi relatada a presença de outras espécie ameaçada: o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus). 

Tanto a presença de uma rica biodiversidade quanto a possibilidade de criar um corredor ecológico com a reserva biológica, fazem da Mata do Limoeiro uma área considerada prioritária para a conservação. A indicação dos pesquisadores para a necessidade de criar uma área protegida ali, entretanto, segue ignorada.

O engenheiro agrônomo Oswaldo Rezende, acompanhado de seus filhos e sobrinho, fotografam a harpia na Mata do Limoeiro. Foto: Acervo Pessoal

O registro, feito na borda da floresta, ajuda a reafirmar a importância dessa mata e de protegê-la, acredita Oswaldo. “Eu trabalho com consultoria ambiental e, na minha leitura, é uma área com potencial pra unidade de conservação muito grande, principalmente por ter uma rede de córregos e nascentes preservadas. Seria muito interessante aproveitar a existência da harpia nesse local para quem sabe, junto ao IEF [Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais] ou ao ICMBio, e fazer uma unidade de conservação nesse local”, reforça o engenheiro agrônomo.

O biólogo Henrique Mariano, integrante do Projeto Harpia – Núcleo Mata Atlântica, também comemorou o registro. “É uma esperança para a espécie na Mata Atlântica, visto que é um novo ponto de ocorrência visando a atual situação da espécie no bioma, indicando que a espécie ainda reside em outros pontos no sudeste do país. O gavião-real é um bioindicador de qualidade de floresta, ou seja, mesmo que aquela área ainda não seja uma área protegida e tenha certo grau de fragmentação é um habitat equilibrado”, avalia.

Henrique reforça ainda a importância da ciência-cidadã para detecção de espécies raras e ameaçadas. A plataforma Wikiaves é um excelente exemplo disso. Em fevereiro de 2022, com ajuda das fotos dos observadores, a ciência começou a mapear pela primeira vez a rota de migração da andorinha-do-caribe e da andorinha-cubana.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 17

  1. Jose Carlos de Oliveira diz:

    Olá. A reportagem sobre a existência de harpias em MG é muito alvissareira. Contudo, a divulgação comete o erro de fornecer dados precisos do local do avistamento. Tratando-se de ave raríssima, isso vai dar pista aos irresponsáveis caçadores de animais silvestres. Por favor, republiqueta sem dados geográficos e omes de localidades. Precisamos ser responsáveis e salvar nossos tesouros alados.


  2. Em outubro do ano passado fiz um registro de um indivíduo da especie, pelo que parece, sendo atacado por carcarás numa localidade rural próxima a Paranoá/DF.
    https://www.instagram.com/reel/CkjOnBAJtpd/?igshid=MzRlODBiNWFlZA==


  3. Val diz:

    Eu vi um aqui em juatuba minas gerais


  4. Carlos Faissal diz:

    Na região de Leopoldina/Cataguases aqui em Minas Gerais também tem registros da Harpia numa área de proteção ambiental.


  5. JOSÉ CICERO FREIRE RIBEIRO diz:

    Eu vi uma aguia dessa aqui em Montes claros minas gerais
    Na cidade mesmo,ja tem muito tempo ela ta em um coqueiro bem alto,eu vou voltar la pre ver se ela ainda tar por la ainda.


  6. Hallan Bandeira diz:

    Eu e minha esposa vimos uma aqui na reserva ecológica de Caetés 1 Abreu e Lima PE, pena que não conseguimos registrar 😢


    1. Gustavo diz:

      Já vi por 2x na minha região. Zona da mata mineira. Em linha reta não fica longe de Itabirito que relataram aqui nos comentários.
      Não há “registros oficiais” simplesmente pq não se tem empenho em registrar.
      Além do Gavião Real, cito outro exemplo, a Onça Pintada, que até outro dia era “conversa de pescador” quando relatavam que ainda habitavam a Zona da mata mineira. Mas aí ela apareceu nas câmeras da “cidade grande”, foi capturada e virou registro oficial. O mesmo para o Gato Mourisco, entre outros.


      1. EVERTON BERNARDO PEREIRA DE MIRANDA diz:

        O esforço de registrar é feito pelos observadores de aves, Gustavo. Quando a espécie não é detectada por eles, é por que não ocorre mais em uma região. Por que eles são dezenas de milhares, é impossível a ciência competir com esse volume de trabalho. Perceba-se que tem um montão de gente aqui nos comentários vendo harpinto na goiabeira, mas quando aparece foto é sempre um gaviãozinho aleatório.


  7. Rodrigo diz:

    A informação de que não se registrava a presença de Harpias em Matas Mineiras a quase um século é falsa, pois nas Matas da Represa da Usina Maurício pertencente ao Município de Itamarati de Minas perto de Cataguases MG foram feitos vários registros e uma das fotos ilustrou até a Extinta lista Telefônica do Município de Cataguases MG.


    1. Duda Menegassi diz:

      Oi Rodrigo, esse registro que você está comentando não está documentado em nenhuma base de dados oficial. O último registro pra Minas Gerais, como está escrito na matéria, foi em 2003, no extremo sul do estado, em área de Cerrado. O destaque é de que não havia registros oficiais pra Mata Atlântica do estado há pelo menos um século, porque de fato não há, como você pode confirmar nos dados do ICMBio


      1. Fabiano diz:

        O registro para zona da mata de Minas pode não estar em nenhuma base de dados científicos, mas é real. Temos as fotos e reportagens. O registro foi feito pelo Biólogo Ricardo Aguiar.


    2. Carlos Faissal diz:

      Ainda são vistos frequentemente na região.


  8. OTACÍLIO BERALDO JÚNIOR diz:

    Aqui em Itabirito,mg região de acurui já foi visto um casal recentemente


  9. Dilmar Gomes Alves diz:

    Brilhante materia,somente uma pequena correção, entre estados não há fronteiras, e sim, divisa, fronteira é entre países.
    E apenas para completar, entre municípios, limites!


  10. ANTONIO DIAS VELOSO diz:

    Olá. Sou biólogo e moro em Ipatinga, MG. Em uma das minhas idas a Milho Verde, Diamantina, resolvi subir ao pico mais alto da região. Na metade da subida fui surpreendido com um som forte e característico dos gaviões. Consegui localizar o pássaro. Estava postado sobre uma pedra um pouco acima. Fiz umas fotos mas a máquina usada não era adequada. Acabei presenciando um raro “treinamento” do filhote que estava a minha frente. A mãe apareceu sobrevoando a área com algo parecido com um coelho preso às patas. Imediatamente o filhote levantou voo em direção à mãe. Ela soltou a presa e o filhote mergulhou agarrando-o antes de chegar ao solo. Ambos voaram para o outro lado da montanha….


  11. Roger diz:

    Só creio que não deveriam ter informado onde foram feitos os registros, tenho certeza que os idiotas predadores da fauna irão fazer emboscadas e caça ao animal que está quieto lá e assim a extinção dela voltará à pauta.

    Parabéns aos editores e publicadores dessa matéria.


  12. luizpradobr diz:

    Se ainda há walking deads no çupremo a verdaes no poder na Alamanha, e até comuncista no Brasil, por que não hárpias em MInhas?