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Gruta da Lancinha, terceira mais rica do país em biodiversidade, vai virar área de proteção integral. Mérito de uma ong que já descobriu 350 cavernas no Paraná.

Romeu de Bruns Neto ·
6 de outubro de 2005 · 19 anos atrás


Só na região metropolitana de Curitiba, há 204 cavernas dos mais variados tipos e tamanhos. Entre elas, uma das mais impressionantes é a gruta da Lancinha, localizada no município de Rio Branco do Sul. Com pouco mais de 2 km de comprimento, é a terceira maior caverna do estado em extensão e a primeira em volume, dadas as grandes dimensões de seus “salões”. A diversidade de ambientes e a raridade dos espeleotemas (formações como estalactites, estalagmites, flores e colunas) colocam Lancinha em lugar de destaque na espeleologia nacional.


Mas a facilidade de acesso é um risco para sua conservação. Ela fica a apenas cinco quilômetros de Rio Branco do Sul. Do centro de Curitiba, bastam 40 minutos de carro. Em uma incursão ao interior de Lancinha, é possível perceber os sinais de degradação, principalmente lixo, pichações e quebra de espeleotemas, o que é uma estupidez não só pela agressão em si, mas porque levar uma estalactite para fora do ambiente da caverna a faz virar um simples monte de areia.


A ong foi criada em 1986, já com a conservação de Lancinha entre suas bandeiras. Coube ao Geep-Açungüi o mérito de fazer todo o levantamento da fauna da caverna. E também o de revelar o enorme patrimônio espeleológico do Paraná, até então desconhecido. Na época, só havia registro de 13 cavernas em todo o estado. Ao longo de 19 anos de pesquisas, o Geep-Açungüi descobriu cerca de 350 cavidades.

O presidente da ong, Luis Fernando Silva da Rocha, explica que não existem cavernas mais importantes do que outras. A necessidade de conservá-las obedece ao princípio da precaução. “No Brasil, as cavernas ainda são pouco estudadas. Muitas contêm registros fósseis que acabam se perdendo com a ação do homem”, lamenta Luis Fernando. Podem guardar, por exemplo, restos de animais pré-históricos. Em 1978, foi descoberto o esqueleto de uma preguiça gigante em uma caverna na mesma região de Lancinha. Registros desse tipo de fóssil são raros no Paraná: até hoje, foram apenas seis. Três deles em cavernas.

Além disso, toda caverna serve como registro da evolução do relevo e do clima locais. As marcas ficam “congeladas” nas paredes e vêm permitindo o desenvolvimento de novas disciplinas, como o estudo do paleoclima.


Finalmente, em março deste ano, o governador Roberto Requião aproveitou a Semana do Meio Ambiente para decretar a criação da unidade de conservação. O projeto aprovado abrange uma área pequena, apenas 140 hectares no entorno da caverna, o que vai demandar três desapropriações. O engenheiro florestal Juarez Cordeiro de Oliveira, do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), responsável pela implantação da unidade, reconhece que o ideal seria incluir toda a bacia hidrográfica do Ribeirão do Lança (que passa por dentro da gruta), mas acha que a proteção formal da caverna vai aproximar o estado e a prefeitura dos proprietários do entorno. “O plano de manejo, além de ordenar a visitação que já existe, prevê ações de educação ambiental e gestão integrada com as pessoas que moram na região”, garante.

O próximo passo é a realização de uma consulta pública, em outubro. Oliveira acredita que a criação efetiva da área de proteção integral deve sair do papel até o fim do ano.


A conservação pode até gerar dividendos para a comunidade, como está ocorrendo em Colombo, outro município da região metropolitana de Curitiba. Ali, a prefeitura incluiu a gruta da Bacaetava no circuito de turismo rural. A cavidade (muito menos espetacular do que Lancinha, a propósito) vem recebendo de 1.500 a 2 mil visitantes por mês. “Temos recebido muitas consultas de municípios do Paraná que querem saber qual o seu potencial para o ecoturismo em cavernas. Mas, em muitos casos, eles estão atrasados demais. Acordam para as estratégias quando não há mais o que fazer”, diz o presidente da Geep-Açungüi. Isso porque, segundo os cálculos da ong, 50% do patrimônio espeleológico da região de Curitiba foi destruído desde 1986, principalmente por conta da ação de mineradoras.

No Paraná a maioria das cavernas conhecidas encontra-se em regiões calcárias, situadas em grande parte ao norte de Curitiba. Abaixo, as maiores do estado.

* Romeu de Bruns Neto é jornalista formado pela UFPR. Trabalhou como repórter especial da Gazeta do Povo. Vencedor do Prêmio Esso Regional Sul 2000, atualmente colabora com reportagens para as revistas Amanhã (do Rio Grande do Sul) e Idéias (do Paraná).

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