Existem momentos em que não há como duvidar que, no Brasil, vivemos na vanguarda do atraso. A semana passada foi um deles. Na segunda-feira, dia 28 de novembro, prefeitos do Sul do estado do Rio subiram a rampa do Palácio do Planalto para pedir a Lula que a refinaria da Petrobras que ele promete desde a campanha de 2002 fosse feita em seus municípios. No dia seguinte, John Browne, presidente da BP, petrolífera européia fundada há mais de um século e que no ano passado teve receita de 285 bilhões de dólares, entrava num auditório em Maryland, nos Estados Unidos, para anunciar uma revolução.
Na conversa em Brasília, Lula fez futrica sobre a governadora do Rio, Rosinha Garotinho, e os prefeitos falaram na geração de empregos, um eufemismo para a arte de cabalar votos. O fundamental, ficou de fora. Ninguém debateu se a obra é necessária. Muito menos se o investimento correto não seria a reforma das refinarias que já existem no país, responsáveis pela produção de combustíveis de baixíssima qualidade ambiental. Browne, em Maryland, discursou sobre aquecimento global e poluição. Deixou claro que acredita que a hora de as petrolíferas, inclusive a sua, fazerem algo para reverter, ou pelo menos minorar, esses problemas já passou.
Disse que 80% da energia do mundo dependem de combustíveis fósseis e que isto está tendo impacto negativo não apenas na saúde das pessoas, mas no mundo. “A ciência do clima talvez ainda esteja longe de ser comprovada em termos absolutos. Mas ninguém mais duvida que a atividade humana afeta o clima do planeta”, afirmou. Lembrou também que o petróleo está escasseando. “Nos últimos 18 meses, a margem de capacidade ociosa caiu da média histórica de 3 milhões de barris/dia para apenas 1 milhão de barris/dia”.
Ao fim, chamou Vivianne Cox, sua vice-presidente, para tornar público o que a BP iria fazer sobre o assunto. É muita coisa. “Vamos desenvolver alternativas de geração de energia com baixo teor de emissão de dióxido de carbono”, disse ela. Não mais como um experimento, mas como “um negócio lucrativo”. A empresa está formando uma nova subsidiária, que receberá investimento de 8 bilhões de dólares em dez anos, sob a qual ficarão suas operações de gás natural, hidrogênio e energias solar e eólica. A primeira emite 50% menos de dióxido de carbono na atmosfera do que os combustíveis fósseis. Com o hidrogênio, a emissão cai 90%. As duas últimas tecnologias não emitem poluentes.
Não é coisa de doido
O anúncio foi o clímax de uma virada que se desenha na BP desde que Browne assumiu sua direção nos anos 90. Para o público em geral, a sensação de que algo grande estava para acontecer começou com uma blitz publicitária nas TVs da Europa e Estados Unidos e na Internet, que terminava com uma assinatura que feriu de morte o nome oficial da empresa, British Petroleum. Na nova campanha, B e P passaram a ser as inicias de Beyond Petroleum (Além do Petróleo em inglês). Para alguém como Lula ou a turma que comanda a Petrobras, isso tem toda a pinta de papo de maluco.
Cox deu várias razões para explicar que ninguém enlouqueceu na BP. “As tecnologias de produção de energia alternativa amadureceram e estão prontas para gerar lucro”, disse. Além disso, a empresa desenvolveu capacidade própria para trabalhar com as tecnologias limpas. Finalmente, a demanda por elas é crescente. Os braços da BP que operam com energia eólica e postos de venda de gás natural são lucrativos. Em energia solar, um mercado que cresce a uma média anual de 30%, a BP projeta receita de 1 bilhão de dólares para 2008.
Boa parte desse dinheiro virá da Alemanha, onde a BP tem sua maior operação de geração de eletricidade a partir de energia solar, capaz de fazer funcionar um aeroporto inteiro como o de Munique (foto). Cox garante que todas essas operações juntas e mais a de hidrogênio estarão gerando demanda 10 vezes maior que a atual e receita de 6 bilhões de dólares num espaço de cinco anos. Os próximos 3 anos, segundo ela, serão os mais críticos na vida da nova empresa. Os planos são ambiciosos.
A companhia vai crescer sua geração de energia eólica em operações ao redor do mundo dos atuais 30 megawatts para 450 megawatts até 2006. Para se ter idéia do que isso significa, a recém inaugurada usina hidrelétrica de Itapebi , no rio Jequitinhonha, Bahia, gera 465 megawatts, energia suficiente para atender 1 milhão e 500 mil residências. Em 2007, a BP inicia construção de outra usina eólica que vai adicionar mais 700 megawatts à sua capacidade total de geração de eletricidade. Em energia solar, ela pretende pelo menos triplicar sua capacidade atual que é de 110 megawatts.
Em gás natural, além de expandir sua rede de postos de abastecimento de veículos (foto), a BP pretende adicionar outros 700 megawatts às suas usinas elétricas que funcionam hoje com esse combustível na Espanha, onde produzem cerca de 13 gigawatts que iluminam 11 milhões de casas. É com o hidrogênio, entretanto, que a nova subsidiária da BP, batizada aliás de BP Energias Alternativas, mostra seu lado mais revolucionário. A tecnologia ainda é experimental e ninguém ainda produz o combustível em escala industrial. E é justamente isso que a empresa se propõe a fazer.
Vai acabar
Até 2008, ela inicia construção de uma usina na Escócia que produzira 350 megawatts de eletricidade que funcionará com hidrogênio produzido a partir de gás natural retirado de campos de petróleo no Mar do Norte, seguindo tecnologia própria. Os rejeitos de dióxido de carbono do processo de separação do hidrogênio serão injetados num campo de petróleo, o Miller, também no Mar do Norte, que está próximo de se esgotar comercialmente. A pressão adicional viabilizará a retirada da “raspa” de petróleo que ainda existe nele, estendendo sua vida útil por mais 15 anos.
A etapa seguinte será a construção de outra usina à base de hidrogênio nos Estados Unidos e estudos para viabilizar a produção de hidrogênio para abastecer veículos. Se tudo der certo, a BP acredita que estará bem colocada para desfrutar do mercado de energias alternativas que deverá movimentar 600 bilhões de dólares anuais a partir de 2020, e livrar-se de vez do petróleo que carrega no seu nome. Em maior ou menor grau, não há petrolífera no mundo desenvolvido que não esteja ou buscando outras opções de geração de energia, ou pelo menos questionando a dependência do mundo de combustíveis fósseis.
A anglo-holandesa Shell, por exemplo, dá hoje em suas campanhas publicitárias destaque para suas operações não-petrolíferas. A última delas enfatiza o vento e é estrelada pela campeã holandesa de windsurf, Linde Logtenberg. A atleta mostra como o vento é importante na vida dela e um locutor em off faz intervenção para anunciar ao distinto público que a força que ele gera é mais importante ainda do que ela imagina. Logtenberg vive numa casa na costa holandesa iluminada pela energia que vem de uma fazenda de turbinas aeólicas mantida pela empresa no país.
As petrolíferas norte-americanas, ao contrário das européias, ainda parecem presas às suas origens na extração e comercialização de combustíveis fósseis. Mas muitas deixam claro que não sabem mais por quanto tempo isso vai durar. É o caso da Chevron, que abriu um site, o www.willyoujoinus.com, onde chama as pessoas a entrarem numa discussão sobre o futuro da energia no mundo. Deixa claro por onde acha que o debate deve ir. “Muitas das fontes de petróleo e gás no mundo estão amadurecendo. A descoberta de novas fontes está ocorrendo em locais onde a extração é difícil – física, técnica e políticamente”, diz a empresa numa das páginas do site.
Resumindo, o petróleo vai acabar. E para deixar claro que o tempo urge, a Chevron instalou na página um contador que mostra a velocidade com que consumimos barris dos produtos. Nos dez minutos que naveguei dentro dela, o contador indicou um consumo de 928 mil e cento e tantos barris. Impossível dar um número exato, porque o contador anda rápido demais. Enquanto isso, no Brasil e na Petrobrás, seguimos discutindo refinaria, expansão da produção de álcool e descoberta de novos poços de petróleo. É como se nada de diferente tivesse acontecido no mundo em termos de energia nas três últimas décadas.
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