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Casas destruídas, vidas ameaçadas e alertas ignorados: o Marajó em batalha contra a erosão

Na Ilha do Marajó, apesar dos alertas feitos há quase 10 anos, efeitos se agravaram durante a temporada de chuvas deste ano, destruindo casas e ameaçando uma escola quilombola

Alice Martins Morais ·
17 de setembro de 2024

REPORTAGEM

Casas destruídas, vidas ameaçadas e alertas ignorados: o Marajó em batalha contra a erosão

Na Ilha do Marajó, apesar dos alertas feitos há quase 10 anos, efeitos se agravaram durante a temporada de chuvas deste ano, destruindo casas e ameaçando uma escola quilombola

O dia 09 de fevereiro de 2024 mudou a vida de Ivanil Brito, na vila do Pesqueiro, município de Soure, Ilha do Marajó (PA). Era sexta-feira antes do Carnaval e muitos moradores estavam fora da comunidade para a programação no centro da cidade. À noite, a dona de casa sentiu a residência estremecer, em meio à chuva e ao vento muito fortes. Uma intensa maré passou por debaixo de sua residência de palafitas. “Quando me deparei, a casa já estava entortando”, lembra.

Em três dias, Ivanil perdeu não só a casa, mas também galinhas, porcos, plantas, móveis, documentos e material universitário dos filhos. Além dela, mais quatro famílias da vila perderam os seus lares. 

A paisagem da vila do Pesqueiro mudou, comparada com a de pouco tempo atrás. Onde estavam as casas, só restaram traços de destruição: troncos de coqueiro caídos, raízes arrancadas do solo e pedaços de madeira jogados pelo chão. Ivanil conta que a população está acostumada com a força da maré e a entrada da água por debaixo de suas casas, especialmente nas “águas grandes de março”, como é conhecido o período quando as chuvas mais intensas do ano se coincidem com as marés mais altas. Nessa época do ano, as marés em Soure chegam a 6 metros de altura, segundo informações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Mas ninguém imaginava que as casas poderiam ser destruídas tão rapidamente, ainda mais em fevereiro. “Nunca pensei que veria algo assim, nem que teria tanto sofrimento”, declara Ivanil. As famílias que perderam suas casas  na vila do Pesqueiro conseguiram auxílio para construir novas moradias, por meio da Secretaria de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (Seaster). Os valores variam de 2 a 3 salários mínimos, de acordo com a gravidade julgada do impacto. Para Ivanil, o valor só foi o suficiente para a compra de madeira para a reconstrução da sua casa.

Apesar da sua surpresa com o episódio, há quase 10 anos o Serviço Geológico Brasileiro (SGB) fez alertas de perigo na região, mas pouco parece ter sido feito desde então. A erosão costeira tem ameaçado várias áreas do arquipélago e deixam a preocupação de que, no futuro, o cenário piore com o aquecimento global.

Erosão tem acelerado nas últimas décadas

A erosão é um processo natural, no qual primeiramente há um desgaste do solo e, em seguida, sedimentos ou partículas que estavam em uma área elevada são transportados para partes mais baixas do relevo (deposição de sedimentos). 

Esse fenômeno pode ser acelerado por outros fatores, como a retenção de sedimentos nas barragens e as construções no litoral. Outra causa é o aumento do nível do mar, em virtude das mudanças climáticas, em grande parte devido à expansão térmica: o oceano absorve calor da atmosfera e as moléculas de água quente se “espalham” e ocupam mais espaço do que a fria ocuparia.

Segundo a pesquisadora Renata Jordan Henriques, geógrafa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), nos últimos 50 anos a erosão tem acelerado na Ilha do Marajó. Ela  liderou um estudo, publicado em 2024, que usou imagens de satélite de 1973 a 2019. Em algumas áreas, como na praia da Barra Velha (Soure), a pesquisadora constatou uma perda de mais de 500 metros nesse período. “Observamos que há uma certa entrância de água um pouco mais agressiva nas últimas décadas. Isso é considerado uma mudança muito rápida na paisagem”, sinaliza.

Alerta de risco já foi feito há quase 10 anos

Mas não é novidade que muitas áreas do arquipélago estão sob risco de  erosão. O SGB mapeou o problema e alertou as prefeituras há quase uma década, em 2016. Nessa época, a instituição analisou a cartografia e visitou vários pontos da costa da ilha do Marajó, e, na vila do Pesqueiro, constatou o agravamento do processo erosivo nos períodos chuvosos.

Naquele momento, a população já havia recuado suas casas a uma distância de 4 metros em relação à maré. Mas o SGB advertiu que todas as moradias na praia da vila deveriam ser removidas até 2023. Além disso, indicou que fosse feita a preservação das dunas e recuperação da vegetação nativa, um trabalho que chegou a ser iniciado pela comunidade junto ao ICMBio em outro trecho da praia, mas que não cobriu toda a extensão do território. Para poder monitorar, emitir alertas em tempo real e prevenir inundações, foi aconselhado instalar pluviômetros para medir a chuva e construir uma rede de drenagem. 

O SGB tem feito, junto à Defesa Civil, a avaliação dos riscos de erosão em diversos municípios do Pará e Amapá. “Mapeamos áreas de alto e muito alto risco. Comparamos imagens bem antigas e traçamos a linha de costa, vendo o quanto ela está reduzindo”, descreve Almir Costa, coordenador do departamento de Gestão Territorial do SGB. “A gente sugere também estudos geotécnicos para viabilizar estruturas que consigam fazer a contenção da margem, como um muro de arrimo”, complementa.

Escola quilombola continua em área de risco

Na mesma época do mapeamento de risco em Soure, o SGB analisou a cidade vizinha, Salvaterra. Os relatórios apontaram diversas zonas de perigo, sendo uma delas a escola Quilombola Sebastião De Assis Gonçalves, localizada às margens do rio Paracauari, próximo a um barranco de aproximadamente 4 metros de altura, que é atingido pela maré. A instituição atende mais de 210 crianças em diferentes turnos e os estudantes costumavam ter como área de lazer o espaço aberto em frente à escola, aproveitando a pouca circulação de carros ou de pessoas de fora da comunidade. Era uma alternativa de recreação, já que a escola não tem espaço próprio para isso. Mas a secretária do colégio, Rayanne Salgado, diz que atualmente estão evitando a circulação das crianças por ali, pelo medo da erosão. “Estamos enfrentando esse problema há bastante tempo, afetando diretamente a comunidade, a igreja e a escola local”, denuncia. 

O SGB recomendou a remoção da escola até 2021 e a interdição da rua que fica próxima à orla do rio Paracauari, até que fossem feitas obras de contenção adequadas. Ademais, que fossem recuperadas as vegetações nativas nas margens dos rios. Mas, até onde a comunidade tem conhecimento, nada disso havia sido feito ainda até maio deste ano.

Recentemente, a equipe da escola soube, em conversas informais, que a área estaria sujeita à interdição, mas até agosto deste ano não havia recebimento de notificação oficial, de acordo com a secretária. Um novo prédio da escola já está sendo construído em outra área da cidade, fora da zona de risco, mas Salgado não sabia se a construção havia sido decidida pelo risco de erosão ou por outro motivo.

A reportagem entrou em contato com as secretarias municipais de Meio Ambiente de Soure e Salvaterra, para entender quais providências foram tomadas desde os relatórios do SGB de 2016, mas não teve retorno até o fechamento desta edição.

Aumento do nível do mar pode intensificar a erosão

A situação pode piorar nas próximas décadas, considerando que o nível do mar continuará subindo. De acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM), a elevação em nível global tem sido de 4,72 mm por ano, de 2013 a 2022. Pode parecer pouco, mas aumentar alguns milímetros por ano é uma variável importante e pode provocar “erosão de grandes extensões da linha de costa”, segundo o que considera a Estratégia de Zonas Costeiras do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima. 

No mundo todo, o nível do mar subiu 9 centímetros nos últimos 30 anos e deve continuar crescendo. No Brasil, mesmo os cenários mais otimistas preveem uma elevação acima da média global. De 2020 a 2039, é esperado que no planeta haja uma subida média de 8,55 cm, enquanto no Brasil seja de 9,96 cm. E, no Marajó, será pior ainda: por volta de 10 cm, conforme previsões do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Já o site Climate Central, que reúne um grupo de cientistas e comunicadores que pesquisam sobre mudanças climáticas, mostra que boa parte da cidade de Soure ficaria abaixo do nível do mar com esse aumento de 10 cm. As simulações do Climate Central combinam a informação sobre a elevação costeira com as projeções climáticas mais recentes, sem, no entanto, levar em conta as defesas já existentes contra inundações, sejam elas baseadas na natureza ou não. 

Cenários colocam populações em risco

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão científico da ONU que avalia e monitora as mudanças climáticas, avisa desde 2018 que um aquecimento global de 1,5ºC pode trazer riscos como a perda de recursos costeiros, redução da produtividade da pesca e da aquicultura, impactando a segurança alimentar. 

É o que corrobora também uma pesquisa encomendada pela Fundação Avina, a qual aponta que entre 60% e 90% das comunidades que vivem no Delta e no Estuário do Amazonas – especialmente no Marajó – estão expostas a riscos excepcionais de inundação devido à combinação das grandes marés (lançantes) e de estações secas mais longas e mais quentes que já apareceram e devem continuar nos próximos 30 anos. Em Soure, 34% do território já está exposto aos lançantes. Em um cenário em que o planeta tenha uma concentração mediana de gases de efeito estufa (ou seja, nem a pior nem a melhor previsão), esse número deve subir para 52%. 

Falta de pesquisas sobre o tema torna previsões mais difíceis

Mesmo com os estudos existentes, ainda há pouco conhecimento de como será o futuro do Marajó. Em entrevista, o professor de Oceanografia Renan Peixoto Rosário e a docente de Meteorologia Isabel Vitorino, ambos da Universidade Federal do Pará, afirmam que há uma lacuna de informações sobre o assunto em geral, especialmente na Amazônia. A pesquisadora Renata Henriques, da UFMG, por sua vez,  acredita ser fundamental haver um monitoramento contínuo da costa para entender mais a complexidade do tema e se preparar para os futuros cenários. 

Quando foi publicado, em 2016, o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima já reconhecia a “inexistência ou dificuldade de acesso a dados de monitoramento ambiental de longa duração no Brasil”. O documento informava que faltavam bases sobre o “comportamento do nível médio do mar, dados meteorológicos sobre a interação do oceano e zonas costeiras”. 

A previsão era que o Plano fosse revisado a cada quatro anos. Mas o processo ficou parado e, só em junho passado, o presidente Lula sancionou a Lei 14.904/2024, a qual atualiza a legislação do Plano e estabelece diretrizes para a elaboração de planos de adaptação às mudanças climáticas, que devem ser formulados em conjunto entre as três esferas do poder público e setores socioeconômicos.

No Pará, há uma Política Estadual de Gerenciamento Costeiro em vigor, que não cita nem a erosão costeira nem a elevação do nível do mar. Quando perguntada a respeito, a Assessoria de Comunicação da Secretaria Estadual de Meio Ambiente declarou que a temática não é da responsabilidade do órgão, mas, sim do Serviço Geológico Brasileiro.

Paisagem da praia mudou para “lamosa”

Enquanto não há políticas públicas mais concretas, a erosão continua impactando a população. Além da vila de mesmo nome, a praia do Pesqueiro foi afetada no último “inverno amazônico” (como é popularmente conhecido o período mais chuvoso, que vai de dezembro a maio), já que a força da maré derrubou as barracas cobertas de palha, onde turistas ficavam em mesas, cadeiras e redes. “A nossa praia tinha uma extensão de areia até o final do ano passado. Na primeira maré de dezembro, ela ‘cavou’ e ficou esse barro”, recorda Patricia Ribeiro, liderança comunitária local. 

Até então, havia uma faixa de areia contínua até o mar. Depois, a praia passou a ter dois níveis. Os restaurantes ficam acima, como era de costume, mas as barracas dos banhistas agora ficam embaixo, com uma diferença de altura que pode chegar a 2 metros. 

Além disso, um trecho da areia agora está com aspecto lamoso. Se a maré estiver cheia, os banhistas precisam tomar cuidado com o tipo de solo fora do usual. Quando está baixa, a paisagem, que era considerada paradisíaca, não é mais tão atrativa como antes.

Vegetação é barreira natural

Lisangela Pinheiro Cassiano, chefe substituta da Reserva Extrativista Marinha (Resexmar)  de Soure, tem esperança de que o manguezal possa proteger a cidade de um cenário pior de erosões e inundações. Isso porque cinturões de manguezais largos, com quilômetros de largura, possuem sistemas complexos de raízes aéreas que reduzem os impactos de tempestades, de acordo com estudo da Universidade de Cambridge, Wetlands International e The Nature Conservancy.

Mesmo os cinturões de mangue mais estreitos, com centenas de metros de largura, ainda podem reduzir a velocidade do vento, o impacto das ondas e das inundações até certo ponto. Além disso, com o passar do tempo, a matéria orgânica que se acumula no manguezal torna seu solo mais denso e a um nível mais elevado, o que pode ser fundamental à medida que o aumento do nível do mar se acelera.

“A gente pode se orgulhar de fazer parte do cinturão de manguezais mais protegido do mundo. E, em Soure, é um mangue que tem ficado cada vez mais robusto. O que antes da criação da unidade era utilizado como pastagem hoje tem se recuperado”, reforça, mencionando a faixa de manguezais amazônicos, que passam por Amapá, Pará e Maranhão e correspondem a 70% do ecossistema no país (em grande parte, protegido por reservas).

A Resexmar de Soure foi criada em 2001 e possui aproximadamente 30 mil hectares. Lisangela ressalta que, ali, os lugares que não têm manguezais são visivelmente mais vulneráveis à força da maré e, consequentemente, à erosão. Por isso, o ICMBio fez um projeto piloto há cerca de 10 anos, também na Vila do Pesqueiro, mas em outro trecho diferente de onde ficava a antiga casa de Ivanil Brito, com o objetivo de reforçar essa proteção natural através do plantio de mudas e sementes.

Hoje, há um bosque que mitiga os danos do avanço da maré. Com o sucesso da experiência, a ideia é estender o plantio em toda a costa da praia, para evitar que mais casas se percam nos próximos lançantes. A plantação de um bosque como esse na encosta de uma cidade é considerada uma solução baseada na natureza (SBN), capaz de estabilizar os solos e regular os fluxos de água no local, reduzindo os riscos de deslizamento, conforme menciona um guia da Fundação Grupo Boticário.

Plantações em quintais são aposta para aumentar a resiliência climática

Para aumentar a capacidade de adaptação da população, a Fundação Avina está desenvolvendo o projeto “Marajó resiliente”, financiado pelo Green Fund, que visa implementar 800 hectares de sistemas agroflorestais (SAFs) diversificados nos quintais de agricultores familiares, em Soure, Salvaterra e Cachoeira do Arari. “A partir dessa experiência, queremos provocar o sistema de financiamento climático internacional a pensar em formas de fazer com que esse tipo de recurso chegue cada vez mais a quem está no território, os reais protagonistas das soluções locais”, ressalta Juliana Strobel, representante para Pan-Amazônia da Fundação Avina.

As plantações nos quintais podem aumentar a resiliência do solo, melhorar o conforto climático e proteger contra eventos extremos, conforme acredita a Fundação. “A tendência a longo prazo é, quando os SAFs estiverem maduros, que se amenize os efeitos das mudanças climáticas naquela região. Com isso, espera-se reduzir a salinidade do solo, aumentar a produtividade média desse sistema, gerar mais renda e mais segurança alimentar para as famílias que participarem desse processo”, confia Strobel.

Muro de concreto protege apenas parcialmente

Onde não há vegetação o bastante, outras medidas de proteção são pensadas. Em 2020, a orla da Praia Grande, no centro de Salvaterra, ganhou um muro de 700 metros para conter a erosão. Desde então, quem vive ou trabalha no local diz que vem sentindo a diferença, já que, antes da construção, as águas de março chegavam até a avenida. Rosália Souza vive bem em frente à orla e diz que se sente mais segura agora, mas teme pelo quanto o muro vai aguentar. “A força da maré é muito grande. Ano retrasado, eu senti o chão tremer com a pancada da água no muro”, relata.

Duarte Oliveira, coordenador da Defesa Civil em Salvaterra, preocupa-se com o futuro do município diante da erosão crescente e das águas de março cada vez mais intensas. Ele recorda que em 2010 chegou a ser feito um muro de arrimo, ou seja, de suporte, com o mesmo objetivo, mas que durou poucos anos, pois a maré foi mais forte. Ainda é possível ver os destroços do concreto na praia. Ele confirma que o novo muro tem sido eficaz, mas insuficiente. “Aqui nós temos só 700 metros de muro. Para proteger toda a costa precisaria de, no mínimo, 2.600 metros. Se não houver isso, automaticamente vai ter desastre natural. Nós já temos casas comprometidas”, enfatiza. 

A equipe da Defesa Civil no município atualmente é composta apenas por Duarte e um técnico. Com a falta de recursos humanos e financeiros, o órgão enfrenta dificuldades em identificar e agir na prevenção de desastres em todo o território.

Pousada já perdeu parte do seu território

A cerca de 300 metros do final do muro de contenção da orla, os danos provocados pela erosão afetam moradores e empresários, como Jurandir Conceição. Quando comprou um terreno em Salvaterra para montar uma pousada à beira da Baía do Marajó, em 1995, Jurandir não imaginava que sofreria tais efeitos. Hoje, ele estima que perdeu aproximadamente 15 metros de extensão do terreno ao longo dos anos. Mal dá para acreditar que antes tinha uma rua em frente à propriedade. Agora, o primeiro chalé da pousada já está a alguns metros do limite e alguns espaços já foram reposicionados.

Conceição conta que a dimensão dos danos varia de ano a ano. Em 2022, apesar de ter chovido muito, a erosão não foi tão forte. Mas em 2023 foi devastadora. O valor de mercado do terreno tem caído cada vez mais e o proprietário se vê desesperançoso sobre a atuação do poder público. “Desde que me mudei, já foram várias promessas de projetos do governo para combater a erosão, mas não vi nenhum indo à frente”, denuncia. 

Moradores constroem “barreira” de garrafa PET para proteger do avanço da maré 

Com receio de que a maré derrubasse seu restaurante na orla da praia do Jubim e, eventualmente, ameaçasse os moradores, Socorro Figueiredo decidiu fazer uma contenção por conta própria. Com ajuda da comunidade, ela e o marido construíram um calçadão de cimento para elevar a altura do restaurante e da pequena orla. Depois, o casal montou uma barreira com garrafas PET de 2L, coletadas na própria praia, cheias de areia, amarradas a uma estrutura de concreto, para evitar o choque da maré com a terra. A estrutura aguentou quatro anos (2014-2019), mas acabou cedendo.

Ao todo, segundo Figueiredo, foram usadas 5 mil garrafas, em 21 metros de muro. “Eu acho que se ninguém tivesse feito nada, hoje ninguém mais trafegava por aqui”, acredita, referindo-se à rua que passa em frente à orla e onde vivem os moradores mais antigos da comunidade.

Uma delas é a Sinhá Gonçalves, conhecida como Dona Ita. Aos 91 anos, viu com o passar do tempo a paisagem mudar na praia do Jubim. Ela recorda que existia um robusto manguezal, mas que os próprios moradores derrubaram há cerca de 60 anos, porque queriam uma vista para o mar. “Logo, veio o arrependimento. Por que fizemos isso? Ficou mais feio e a gente ficou sem proteção. As águas grandes de março chegavam até a porta de casa e também vinha muita areia com o vento. Graças a Deus construíram essas barreiras”, declara.

Enquanto a barreira de garrafas PET ainda estava em pé, o manguezal conseguiu se regenerar e, apesar de ainda não ser robusto como antes, serve de proteção, junto a uma pequena duna de areia que se formou nesse período. “É a natureza dizendo: esse é o meu espaço, eu vou voltar”, diz Socorro.

Esta reportagem foi produzida com o apoio da Earth Journalism Network (EJN)

Ficha técnica
Reportagem: Alice Martins Morais
Imagens: Matheus Melo
Produção: Lucas Duarte
Ilustrações: Gabriela Güllich
Revisão ortográfica: Eliani Martins
Mentoria EJN: Ricardo Garcia e Fermín Koop
Edição ((o))eco: Daniele Bragança e Marcio Isensee

  • Alice Martins Morais

    Jornalista freelancer e especialista em Comunicação Científica. Sua cobertura foca especialmente em temas relacionados ao Meio Ambiente, Ciência e Amazônia.

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Comentários 1

  1. LUIZ ALBERTO DO AMARAL ASSY diz:

    Acredito que seja possivel um debate honesto e sério caso se especifique, em primeiro lugar de que Hidrovia se está falando. Não vale mencionar à exaustão o projeto do final dos anos 90 pois esse foi condenado inclusive pelos próprios usuários da via. Desde 1998 o Tramo Norte do rio Paraguai vem sendo dragado sob licenciamento do IBAMA. Não se constata indicios de alterações perceptiveis no meio ambiente. O Tramo Sul foi integralmente dragado nos anos 70 e o resultado obtido permitiu navegar sem problemas até 2019. Por 50 anos!!! O tramo norte é perfeitamente navegável exclusivamente com a realização destas atividades de dragagem que, repito, vem sendo executadas por 25 anos. Porque seguem mencionando a exigencia de derrocamento e retificação da via? Com que base? Com que objetivos? Sabe-se na região do Pantanal o escoamento das aguas é bastante complexo e não é concentrado na calha principal. Porque continuam afirmando que a dragagem aumenta a vazão do escoamento das aguas do Pantanal? Um Paracer Técnico neste sentido produzido por um dos signatarios do presente artigo foi inclusive desqualificado pelo CREA-MT por absoluta falta de habilitação técnica do emitente. Neste ambiente em que as informações não são devidamente especificadas e em que prevalecem afirmações genéricas e não fundamentadas por estudo técnico devidamente comprovado, porque não desconfiar dos reais interesses envolvidos?