Na última semana, a capital paulista foi invadida por um público pouco usual: os trilheiros. A invasão tinha um motivo: o 3° Congresso Brasileiro de Trilhas, realizado de 14 a 17 de novembro. Por quatro dias, as pegadas amarelas e pretas coloriram o Parque Ibirapuera. Os passos da Rede Brasileira de Trilhas que sinalizam a conexão entre rotas e paisagens foram, entretanto, muito além do “ibira” e das fronteiras do país com o anúncio do primeiro Congresso Pan-americano de Trilhas, a ser realizado em 2025, em Foz do Iguaçu (PR).
A escolha da cidade do interior paranaense não é à toa. Além de ser lar do Parque Nacional do Iguaçu e das Cataratas, Foz também abriga uma tríplice fronteira, com os vizinhos Argentina e Paraguai. Nada mais simbólico para um congresso que, pela primeira vez, irá reunir a Rede Pan-americana e membros dos 15 países hoje filiados a ela.
O anúncio do escopo internacional do evento no ano que vem, feito pela delegação paranaense ao lado de representantes da Rede Panamericana, recebeu aplausos entusiasmados da plateia, composta por representantes de órgãos ambientais e turísticos das três esferas de governos, do setor privado, de ONGs socioambientais, voluntários de diferentes trilhas, comunidades tradicionais, pesquisadores e, claro, trilheiros, ciclistas e remadores.
“Nas Américas, somente três países têm políticas públicas sobre sistemas nacionais de trilhas: Brasil, Estados Unidos e Canadá. A expectativa [do congresso pan-americano] é fortalecer os movimentos nos outros países para fomentar a criação de políticas públicas, ressaltando o valor das trilhas para a conectividade entre áreas protegidas”, conta César Aspiazu, coordenador da Rede Pan-americana e diretor executivo da Red Boliviana de Senderos.
O coordenador conta, ainda, que a Rede Pan-americana está em processo de assinar um Acordo de Cooperação com a RedParques, rede de cooperação técnico-científica da América Latina e do Caribe, composta por agências federais de 23 países, responsáveis pela gestão dos parques na região, o que dará mais força à agenda nas Américas.
“O momento político que estamos vivendo, com o protagonismo do Brasil na agenda climática nesses próximos dois anos, eu acho que é o momento para darmos um salto exponencial. Nas Américas temos realidades muito diversas. O sistema brasileiro de trilhas é muito novo, mas tem tido um sucesso muito grande. Acho que vai ser uma janela de oportunidade para aproveitar as diferentes experiências e estágios das iniciativas, e incentivar os outros países a desenvolverem trilhas também”, aposta Aspiazu.
Em sua terceira edição, realizada em anos consecutivos desde 2022, nas cidades de Goiânia (GO), Niterói (RJ) e São Paulo (SP), o congresso brasileiro acumula uma maturidade precoce, embasada pelo reconhecimento das trilhas de longo curso como ferramentas para promover a conectividade da paisagem, além da geração de alternativas de renda através do turismo, conforme estabelecem os pilares da Rede Trilhas, na Portaria MMA/MTur 407/2018.
O crescimento do movimento das trilhas no país é visível, a cada ano, nos congressos, destaca o presidente da Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso, Hugo de Castro.
“No congresso de Goiás [o primeiro] estávamos basicamente falando pra dentro, pra quem já estava conosco nesse projeto. E havia uma provocação para que o poder público entendesse melhor essa agenda como uma promotora de emprego, renda e conservação da natureza. No segundo congresso isso já mudou, com um público mais amplo, que incluía desde usuários de trilhas até representantes do governo que de fato compraram essa ideia de política pública”, lembra o presidente.
A terceira edição do congresso, conta ele, reforça essa expansão. “Tivemos a participação de secretarias de turismo de quase todos os estados do país. Ou seja, as pessoas já reconhecem a Rede de Trilhas como uma política pública importante. E a cada congresso a gente exponencia a quantidade de trilhas participantes e quilômetros implementados”, explica Hugo.
Carta de Piratininga: os pleitos da Rede
Como já virou tradição nos congressos da Rede Brasileira de Trilhas, o encerramento do evento também teve a apresentação de uma carta com metas, propostas e pleitos para promoção e consolidação da agenda de trilhas de longo curso do país.
A Carta de Piratininga manifesta um anseio pela adesão de mais estados e municípios à política pública da Rede Trilhas, “integrando-se às suas diretrizes, entendendo seus papéis institucionais, promovendo investimentos e participando das suas instâncias de governança”.
As conquistas recentes nessa frente em expansão foram a criação da Rede Capixaba e da Rede Amapaense de Trilhas; assim como o estabelecimento do Programa Estadual de Trilhas do Rio Grande do Sul – cuja assinatura simbólica foi feita na abertura do congresso. Também foram assinados um Acordo de Cooperação Técnica entre o ICMBio e o INEA-RJ para implementação da Volta do Rio, trilha de longo curso no estado fluminense, e um Protocolo de Intenções entre os estados de Santa Catarina, Paraná e São Paulo para tirar do papel os Caminhos do Peabiru. A rota conecta-se ainda ao Paraguai, Bolívia e Peru.
“É uma trilha ancestral, que era uma trilha de longo curso muito antes da gente ter esse conceito”, disse a coordenadora de Gestão e Sustentabilidade da Secretaria de Turismo do Paraná, Anna Vargas. “Que esse protocolo seja de intenções genuínas pra gente tirar esse projeto do papel”, completou, durante o ato de assinatura.
A Carta de Piratininga também aponta gargalos que precisam avançar na Rede, como acessibilidade das trilhas, educação ambiental, financiamento e o monitoramento continuado dos impactos positivos e negativos associados à implementação e uso das trilhas.
“Apesar dos avanços obtidos, entendemos que persiste a necessidade da criação de mecanismos de financiamento, fomento, alocação de recursos orçamentários, a captação de doações, investimentos não-reembolsáveis e fundos de cooperação, que possam viabilizar ações efetivas de implementação e estabelecimento da governança das trilhas integradas à Rede Nacional”, demanda um dos trechos da carta.
O documento também convoca os agentes do Sistema Nacional de Meio Ambiente, o Sisnama, para que incorporem as trilhas e a visitação como ferramentas de conservação, destaca o papel estratégico do poder público local na promoção dessa agenda, assim como das iniciativas de ciência cidadã em trilhas.
A carta também manifesta repúdio ao Projeto de Lei 2995/2024, em tramitação na Câmara dos Deputados, que reduz os limites do Parque Nacional do Itatiaia – entre os estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais – em 979 hectares, que seriam convertidos em Monumento Natural, tipo de unidade de conservação que permite a presença de moradores, desde que façam usos compatíveis com a proteção da área. A proposta é assinada pelo deputado federal Bandeira de Mello (PSB/RJ).
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