Dois milhões de habitantes da região metropolitana de Porto Alegre estão ameaçados de racionamento de água. O principal motivo é a captação excessiva pelos produtores de arroz, que constroem canais e barragens para desviar leitos de rios e irrigar as lavouras.
“A voracidade dos arrozeiros é impressionante”, desabafa o biólogo Jackson Muller, chefe da Divisão de Planejamento e Diagnóstico da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Em uma operação realizada na última semana de dezembro, ele autuou produtores com multas que chegaram a R$ 500 mil. “Há lavouras que invadem áreas de preservação permanente e se perdem no horizonte. A água é sugada por bombas, que deixam um rastro de óleo queimado escorrendo para dentro de arroios, banhados e rios”.A situação é mais dramática na região do Gravataí, onde há 152 produtores com 20 mil hectares plantados. A bacia tem 2 mil km², onde vivem 1 milhão de pessoas. “O rio é cercado de lavouras, com 27 barragens. Um dos produtores abriu um canal de seis metros de profundidade para escoar a água. Não somos contra a produção, mas temos que ter em conta se a sociedade está disposta a pagar o custo ambiental para o plantio de uma safra de exportação. Em período de defeso as bombas chupam tudo, até as traíras. Como os peixes podem subir os rios para se reproduzirem?”, questiona o biólogo da Fepam.
Segundo Jackson Muller, entre 10% e 20% dos produtores não têm licença ambiental para o plantio. Mas mesmo aqueles que obtiveram autorização cometem irregularidades. “Fazem corte de mata ciliar, destroem banhados e ainda aplicam agrotóxicos. Encontramos barragens em cima de matas nativas. Eles colocaram abaixo árvores centenárias”, relata.
Na bacia do Sinos o problema também é grave. São 77 produtores com 7.500 hectares plantados ao longo dos 190 km do rio, que percorre 22 municípios com cerca de 1,5 milhão de habitantes. “O arroz é o mais sedento dos cereais. Para produzir um quilo são necessários 1.900 litros d’água”, ressalta Jackson Muller.
Máximas de 40°O Rio Grande do Sul é responsável por quase a metade da produção nacional de arroz, com 1 milhão de hectares plantados. Nos anos 80 as lavouras se expandiram velozmente, graças sobretudo ao Provárzea, um programa de incentivo do governo federal. Para o plantio, foi drenada a maior parte dos banhados gaúchos, áreas úmidas que abrigam grande diversidade da flora e da fauna nativas.
O plantio é feito em novembro e a irrigação vai até fevereiro. A sede do arroz coincide com o período mais quente do ano. A Rede de Estações de Climatologia Urbana de São Leopoldo, cidade às margens do Sinos, prevê para a próxima semana temperaturas máximas de até 40 graus nas áreas mais quentes do estado, com agravamento da estiagem.
O Rio Grande do Sul está entrando no terceiro ano consecutivo de grave seca. No ano passado, o estado sofreu uma das mais fortes estiagens de sua história, quando 451 prefeituras declararam situação de emergência ou de calamidade pública. O momento mais crítico foi entre o final de fevereiro e o início de março.
Para evitar a repetição dos problemas de 2005, os comitês de bacia do Gravataí e do Sinos resolveram tomar medidas preventivas. Há cerca de 45 dias, foi firmado um acordo entre produtores e os comitês para regulagem do consumo. Desde então, são feitas medições diárias do nível dos rios e semanalmente há reuniões com os arrozeiros, para que eles se revezem na utilização das bombas de sucção, dando folga suficiente para que os rios recuperem o nível, garantindo o abastecimento das cidades.Embora o diálogo seja um avanço, os problemas estão longe de ser resolvidos. O próprio consultor da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Ivo Lessa, reconhece: “O ganho ambiental se dá de uma geração para outra”. Ele afirma que a solução é a construção de açudes e a realização de pesquisas para o plantio de variedades de arroz que tenham menor necessidade de água.
Já o diretor de Recursos Hídricos da Secretaria de Meio Ambiente, Rogério Dewes, considera que os gaúchos precisam assimilar a “cultura da escassez”, com soluções que vão desde a tecnologia de plantio ao armazenamento da água das chuvas. “Não estamos preparados para a estiagem. No último verão, caminhões-pipa tiveram que levar água para colonos beberem nas áreas rurais. Ninguém tem cisternas para garantir seu próprio abastecimento. Temos que incorporar na sociedade gaúcha a cultura dos nordestinos para minimizar os problemas”.
* A jornalista Cristina Ávila é jornalista freelancer em Porto Alegre.
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