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TFFF – A aposta do Brasil para salvar as florestas tropicais

((o))eco responde 10 perguntas sobre o novo mecanismo financeiro para manter florestas em pé; dispositivo é finalista em prêmio liderado pelo Príncipe William

Cristiane Prizibisczki ·
9 de outubro de 2025

O Fundo Florestas Tropicais para Sempre, conhecido por sua sigla em inglês TFFF, foi anunciado no último sábado (4) como um dos finalistas de 2025 do Prêmio Earthshot, fundado pelo Príncipe William em 2020 para reconhecer iniciativas ao redor do globo que tenham impactos reais para a proteção e restauração da natureza ou tragam soluções a outros desafios planetários.

Se for selecionada – o resultado sai no dia 5 de novembro –, a iniciativa brasileira vai receber 1 milhão de libras, ou cerca de R$ 7,2 milhões, além de suporte técnico para aumentar a escala de seus resultados.

O anúncio da seleção no prêmio ligado à Coroa Britânica, no entanto, foi apenas mais um holofote direcionado a esta iniciativa que vem ganhando manchetes desde o início de 2025. Não é à toa. O TFFF, a ser lançado oficialmente durante a COP30, em Belém, é a grande aposta do Brasil para salvar as florestas tropicais do mundo. 

Para ajudar o leitor a entender melhor o que é este mecanismo, ((o))eco se debruçou em documentos, ouviu especialistas  e autoridades e sistematizou 10 perguntas e respostas sobre o assunto. Confira:

1 – O que é o TFFF?

O Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (Tropical Forest Forever Facility -TFFF) é um novo modelo de mecanismo financeiro internacional que visa remunerar países com florestas tropicais pela sua preservação.

Liderado pelo Brasil, o TFFF foi anunciado durante a Cúpula do Clima de Dubai (COP28), em 2023, e vem sendo estruturado desde então. 

Diferente de outros mecanismos financeiros que funcionam por meio de doações – como o Fundo Amazônia – o TFFF operará com a lógica de mercado, alavancando recursos privados a partir de investimentos diversos. Isto é, o TFFF é um investimento, não uma doação, e esse é o pulo do gato.

2 – Qual o objetivo?

O objetivo central do TFFF é garantir financiamento previsível, de longo prazo e em larga escala, para a conservação das florestas tropicais, ecossistemas cruciais para a regulação do clima do planeta.

A meta do TFFF é estabelecer um fundo global de investimento de US$ 125 bilhões, que seria composto por US$ 25 bilhões de investimentos soberanos e US$ 100 bilhões de investidores privados, garantindo uma renda permanente aos países tropicais em troca da proteção duradoura das florestas. 

Se bem-sucedida, poderá proteger mais de 1 bilhão de hectares de floresta, em mais de 70 países. 

3 – Como vai funcionar?

A partir do investimento feito por atores públicos e privados (blended finance), o TFFF vai usar os mecanismos do mercado financeiro internacional para a geração do valor a ser pago aos países. 

Funciona assim:

A – Capitalização – O TFFF tem como objetivo captar um grande volume de capital (US$ 125 bilhões). US$ 25 bilhões iniciais viriam de fundos soberanos (países), que assumiriam os riscos iniciais do investimento. 

Assim, esse aporte inicial criaria condições para atrair US$ 100 bilhões do setor privado, que se sentiria motivado a investir por já haver um capital inicial investido (o dos fundos soberanos) e menores riscos – já assumidos pelo capital inicial –, além dos benefícios reputacionais.

B – Mercado Financeiro – O capital investido será, então, reinvestido no mercado financeiro internacional, em uma carteira diversificada de ativos financeiros de renda fixa de longo prazo.

Nesta carteira de ativos podem estar títulos públicos de países com boa classificação de risco – como os títulos do Tesouro da União Europeia, por exemplo –, em títulos corporativos de empresas sólidas e ambientalmente responsáveis ou em instrumentos financeiros verdes, como os green bonds

Os critérios para seleção de ativos financeiros ainda estão sendo definidos, mas já se sabe que não poderão estar ligados a atividades que causem impacto ambiental, como petróleo, carvão, gás ou desmatamento.

C- Pagamento aos países – Os rendimentos obtidos nessa aplicação financeira serão distribuídos aos países com florestas tropicais preservadas, a partir de uma série de critérios pré estabelecidos. Isto é, o que será direcionado aos países é o rendimento do valor aplicado, não o valor aplicado em si. Depois de alguns anos, os investidores poderão reaver o montante investido.

Reserva florestal Adolpho Ducke, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA), onde se localiza o Museu da Amazônia (MUSA). Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

4 – Quem pode investir?

O desenho do TFF prevê três tipos de investidores:

  • Fundos soberanos / países ricos, como investidores âncora e que assumem os riscos iniciais. O objetivo é captar US$ 25 bilhões desse tipo de investidor;
  • Setor privado, incluindo bancos, fundos de pensão, seguradoras. A expectativa é que esses investidores aportem US$ 100 bilhões.
  • Filantropias e fundações internacionais. Segundo especialistas ouvidos por ((o))eco, apesar de poderem investir diretamente no TFFF, esse tipo de investidor está mais inclinado a ajudar na capacitação de países e grupos para o recebimento dos recursos e não na movimentação financeira em si.

5 – Quem vai ser beneficiado?

Países que possuem florestas tropicais úmidas preservadas e que demonstrem, com base em monitoramento independente, que estão mantendo ou aumentando sua cobertura florestal.

Cerca de 70 países em desenvolvimento ao redor do globo podem se beneficiar do mecanismo. Isso inclui Brasil, Congo, Indonésia e outros países da Bacia Amazônica, da Bacia do Congo e do Sudeste Asiático. 

Os países precisam cumprir, no entanto, critérios de elegibilidade, como taxa de desmatamento abaixo da média global. 

O TFFF também busca beneficiar os atores que diretamente contribuem para a conservação das florestas. Os países que recebem recursos do fundo devem se comprometer a canalizar pelo menos 20% do pagamento anual para povos indígenas e comunidades tradicionais (PICTs). 

Os critérios de distribuição dos recursos ainda estão sendo desenhados, mas os países terão autonomia para decidir internamente como será redistribuído este valor, sempre considerando o pagamento pelos serviços ambientais prestados por quem as mantém em pé. 

6 – Qual vai ser o valor recebido pelo país beneficiado?

O número ainda está sendo definido, mas a proposta é de pagamento anual de US$ 4 por hectare de floresta em pé. 

Se o TFFF conseguir atrair todo investimento planejado (US$ 125 bilhões), a expectativa é que cerca de US$ 4 bilhões (cerca de R$ 21 bilhões) sejam destinados anualmente aos países participantes.

Cerca de 70 países com porções de floresta tropical umida são potenciais beneficiários. Foto: Canva

7 – Quem está por trás da iniciativa?

O TFFF é uma iniciativa liderada pelo Brasil, e construída em diálogo com outros dez países – cinco florestais (Colômbia, Indonésia, Malásia, Gana e República Democrática do Congo) e cinco potencialmente apoiadores (Noruega, Alemanha, Reino Unido, Emirados Árabes Unidos e França) –, além de dezenas de organizações da sociedade civil e representações de povos indígenas e comunidade tradicionais de todo o mundo.

Internamente, quatro ministérios estão envolvidos: Meio Ambiente e Mudança do Clima, Relações Exteriores, Fazenda e Povos Indígenas. 

Os países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) – Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela – também já demonstraram apoio à iniciativa, apesar de apenas a Colômbia e o Brasil fazerem parte do comitê diretor provisório do Fundo.

8 – Como o TFFF está sendo construído?

O governo brasileiro, junto com os outros países que constituem o comitê diretor provisório (pergunta 7), vem realizando intensos processos de consulta pública para definição do desenho final do TFFF.

Em setembro de 2025, eles lançaram a terceira versão da Nota Conceitual do Fundo, que reflete as ideias e contribuições recolhidas nas consultas com sociedade civil, economistas, cientistas e especialistas em finanças.

A nota traz informações sobre:

  • Critérios de elegibilidade ambiental dos países que querem fazer parte do fundo
  • Critérios para seleção de quais ativos financeiros poderão entrar na carteira de investimentos
  • Critérios para uso dos pagamentos feitos a países beneficiários
  • Informações sobre o  papel das Organizações da Sociedade Civil, Povos Indígenas e Comunidades Locais no Fundo
  • Critérios de transparência e reparação

Segundo Maria Netto, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), a definição do funcionamento do fundo já avançou bastante. O que precisa ser feito ainda é criar mecanismos para que países com menor capacidade de organização consigam acessar os recursos e como supervisionar para que eles, de fato, protejam suas florestas. 

“Essa parte [definição do funcionamento] está bem mais transparente e clara do que era o ano passado, tem bastante diálogo e consenso sobre formas de monitorar as florestas, mostrar que você está perto do desmatamento zero, sobre os critérios de como você participa ou não do fundo etc. A pergunta é como você assegura que os países, de fato, vão cumprir esses critérios e como é que vai ser o mecanismo de supervisão do uso do recursos”, explica.

Castanheiras na floresta da Terra Indígena Erikpatsa, do Povo Rikbaktsa. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

9 – Quem já investiu?

O TFFF está atualmente na fase de capitalização. O Brasil é o primeiro investidor. Em evento durante a 80ª Assembleia Geral da ONU, realizada no início de outubro em Nova York, o presidente Lula anunciou o aporte de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,3 bilhões) no Fundo, condicionado ao apoio de outros países – isto é, só vai investir mesmo se outros países também investirem.

“O TFFF não é caridade. É um investimento na humanidade e no planeta, contra a ameaça de devastação pelo caos climático”, disse Lula, na ocasião.

A expectativa é que a COP30 crie um “momentum” para que outros países se sintam impulsionados a investir na iniciativa.

Ainda de acordo com Maria Netto, do iCS, devido à magnitude do montante que se pretende arrecadar (US$ 25 bi iniciais) e à dificuldade desta tarefa, é possível que o TFFF comece a operar, em uma etapa inicial, com um valor menor do que o planejado e com países que já estejam melhor estruturados para participar do mecanismo.

“A beleza do fundo é a ambição, mas o problema é de cara ser tão ambicioso. Não é tão simples assim fazer um fundo de 25 bilhões [de dólares]. É muito dinheiro. Mas se tiver recursos de alguns países, ele pode fazer um piloto de 3, 4, 5 bilhões”, explica.

10 – Quem administra e monitora o fundo?

O administrador fiduciário do Fundo ainda não está definido, mas há uma forte negociação para que o Banco Mundial assuma esta função, gerenciando os investimentos, ao menos em um primeiro momento.

Os critérios de transparência e monitoramento também ainda estão sendo construídos, mas já se sabe que o monitoramento da cobertura florestal dos países beneficiados, por exemplo, será feito de forma independente, transparente e com base em dados científicos e revisões periódicas.

É possível que a própria ONU supervisione o mecanismo, garantindo credibilidade e a prestação de contas.

  • Cristiane Prizibisczki

    Jornalista com quase 20 anos de experiência na cobertura de temas como conservação, biodiversidade, política ambiental e mudanças climáticas. Já escreveu para UOL, Editora Abril, Editora Globo e Ecosystem Marketplace e desde 2006 colabora com ((o))eco. Adora ser a voz dos bichos e das plantas.

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