No primeiro dia da Conferência das Partes para as Mudanças Climáticas (COP30), o oceano esteve presente no debate sobre a transição energética no transporte marítimo global. Segundo metas estabelecidas pela Organização Marítima Internacional (IMO), o setor marítimo precisa chegar à emissão zero de gás carbônico, o que significa encerrar o uso de combustíveis fósseis até 2050. Especialistas de diferentes setores se reuniram para compartilhar estratégias em curso que possam adiantar a meta para 2030.
Katharine Palmer, líder marítima do Climate Champions Team, mediou o debate com o objetivo de levantar soluções que poderão ser adotadas nesta década, não apenas por iniciativas individuais de empresas ou nações, como tem sido feito até agora, mas pelo setor.
Responsáveis por mais de 80% do comércio exterior no mundo, os navios são abastecidos por uma média diária de 225 toneladas de óleo combustível marítico (o chamado bunker), derivado do petróleo. O consumo aumenta, principalmente, de acordo com a velocidade do navio, mas também das condições de vento, altura das ondas e temperatura da água.
Economias energéticas em curso
Linden Coppell, vice-presidente de sustentabilidade da MSC Cruises, uma das principais empresas de turismo em cruzeiros do mundo, compartilhou os esforços que resultaram em uma economia de 40% na eficiência energética em relação à 2008. A maior parte desta economia (67%) é fruto do desenvolvimento tecnológico para coleta e monitoramento de dados de funcionamento do navio, que podem ser acompanhados pela equipe de bordo, para ajustes no gasto energético.
Os cruzeiros representam o setor marítimo de maior visibilidade pública, e com crescimento de quase 4% no Brasil em relação a 2024. Na temporada 2024-2025, foram 39 navios operando no país, dos quais 8 apenas na costa brasileira, que movimentou cerca de R$5,4 bilhões, segundo dados do Ministério do Turismo.
Além de operar viagens turísticas, Lindell afirmou que a empresa concentra esforços na construção de navios mais longevos, eficientes, além de aumentar o tempo de ancoragem nos portos, ao longo dos roteiros. O combustível, no entanto, segue sendo de origem fóssil.
Navio verde já é realidade
A experiência das Ilhas Marshalls é inspiradora. O país recebeu, em julho de 2024, o SV Juren Ae, veleiro de cargo construído na Coreia do Sul com apoio do governo alemão, que simboliza uma mudança de paradigma na sustentabilidade marítima. Ele reduz as emissões em 80%, a partir de seu sistema de velas, tecnologia de geração de energia solar e eólica, além de combinar ainda com o motor a diesel. O veleiro tem capacidade de transportar 300 toneladas de carga, bem inferior à média de cargueiros de 37 mil toneladas, mas é local de treinamento e de experimentações para o setor.
Tina Stege, enviada para o clima das Ilhas Marshalls, lembrou que o país sofre os impactos das mudanças climáticas e é considerado altamente vulnerável. A população de pouco mais de 37 mil pessoas dos 180 quilômetros quadrados distribuídos ao longo de mais de 5 ilhas e 29 atois na Oceania. “Temos muita criatividade e estamos empenhados em esforços de descarbonização de nossos navios. Contamos com US$200 milhões para a transição energética, mas precisam de mais apoio financeiro para o futuro, afirmou.
Transição não se faz sem aportes financiamentos
Neste sentido, Alain Beauwillard, diretor de Estratégia, Políticas e Inovação do Green Climate Fund, tratou de financiamento. “São US$1,3 bilhão destinados a projetos de resiliência costeira e oceânica, dos quais 40% são para projetos de adaptação das mudanças climáticas, e a maior parte dedicada à energia renovável”, descreveu. O fundo, iniciado há 10 anos, depois do Acordo de Paris, já empenhou mais de US$19 milhões em 336 projetos.
“Setenta e cinco percento do combustível usado hoje por navios é fóssil, mas podemos parar de usá-los”, defendeu Andrew Forrest, Non executive Chairman, da Fortescue Metal Group, o milionário australiano que doou cerca de R$57 milhões para o Fundo Tropical das Florestas (TFFF) na semana passada. Ele enfatizou o crescimento da amônia como combustível alternativo ao óleo combustível marítimo para as embarcações.
A amônia tem sido apontada como uma alternativa ao combustível fóssil para navios. De produção simples e barata, em torno de US$2 o litro, é atualmente produzida pela Índia e China e bastante consumida como fertilizante agrícola. “A molécula não é difíficl de produzir; atualmente com produção em torno de 800 milhões de toneladas ao ano, portanto, não é preciso temer a demanda do setor marítimo”, apontou Andrew. De acordo com dados da Associação de Energia de Amônia, a substância será a principal escolha dos novos navios em 2042 e deverá representar um quarto do combustível marítimo até 2050, o que representará uma demanda de 120 milhões de toneladas do produto.
O governo norueguês tem apoiado iniciativas de navios de baixa emissão de países em desenvolvimento. O país é pioneiro na construção de balsas e barcos elétricos. “Toda transição energética é complexa, vai haver ganhadores e perdedores. Mas o uso de barcos como meio de transporte ainda estão subrepresentados”, apontou Hans Olavo Ibrekk, enviado especial para o Clima e Segurança do Ministério das Relações Exteriores da Noruega. O governo já definiu meta de cortes de 50% das emissões de gás carbônico até 2030 e até lá terá contribuído com a construção de 250 navios de baixa emissão e outros 100 barcos elétricos para a pesca em países em desenvolvimento.
Os especialistas deixaram claro que já existem tecnologia e iniciativas que indicam o caminho para a transição energética marítima. As recomendações postas precisam ser incluídas nas políticas e acordos a serem definidos na semana que vem. Hoje, a COP30 concentra o debate na Zona Azul na temeatica da transição energética e o IMO poderá adiantar as metas para 2040 para zerar as emissões. Atualmente, as metas são de reduzir em 31 a 38% as emissões até 2030, comparado aos níveis de 2008, chegando a zerar apenas em 2050. Não há tempo para esperar até lá.
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