Uma área de Mata Atlântica do Jardim Botânico de São Paulo, até então restrita a pesquisadores, será aberta para visitação do público nos próximos dias. A data exata ainda não foi definida, pois as chuvas não permitiram a conclusão das obras para receber os visitantes. “Vamos abrir quando São Pedro deixar”, brinca o diretor da Divisão do Jardim Botânico, Dácio Matheus. O acesso à reserva florestal será feito por uma trilha suspensa de 360 metros de comprimento.
Dela será possível avistar espécies vegetais típicas da Mata Atlântica, como passuarés centenárias e samambaias-açu de mais de 50 anos. Se o visitante der sorte, pode ainda cruzar com bandos de bugios e bichos-preguiça, que não raro dão o ar da graça no local.
A reserva, localizada a 10 minutos do metrô Jabaquara, é o último remanescente de Mata Atlântica em planalto na cidade de São Paulo. O restante fica em encostas. “Além de ser importante pelo aspecto da educação ambiental, é um local muito lúdico. Caminhar e usufruir de uma mata sempre mexe com a fantasia das pessoas”, destaca o arquiteto do Jardim Botânico, Paulo Ganzeli.
Durante o trajeto, percorrido pela reportagem do O Eco na última semana, a sensação é de estar bem longe da cidade. O emaranhado de prédios dá lugar a enormes árvores. O cheiro da poluição se esvai no clima úmido, típico de Mata Atlântica. Até mesmo o trecho de terra que dá acesso à trilha foi pavimentado de maneira a não descaracterizar o local. “Utilizamos um material impermeabilizante composto de pouco cimento. A trilha não perde a aparência de solo e, ao mesmo tempo, as pessoas não escorregam”, comenta Ganzeli.
O remanescente de floresta guarda riquezas naturais difíceis de serem encontradas em grandes metrópoles. São quase 1.200 plantas fanerógamas (que dão flores), 130 tipos de samambaias, 167 musgos, 750 algas, 83 liquens e 448 fungos. Lá também foram encontradas mais de cem novas espécies da flora brasileira, antes desconhecidas pela ciência. Além dos répteis e mamíferos que habitam a área, cerca de 80 espécies de aves vivem por ali, sendo três delas da “lista vermelha” de animais ameaçados de extinção.
Ao final do percurso, mais uma surpresa. É lá que fica uma das 33 nascentes de córregos localizadas dentro do Parque Estadual Fontes do Ipiranga, onde fica o jardim Botânico, que vão formar o riacho do Ipiranga. Para quem não sabe, foi nas suas margens que D. Pedro I bradou o seu famoso “Independência ou Morte”. “Esse foi um dos motivos que nos fizeram abrir a área para visitação. A trilha tem grande apelo histórico”, diz Ganzeli. Localizado a pouco mais de cem metros da avenida do Cursino (região sul), seria compreensível que o olho d’água estivesse poluído. O que se vê, porém, é o contrário. “O córrego é completamente limpo, porque a floresta serve como uma esponja que filtra as impurezas das ruas de São Paulo”, comenta o diretor Dácio Matheus.
Politicamente correta
Construída seguindo os padrões da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a trilha é bastante democrática. “Como o declive é pequeno, crianças, idosos e deficientes físicos também poderão desfrutar desse pedacinho de Mata Atlântica”, destaca Matheus. De eucalipto de reflorestamento, a obra foi executada de modo a causar o menor impacto ambiental possível. “Todas as mudas de palmito que estavam no caminho da trilha foram retiradas e replantadas ao redor”, conta. As cerca de 50 árvores maiores foram incorporadas à passarela, onde abriu-se buracos para dar espaço aos troncos.
O fato de a trilha ser suspensa (em alguns pontos, chega a ter 4 metros de altura) ainda impede processos como compactação e drenagem do solo. “Como é cercada de madeira, limita a área do visitante. A própria disposição da estrutura mostra que a pessoa não é convidada a descer”, explica Matheus. A largura mínima de 90 centímetros entre um e outro corrimão permite a passagem de cadeiras de rodas. A obra, que demorou cerca de 60 dias para ser finalizada, foi totalmente financiada pelo governo do estado. O custo foi 148 mil reais, entre projeto e execução.
Cerca de um hectare de mata ao redor da trilha foi tomado por uma espécie de bambu que prejudicou o crescimento de outras plantas. A área agora está sendo recuperada com o corte da “praga” e o plantio de dez espécies endêmicas da Mata Atlântica. Não se sabe ao certo os motivos pelos quais a área está degrada. “Pode ter sido fogo, ocupação irregular antes de o local virar parque, poluição ou falta de polinização das plantas. O fato é que precisamos tirar o bambu e regenerar o espaço”, diz o pesquisador científico do Instituto de Botânica, Eduardo Gomes. No local, já foram plantadas mais de mil mudas.
As espécies foram escolhidas depois do cruzamento da lista de árvores presentes no parque com a relação das mudas disponíveis num viveiro da cidade. “Fomos afunilando até chegar a esses nomes. Precisávamos de plantas típicas, que sobrevivessem bem em locais com pouca sombra”, comenta Gomes. As árvores plantadas são exemplares de biriba, palmito juçara, jerivá, tapiá, orelha-de-negro, capororoca, guarantã, mamica-de-porca, ipê amarelo e embiruçu. “Em menos de dez anos, as mudas não atingirão o tamanho das outras árvores da floresta.”
Visitação
Além dos oito vigias que cuidam da segurança do Jardim Botânico, quatro monitores acompanharão as visitas à trilha para controlar qualquer desejo de afanar um muda ou simplesmente pisar na mata. A logística será definida depois que a área for aberta. “Só aí será possível ver, na prática, como a monitoria irá funcionar melhor. Ainda não sabemos se eles permanecerão fixos ao longo da trilha, orientando as pessoas, ou se acompanharão os grupos”, informa Matheus.
Atualmente, o Jardim Botânico recebe cerca de oito mil visitantes ao mês. Mais da metade é composta por grupos de alunos. A expectativa é que esse número aumente com a abertura da trilha. “Essa é a tendência, já que iremos oferecer mais um atrativo”, comenta o diretor.
O Jardim Botânico fica na avenida Miguel Stéfano 3031 e funciona de quarta-feira a domingo, das 9h às 17h30. A entrada custa 3 reais. Estudantes pagam 1 real. Para idosos e crianças entram de graça. Vale lembrar que a trilha ainda não está aberta e que não existe ainda uma previsão oficial de quando isso acontecerá. Se São Pedro permitir, deve ser até o final do mês.
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