Colunas

O Brasil realizou uma bela COP, mas ainda está devendo sua principal missão na pecuária

Apesar dos avanços em transparência, 97% dos supermercados e 88% dos frigoríficos ainda mantêm baixo controle sobre suas cadeias. Nenhuma empresa monitora as fazendas de cria e recria

26 de novembro de 2025

Com a COP30, o Brasil tentou se apresentar ao mundo como referência em desmatamento zero e rastreabilidade da pecuária. Mas os novos resultados da pesquisa Radar Verde 2025 expõem uma contradição incômoda. A cadeia da carne está ficando mais transparente e, ao mesmo tempo, ainda não comprova que seu principal produto não carrega desmatamento. Mesmo sob pressão de governos, investidores e mercados internacionais, frigoríficos e varejistas não monitoram a origem do gado que compram.

Ser um grande anfitrião na COP é uma vitória. Mas zerar o desmatamento na produção de carne bovina é a principal missão do Brasil. A pecuária bovina é o principal vetor do desmatamento no país. De acordo com o MapBiomas, mais de 90% do desmatamento da Amazônia é para abertura de pastagem. Sozinha, a cadeia da pecuária bovina é a principal fonte das emissões do setor agropecuário, que por sua vez responde por cerca de 75% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil. Reduzir o desmatamento ligado à pecuária é a maior oportunidade de mitigação climática do país e uma das mais relevantes do mundo. Também é uma forma direta de enfrentar crimes ambientais associados, como ocupação irregular de florestas públicas e grilagem dentro de áreas protegidas.

A dificuldade central está na estrutura da própria cadeia. O bezerro nasce na fazenda de cria, passa por fazendas de recria e, só no fim, chega às fazendas de engorda, geralmente as únicas monitoradas pelos frigoríficos. Ou seja, a maior parte da vida do animal ocorre em propriedades que permanecem fora do radar das empresas, muitas vezes em áreas irregulares ou sensíveis, como unidades de conservação e terras indígenas. Sem monitorar esses elos iniciais, nenhum frigorífico ou varejista consegue garantir, de fato, que seu gado não venha de áreas desmatadas.

O Radar Verde avaliou 151 grupos frigoríficos e as 100 maiores redes de supermercados do país, cobrindo praticamente todo o mercado formal de carne bovina. Entre os frigoríficos, 88% foram classificados com baixo compromisso com o controle do desmatamento. No varejo, 97% das redes mantêm nível igualmente baixo de controle sobre suas cadeias de fornecimento. Nenhuma empresa monitora as fazendas de cria e recria, elo de maior risco de desmatamento.

Há, porém, sinais de avanço. O número de frigoríficos com auditorias independentes publicadas triplicou em um ano (de 13 em 2024 para 41 em 2025) e agora cobre 57% da capacidade de abate da Amazônia Legal. No varejo, o total de redes com informações públicas cresceu de 46 para 76, permitindo acompanhar mais de perto o que antes ficava invisível.

Entre os frigoríficos, 12 empresas (lideradas por Marfrig, Masterboi e JBS) se destacaram por apresentar práticas mais consistentes de auditoria e transparência, representando juntas 41% da capacidade de abate da Amazônia Legal. São números que mostram disposição em abrir dados, embora o controle das origens ainda seja limitado.

No varejo, Assaí, Carrefour e GPA (Grupo Pão de Açúcar) foram as únicas que comprovaram realizar auditorias em fazendas fornecedoras diretas e manter políticas de compra com critérios ambientais definidos. Pouco, considerando o tamanho do desafio, mas suficiente para indicar que parte do setor começa a reagir às pressões de mercado.

Os resultados da pesquisa lembram o óbvio que ainda precisa ser dito: transparência não é rastreabilidade. Publicar políticas é o primeiro passo, mas sem comprovação de origem, a carne continua vulnerável ao desmatamento e à desconfiança. O estudo também alerta que a falta de rastreabilidade começa a se tornar um risco econômico. Bancos e investidores já tratam o desmatamento como fator de crédito, e empresas que negligenciam o controle da cadeia passam a ser vistas como passivos potenciais.

A rastreabilidade, portanto, deixou de ser tema ambiental e passou a ser um ativo de gestão de risco e reputação. Controlar a origem deixa de ser custo e passa a ser blindagem. As empresas que perceberam isso antes ganham vantagem competitiva, por estratégia e por coerência, não apenas por ética.

Se a COP30 virou palco para o Brasil reivindicar liderança climática, a rastreabilidade da carne é o teste que o país ainda não passa. E este é um problema de coordenação. O Brasil tem os dados, os sistemas e os protocolos. Falta alinhar os elos. Hoje, cada ator opera em um padrão próprio, e o resultado é uma colcha de retalhos que enfraquece a narrativa de “carne livre de desmatamento”. O desafio agora é transformar transparência em controle efetivo, porque comprovar a origem é o único modo de impedir que o desmatamento siga invisível na cadeia.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

Leia também

Reportagens
27 de abril de 2022

Radar Verde ajudará consumidor a fazer escolhas mais conscientes na hora de comprar carne

Indicador, lançado nesta quarta, vai monitorar esforços de transparência e controle da cadeia da carne para mais de 100 frigoríficos instalados na Amazônia

Colunas
23 de julho de 2025

Como a pecuária brasileira pode ser imune às pressões comerciais

A fragilidade no controle da cadeia da carne representa uma vulnerabilidade ambiental e comercial para o país. Ela precisa ser enfrentada com transparência

Salada Verde
24 de novembro de 2023

Pecuária especulativa desmata mais e produz menos carne

A análise da Trase mostra igualmente que 11% dos municípios bovinicultores concentram 95% das derrubadas para pastagens

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.