Os ingredientes da sociobiodiversidade brasileira estiveram nos pratos servidos pelo Restaurante SocioBio que atraiu longas filas, na Zona Azul, área de negociações e eventos oficiais da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP30), realizada em Belém. Além da variedade de comidas e bebidas saudáveis, o preço reconhecido como justo (R$ 40 reais incluindo refeição, suco e sobremesa) e a origem orgânica e agroecológica dos alimentos chamaram a atenção do público sintonizado com a importância da sustentabilidade da produção agrícola para o enfrentamento da crise climática. Mais de 100 toneladas de alimentos fornecidos devem gerar aproximadamente R$ 1 milhão em renda para famílias produtoras brasileiras.
Contribuíram para o sucesso do Restaurante da Sociobio, iniciativa considerada pioneira na história das COPs, cerca de 60 organizações produtoras comunitárias brasileiras mobilizadas pelo Consórcio SocioBio, liderado pela Cooperativa Central do Cerrado e a Rede Bragantina de Economia Solidária Artes e Sabores. Nesse mutirão para a garantia de cardápios variados, saudáveis e sustentáveis, tiveram destaque o arroz orgânico do MST (líder nesse tipo de produção no Brasil), a tradicional farinha de mandioca de Bragança (a mais tradicional do Pará), o pirarucu de manejo comunitário sustentável do Amazonas, os hortifruti do Pará Orgânico (redes de feiras agroecológicas), o cuscuz de milho não transgênico e a castanha do povo indígena Kayapó, do Pará, entre tantos outros produtos da economia solidária.

As estimativas apontam para cerca de 120 mil refeições servidas no restaurante ao longo de quatro semanas. O período envolve desde a montagem da estrutura de funcionamento da COP30, passando pela realização da Conferência do Clima, de 10 a 22 de novembro, até a etapa de desmontagem de pavilhões, estandes e outros espaços utilizados. Esse trabalho está em curso desde sábado, quando foram finalizadas as atividades, um dia após o calendário oficial. Na contabilidade do consumo de alimentos foi incluído tanto o público credenciado como os profissionais atuantes em diferentes funções de apoio.
“Pela primeira vez na história das COPs do Clima se traz uma alternativa de alimentação que dialoga com a agenda climática. Esperamos que essa experiência fique como legado para as futuras Conferências”, afirma Luis Carrazza, secretário-executivo da Cooperativa Central do Cerrado e coordenador do Restaurante SocioBio. Ele esteve à frente de uma equipe de 80 pessoas que trabalhavam na logística de preparo e atendimento ao público.

Carrazza enfatiza que, historicamente, as praças de alimentação das Conferências do Clima têm oferecido, majoritariamente, alimentos ultraprocessados e pratos de preparo rápido carregados de gordura e outros ingredientes pouco saudáveis, além de nem sempre ambientalmente e socialmente amigáveis nas suas formas de produção. Em contrapartida, ressalta que a iniciativa de cardápios da sociobiodiversidade envolve “modos de vida e produção agrícola integrados com a proteção da natureza”. O resultado prático dessa atuação “se reflete no equilíbrio climático”, conforme analisa.
“Foi uma das melhores coisas da COP30”, opina a jornalista Mara Régia Di Perna, referência em jornalismo radiofônico no Brasil, que inclusive destacou essa iniciativa pela Revista Nacional da COP30, direto da Conferência do Clima de Belém, pelas emissoras da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). “Além de comer uma comida de verdade, é gratificante ter a oportunidade de saber que aquilo é fruto do trabalho de dezenas de organizações e, principalmente, da Central do Cerrado, da qual eu tenho o privilégio de acompanhar o trabalho há muitos anos, além de participar de muito eventos liderados por essa referência”, acrescenta.



Com longa trajetória na cobertura de temas socioambientais pelos tradicionais programas radiofônicos Natureza Viva e Viva Maria, que vão ao ar pela Rádio Nacional da Amazônia e outras emissoras da EBC, Mara Régia enfatiza que “foi maravilhoso degustar delícias da natureza”, dentre as quais, frutos como umbu, cupuaçu e coquinho azedo, além de proteínas como o pirarucu da Amazônia, cujo manejo sustentável tem trazido muitos ganhos, tanto para consumidores como para comunidades locais envolvidas com essa prática na região.
“Foi realmente um momento diferenciado que deu oportunidade para pessoas que, como eu, estavam lá trabalhando intensamente, poderem se alimentar de alguma coisa que não fosse contaminada pelo fast food. Tudo bem simples e natural. As mais de 4 mil refeições servidas por dia são provas incontestes do sucesso. Eu acredito que daqui para frente, quando se pensar em COP, eles não vão se valer somente dos hambúrgueres e das batatas fritas que na grande maioria das vezes são comidas de mentira”, reitera a jornalista.
“O restaurante foi uma das ótimas surpresas que eu tive na COP30. Foi muito bom poder contar com esse espaço acolhedor, tendo como procedência alimentos produzidos por redes de agricultura familiar, de forma sustentável”, afirma a psicóloga e servidora pública, Graciella Faico. Para ela, embora a Conferência do Clima tenha sido realizada na Amazônia, foi também gratificante encontrar produtos do Cerrado no cardápio, tendo em vista a importância socioambiental desse bioma brasileiro que é menos conhecido internacionalmente, e até mesmo pelos brasileiros, ainda que tenha relevância central em termos de diversidade biológica, cultural e resguarde mananciais de água fundamentais para o país.



Ela conta que divulgou amplamente o restaurante para as suas redes de trabalho e que também considerou “muito atencioso e respeitoso o atendimento dedicado aos profissionais que atuaram em diferentes funções na COP30”. O público, em geral, podia acessar o espaço a partir das 14h, após a força de trabalho do evento ser atendida. “Foi mais um exemplo de cuidado com as pessoas que construíram a COP30, nesse espaço acolhedor e representativo da diversidade natural e cultural brasileira”, opina.
Para Graciella, a Zona Verde, dedicada às atividades da sociedade civil, além de outros ambientes integrados à programação da Conferência do Clima de Belém, deveriam ter tido uma alternativa de alimentação semelhante a essa da Zona Azul.
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