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A herança maldita da pesca predatória no Brasil desde a colonização

Com base em registros históricos desde 1500, pesquisa revela efeitos de longo prazo da pesca nas populações de espécies marinhas brasileiras, como baleias, peixe-boi e garoupas

Vinicius Nunes ·
19 de dezembro de 2025

Séculos de pesca predatória deixaram marcas ainda não superadas na fauna marinha brasileira. Um time de pesquisadoras mostraram que populações atuais de baleias, peixes-boi e garoupas, vítimas seculares da exploração humana, sofreram com redução populacional, diminuição de tamanho e até mudanças comportamentais, que prejudicam o papel ecológico desempenhado por elas.

Os resultados desta investigação fazem parte de um estudo produzido por pesquisadoras da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), publicado em novembro na revista Ocean & Coastal Management.

A pesquisa se baseou na análise de mais de 200 documentos históricos, como livros e relatórios, até desenhos, pinturas e fotografias, produzidas entre o ano de 1500 até 1950 sobre a fauna vertebrada marinha do país. O material reúne dados que vão do litoral de Santa Catarina até o Amazonas.

O trabalho incluiu visitas aos acervos do Museu Nacional e Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro; Instituto Ricardo Brennand e da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, além de acervos digitais, a exemplo do Instituto Moreira Salles.

Tais registros históricos sobre o passado populacional destas grandes espécies de fauna marinha foram comparados com estatísticas atuais publicadas em relatórios pesqueiros.

A pesca de muitas destas espécies passou a ser proibida somente na segunda metade do século XX. A caça às baleias, visadas tanto pela carne quanto pelo óleo, foi proibida apenas em 1986. Já a captura de peixe-boi se intensificou no começo do século XIX e só desacelerou a partir dos anos 1970. Cem anos antes, em 1870, a pesca de garoupa se mostrou tão intensa que foram registrados desembarques de 3,2 mil toneladas somente em uma região portuária no litoral do estado da Bahia. 

“O oceano brasileiro já foi muito mais rico do que enxergamos hoje”, lamenta a bióloga Carine Fogliarini, uma das autoras da pesquisa.

Para além da queda populacional, as pesquisadoras relatam que a pressão seletiva da pesca desencadeou um processo de encolhimento destes animais. Afinal, aqueles de porte avantajado estavam mais sujeitos à predação humana. Exemplares atuais de peixes como os camurupim (Megalops atlanticus) e o beijupirá (Rachycentron canadum) são, em média, 64% menores em comparação aos indivíduos documentados nos registros históricos. Antes, estes peixes superavam os três metros de comprimento – hoje tendem a medir menos de 1,5 metro.

Apesar da pesca comercial de baleias e peixes-boi ter se tornado ilegal, outros desafios têm se somado à caça. Dentre as ameaças estão a perda de habitat, colisões com embarcações, mudanças climáticas, além de ruídos submarinos, que impactam seus movimentos migratórios.

As cientistas defendem que as leis em vigência precisam ser atualizadas para refletir os desafios modernos enfrentados pela fauna marinha. 

Fogliarini diz ainda que é preciso entender como as populações destas espécies mudaram ao longo do tempo, e quais são os cenários possíveis de recuperação dessa biodiversidade marinha. “Só conseguiremos planejar a conservação de forma realista quando entendermos o que se perdeu, o que ainda pode ser recuperado, e qual era o papel dessas espécies nos ecossistemas”, conclui.

  • Vinicius Nunes

    Cientista Social pela FGV/CPDOC e estudante de Jornalismo na ESPM-Rio. Entusiasta da pauta ambiental, política e esportes.

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