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O que fazer no Rio em dia sem praia

Se depender dos pássaros que freqüentam suas varandas, o Rio ainda é a cidade que não conseguiu expulsar a natureza, como disse o diplomata Paul Claudel.

2 de dezembro de 2005 · 19 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Mais uma vez, Sérgio Abranches tem toda a razão. Ele escreveu aqui no site outro dia que bom mesmo é deixar os problemas ambientais de lado e sair por aí, fotografando a natureza enquanto é tempo. Às vezes, em lugares como o Rio de Janeiro, nem é preciso sair por aí. Basta passar um fim-de-semana em casa, no meio da cidade, mesmo que seja por ordem médica. E esperar sentado que ela pouse na varanda.

Qualquer banana no parapeito ajuda. Principalmente quando a primavera vai meio avançada, os ninhos já se povoaram de filhotes e cada pássaro tem mais bicos para alimentar do que no resto do ano. Aí nem é preciso esperar, porque eles estão com pressa. E ao primeiro sinal de comida grátis caem do céu como embaixadores alados da vida selvagem, vindos dos morros verdes que, segundo as autoridades municipais, só servem para criar favelas.

Nos guias turísticos oficiais, continua em vigor a licença poética do diplomata Paul Claudel, para quem o Rio de Janeiro era a única grande cidade do mundo que não tinha conseguido expulsar inteiramente a natureza. Talvez ainda não. Mas continua tentando. A frase tem mais de um século. É do tempo em que se caçava onça parda na Barra da Tijuca ou ainda se nadava na baía de Guanabara em praias e enseadas extintas, que os aterros sepultaram na febre de reformas urbanas do século passado.

Exagero de Claudel. Mesmo porque o fotógrafo Edson Endrigo e o ornitólogo Pedro Develey conseguiram encher 300 páginas com um guia ilustrado das “Aves da Grande São Paulo”, da Agelaius ruficapillus à Zenaida auriculata. Ë, mas no Rio de Janeiro a observação de aves tem mais graça, porque o cenário ajuda. Mesmo visto da janela, desde que se olhe pelo ângulo certo, ela dá a impressão de que o mato está logo ali, logo acima do telhado do vizinho e abaixo da última calva que anuncia o avanço das construções irregulares nas encostas da vizinhança.

Pode não ser a mais pura verdade. Mas é um alento ver, a domicílio, que sobrou tanta coisa num bairro como a Gávea. E num domingo de praia cheia, nada mais carioca do que montar a máquina fotográfica no tripé como quem joga o anzol no mar. Chega de cara o tico-tico, que é menos desconfiado. Atrás vêm os sanhaços, mais ariscos, que custam mais a se acostumar com a luz do flash. Depois as saíras, primas dos sanchaços.

E aí não há mais banana que chegue para cambaxirras, sabiás, bem-te-vís, cambacicas e tiribas. Em poucas horas, a notícia de que alguém está pagando o almoço deve correr por todos os morros dos arredores, porque aparece mais espécies de pássaros do que dá para identificar, sem um manual ao alcance da mão. E a freguesia fica logo íntima da casa. Cada vez que a fruta acaba, abre o peito, chamando o garçom. E não foge mais de qualquer movimento, como nas primeiras visitas. Espera sentada pelo serviço no galho mais próximo, como se soubesse quem manda na casa.

As fotografias que ilustram esta coluna foram feitas exatamente assim, com uma câmera digital Canon 20D regulada em ISO 400, teleobjetiva Canon Zoom 100-400 na abertura máxima, velocidade 1/200, três flashes – mais para realçar de todos os ângulos possíveis os matizes das penas iridescentes do que para iluminar a cena – e um tripé Gitzo pesado. Para quê? Para passar o tempo enquanto uma perna se recuperava de uma luxação. E para mostrar que os cariocas mais interessantes nem sempre são aqueles que saem nas colunas sociais.

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