Quem acompanha reuniões dos órgãos federais de meio ambiente, tais como as plenárias do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) ou do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), certamente já notou que não há um debate sequer em que eles não estejam presentes. São oito rostos conhecidos que circulam nas discussões mais diversas; de resíduos sólidos a unidades de conservação, de cobrança pelo uso da água a problemas urbanos. Muitas vezes, são considerados os vilões do meio ambiente pelas Ongs, mas nem por isso deixam de empunhar o microfone para defender o setor produtivo.
Estas figuras tão familiares ao meio político-ambiental de Brasília são as vozes da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Oriundos de diversos campos, como economia, advocacia, engenharia e ciência política, eles são responsáveis por representar a enorme gama de interesses dos setores industriais que sofrem alguma regulação ambiental. A priori, nada mais comum do que levar pleitos aos fóruns adequados, mas nem sempre foi assim.
Faz dois anos que a indústria vem mostrando que nunca esteve tão bem organizada para defender suas posições nas questões ambientais. Anteriormente, os fabricantes afetados por alguma norma ou lei enviavam seus técnicos para negociar em conselhos e plenárias onde muitas vezes o traquejo político conta mais que o conhecimento técnico. Agora, quem senta na mesa de deliberação são só os integrantes do time da CNI . A mudança coincide com a reestruturação do Conselho Temático de Meio Ambiente da CNI, conhecido como Coema. Criado para assessorar a presidência da confederação, o conselho passou a ter reuniões mensais com membros das federações estaduais e técnicos de diferentes atividades industriais para decidir quais posições serão defendidas nos fóruns de meio ambiente.
O fortalecimento da participação da indústria foi arquitetado por uma figura influente no campo da inovação tecnológica no país, o ex-secretário de Política Tecnológica do governo Fernando Henrique, o economista Maurício Mendonça. Desde 2004, ele é o diretor do Coema. Ex-professor da Universidade Federal de São Carlos, onde desenvolvia pesquisas sobre a relação entre competitividade industrial e meio ambiente, Mendonça diz que busca “levar racionalidade” à atuação da indústria no debate ambiental. Com isso, pretende quebrar um preconceito que considera ainda existir contra os empreendedores quando se fala de meio ambiente.
Para atingir sua meta, a CNI juntou, em abril deste ano, 100 pessoas vindas de todos os setores industriais em uma plenária para eleger as prioridades de atuação no campo ambiental. O evento foi uma surpresa para quem estava acostumado a ver figurões da indústria apenas reclamando sobre o atraso das licenças ambientais. Os participantes dividiram-se em três grupos, cada um representando uma agenda de atuação: azul, para temas ligados à água, verde, para os de biodiversidade e florestas, e marrom, para poluição e licenças. A principal estratégia a ser adotada é ampliar a participação da indústria, seja nos comitês de bacia hidrográfica, nas consultas públicas de projetos de lei ou nos conselhos federais.
Insatisfeitos
“Dá para ver que eles estão levando a sério o debate, estão se preparando. Só não parece que eles estão levando a sério a questão ambiental”, pondera a coordenadora de políticas públicas da Ong Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos. Segundo ela, a indústria continua tratando as regras ambientais como obstáculos à atividade produtiva.
A discussão sobre as limitações ambientais, mais especificamente o tema de licenciamento de empreendimentos, foi realmente a porta de entrada da indústria nas discussões de meio ambiente. Entretanto, Mendonça argumenta que essa questão é apenas a face aparente de um problema maior, a má qualidade da política ambiental brasileira. “No Brasil, temos o mito de que temos a melhor legislação ambiental, que bastaria aplicá-la. Na verdade, temos uma regulação extremamente confusa, detalhista, inaplicável.”
Uma das principais críticas da CNI tem sido sobre a representatividade do Conama, um órgão que regula questões ambientais relevantes através de resoluções. O exemplo mais gritante, afirma o diretor do Coema, é o próprio licenciamento ambiental, cujas regras foram totalmente estabelecidas pelo Conama. Em sua opinião, deveria haver uma legislação própria para o tema.
A análise de Mendonça é de que, em temas ambientais, há um impasse entre Estado e setor privado no Brasil. O marco legal compromete o desenvolvimento econômico, pois só existem instrumentos de comando e controle. “O ônus sempre é da produção”, argumenta. Com isso em mente, a CNI recrudesceu a ofensiva contra as cobranças de compensação ambiental. Criada pelo artigo 36 da lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei 9985/2000), a norma prevê que empreendimentos com alto impacto ambiental devem contribuir com pelo menos 0,5% do valor do empreendimento para áreas protegidas na mesma região.
A indústria considera o dispositivo inconstitucional e entrou com uma representação no Supremo Tribunal Federal. O argumento é que o Estado criou mais um imposto, sendo que não há um teto sobre o valor a ser cobrado dos empreendedores. Outro ponto criticado, é a forma como a compensação é calculada.. “Se estamos pagando por um dano, como a base de cálculo será o investimento?”, indigna-se Mendonça ao defender uma forma objetiva de cálculo do dano.
“Para um setor que não quer regulação, qualquer lei é péssima”, rebate Adriana Ramos, do ISA. Em sua opinião, as normas ao setor produtivo são restritivas porque o segmento se recusou a participar e discutir as questões ambientais desde o início. A polarização, diz ela, entre empreendedores e os ambientalistas, ainda continua forte.
Na visão de Mendonça, a única chance de diminuir esta distância será acabar com as “lendas” que imperam sobre o desenvolvimento econômico, tornar a visão sobre o crescimento positiva. Ele argumenta que há uma forte correlação entre pobreza e degradação ambiental, cita os casos europeus em que rios foram despoluídos quando a prosperidade foi atingida. “Queremos favorecer o investimento, não o crescimento a qualquer custo. Para as empresas que agem errado, existe a lei de crimes ambientais”, conclui o diretor do Coema.
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