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Aqui, não!

Moradores de condomínio em São Conrado se mobilizam para evitar surgimento de favela em área verde. Um barraco foi retirado, mas não se sabe se existem outros.

Eric Macedo ·
13 de julho de 2006 · 18 anos atrás

A mata na encosta da Avenida Niemeyer próxima ao antigo Hotel Nacional, no bairro carioca de São Conrado, ganhou um grupo atento de guardiões. Os moradores de um condomínio que fica em frente ao morro, o Residênce Paradiso, se recusam a abrir mão de um dos únicos remanescentes verdes da região, o resistente pedaço de floresta encurralado entre as favelas da Rocinha e do Vidigal. No fim de junho, depois de meses de desconfiança de que uma nova favela poderia estar surgindo ali, três vizinhos resolveram ir além dos boatos de elevador e subiram o morro atrás de provas da ocupação do terreno. Voltaram com fotos de um barraco, que renderam a sua retirada pelo grupamento florestal da guarda municipal na manhã de 5 de julho.

O morro é usado há tempos para realização de cultos religiosos, motivo pelo qual existe uma trilha que leva a um terreno no alto. Os moradores dos edifícios em torno sabiam disso pela movimentação constante em algumas noites e pelos gritos que varavam a madrugada. “Até aí, tudo bem, porque eles sobem mas sempre descem depois”, diz o professor de ginástica e empresário Hebert Façanha, um dos três vizinhos que percorreram a trilha no início do mês.

O problema começou quando moradores e seguranças do condomínio passaram a notar a presença de uma luz acesa no meio da mata. Além disso, Hebert conta que viu um ponto vermelho em meio ao verde quando, uma manhã, passeava com seu cão, um boxer. Um tempo depois, os seguranças passaram a ver uma senhora subindo o caminho com pedaços de madeira e trouxas de roupa.

A cirurgiã-dentista Monica Bernardes, outra que também esteve na expedição ao barraco, também cansou de esbarrar com a mesma senhora, entrando e saindo da trilha, quando passeava com seu buldogue. Entre os vizinhos, não havia mais dúvida de que alguém estava morando lá em cima. Há algumas semanas, conversando com o rapaz que trabalha num quiosque de praia próximo ao inicio da trilha, Hebert descobriu que a mulher, não contente com a madeira, passara a carregar tijolos morro acima. Essa foi a gota d’água.

Provas fotográficas

A Hebert e Monica se juntou Flávio Alves Branco, ex-síndico do prédio, preocupado há tempo com os boatos que ouvia pelos corredores, até então não confirmados. Os três reservaram a manhã do dia 25 do mês passado, um domingo, para subir a trilha com a máquina fotográfica de Flávio e registrar o que quer que encontrassem lá no alto. Voltaram com a prova que precisavam para fazer uma denúncia.

As fotos foram encaminhadas ao gerente do condomínio, que escreveu um e-mail alertando a Associação de Moradores de São Conrado para o problema. Mas, assustados com a possibilidade de que novos barracos se estabelecessem ali de forma irremediável, os vizinhos não quiseram confiar que a simples denúncia pelos meios tradicionais resolveria o problema. Começou então uma mobilização por e-mails e boca a boca, principalmente entre os conhecidos de calçadão que passeiam diariamente com seus cães. A idéia era encontrar, na rede de relacionamentos dos moradores do bairro, alguém no governo com poder para se certificar de que alguma medida seria tomada.

Flávio atribui esse movimento a uma descrença geral nas autoridades públicas. “Se dependesse deles, nada iria acontecer”, diz o empresário. Houve até quem sugerisse que os próprios moradores removessem, eles próprios, o barraco, mas a idéia gerou polêmica e acabou por não se concretizar. Uma semana depois de tiradas as fotos, saiu uma reportagem no Jornal do Brasil com a denúncia, atribuída a Associação de Moradores e ao condomínio Village, vizinho do Paradiso. No dia seguinte, Flávio recebeu a ligação de uma desconhecida, Regina – moradora de algum prédio da área – sobre quem esta reportagem não conseguiu descobrir nada além do primeiro nome e da raça de seu cão, um beagle.

Autoridades omissas

Regina disse a Flávio que havia entrado em contato com um secretário municipal, seu conhecido, e que no dia seguinte o barraco seria retirado. Logo de manhã, apareceu na área um grupo de guardas, acompanhado por um caminhão da Comlurb. A dona e única moradora do barraco era uma senhora negra, com forte sotaque africano, que a guarda municipal, contatada por O Eco, não soube identificar. Ela saiu discutindo com os guardas e rogando pragas para o “quiosqueiro”, que indicou a eles a entrada da trilha e a quem a mulher atribuiu a autoria da denúncia. “Por um lado é chato. E se fosse eu naquela situação? Mas a gente tem que zelar pelo que nos resta de verde. A nossa preocupação é de que em pouco tempo aquela mata poderia estar toda destruída, poderia virar uma outra favela”, diz Monica.

Claro que o incômodo dos moradores passa também por interesses financeiros, afinal eles investiram dinheiro nos imóveis, que certamente se desvalorizariam com o surgimento de uma nova comunidade. Mas Flávio se apressa em dizer que não se trata de nenhum tipo de preconceito em relação às favelas. “Os moradores de São Conrado tem um excelente relacionamento com a Rocinha. Apesar do que muita gente pensa, esse é um dos bairros mais seguros do Rio de Janeiro. Mas ali não pode ficar, aquilo é área de proteção ambiental”, afirma.

Os três vizinhos se manifestam contra o descaso da prefeitura no que diz respeito à proteção das áreas verdes da cidade ameaçadas pela favelização. Flávio reclama que não se tem informação suficiente sobre a quem recorrer nesses casos. Segundo ele, já correm boatos de que existiriam outros barracos mais para cima no morro. E ainda há a preocupação de que o Vidigal cresça naquela direção, ocupando toda a área e praticamente se unindo com a Rocinha. “O que a gente quer é que algum órgão faça uma vistoria para saber se tem ou não mais gente morando lá. Mas eu não sei quem é responsável”, diz o empresário. Uma boa notícia, pelo menos, é que há quem esteja disposto a brigar pelo que resta de natureza no caos da cidade maravilhosa.

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