Reportagens

A trilha da discórdia

Trilhas fechadas ao público no Parque Nacional do Itatiaia estão incluídas no trajeto de uma corrida de aventura que larga domingo. O caso gerou confusão, mas pode render bons frutos.

Carolina Elia ·
9 de novembro de 2006 · 18 anos atrás

O Parque Nacional do Itatiaia (PNI) foi escolhido como trajeto para uma corrida de aventura, a Ecomotion/Pro 2006, mas virou alvo de críticas ao abrir passagem para 216 atletas. É que os participantes das 54 equipes inscritas na competição vão andar por trilhas hoje fechadas ao público e que há muito tempo excursionistas que freqüentam o parque brigam pelo direito de transitar por elas. Além disso, quem usufrui da natureza do Itatiaia teme os impactos que tanta gente junta, e correndo, pode causar.

Segundo o diretor do parque, Walter Behr, a trilha, que não pode ser revelada antes do começo da corrida porque os participantes só podem saber o percurso em cima da hora, será aberta ao público logo depois do evento – como reinvindica a população. Uma das condições para o Ibama permitir a inclusão de Itatiaia no trajeto foi a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) em que a organização da corrida se compromete a ajudar a recuperar as trilhas fechadas. De imediato, elas serão sinalizadas e, para evitar qualquer dano à mata, o caminho será fiscalizado por cerca de 40 pessoas que terão a missão de garantir que ninguém tentará usar atalhos. “ Quem sair da trilha será atuado e desclassificado. Isso é condição”, afirma Behr.

Depois do evento, a organização financiará a construção de um posto de controle no começo de uma das trilhas e ajudará o parque a firmar parcerias com o setor privado para a recuperação integral das três trilhas do Itatiaia que hoje têm o acesso negado. O custo da obra é estimado em 300 mil reais. “ Por enquanto, o caminho usado na corrida será aberto à população em caráter experimental”, explica Behr, que reconhece também que as picadas são utilizadas por freqüentadores mesmo sem a autorização da direção.” Agora, o parque poderá ter presença aonde não tinha”, diz.

A empresa Ecomotion, responsável pelo evento, é patrocinada por empresas de peso como Vivo, Peugeot e Natura. E conta com o apoio técnico da Ong SOS Mata Atlântica. “Meu ganha pão é o marketing esportivo. Tenho uma relação com o meio ambiente muito forte.Se eu manchar isso estou fora do mercado”, falou Said Aiach, organizador do evento, em tom de perplexidade, ao saber das acusações de que a corrida impactará a natureza. Segundo Said, o argumento de que serão 216 pessoas passando por uma trilha ao mesmo tempo é equivocado. “Fazemos estudo de carga das trilhas. Os corredores estão conscientes que se jogarem papel no chão ou saírem do caminho estão desclassificados. E não passa todo mundo de uma vez, são equipes. Uma passa hoje, outra daqui a dois dias”, diz, adicionando que talvez a freqüência de pessoas na trilha durante o evento seja menor do que a que existe de forma clandestina.

O diretor da Ong SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani, defendeu a realização do evento como uma atividade de impacto ambiental mínimo. “A corrida está dentro do limite de capacidade do parque. São preciosismos [as críticas]. Daqui a pouco pode ter gente dizendo que os montanhistas degradam a parte alta de Itatiaia por prenderem equipamento nas rochas. Acho que tem muita desinformação”, comentou.

Os freqüentadores do parque que criticam a realização da corrida nas trilhas fechadas da unidade de conservação são integrantes do Conselho Consultivo e da Câmara Técnica de Montanhismo do PNI, além das federações de montanhismo do Rio de Janeiro e de São Paulo. Muitos escreveram cartas a Walter Behr pedindo maiores esclarecimentos sobre o evento, mas só receberam uma resposta nesta última quinta-feira, quando o chefe do Itatiaia obetve autorização do Ibama de Brasília para hospedar a corrida, que passará por outras unidades de conservação federais, como o Parque Nacional da Serra da Bocaina. “Uma das características deste evento é o total sigilo do trajeto. Eu não podia fazer ampla divulgação”, conta Behr. Quanto à decisão de não ter levado a questão ao Conselho Consultivo e da Câmara Técnica de Montanhismo do parque, argumenta: “Não podia levar a eles uma condição que por muito tempo era uma mera hipótese. Quando se tornou oficial, eu fiz”, alega.

Só na quinta-feira os críticos também descobriram que a organização do evento irá investir na recuperação das trilhas usadas e que há a promessa de abri-las ao público em seguida. A notícia foi recebida com ressalvas. Bernardo Collares de Arantes, da Federação de Montanhismo do Rio de Janeiro (FEMERJ), diz que se a abertura das trilhas dependia basicamente de sinalização, a federação o teria feito, com prazer. Já Ralph Salgueiro, presidente da Associação de Guias de Turismo, Condutores de Visitantes e Monitores Ambientais das Agulhas Negras (AGUIMAN), admitiu que a parceria a princípio é boa, mas ainda teme o impacto de 216 pessoas no parque.

Segundo a SOS Mata Atlântica, a corrida de aventura a ser iniciada dia 12 de novembro na região de Itatiaia e concluída uma semana depois no litoral da Costa Verde será a primeira no mundo a neutralizar toda a emissão de carbono provocada pelos seus atletas. Said já gravou o número de árvores que terá que plantar: 3.557 no total. Walter Behr ainda não sabe precisar quando o posto de controle estará edificado na trilha, ou que tipos de advertências serão dadas aos andarilhos que desejarem fazer o percurso. Pediu o prazo de uma semana para esperar a corrida passar e poder pensar melhor nas oportunidades que ela promete abrir.

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