Thomas Pakenham fotografa árvores. Ou melhor, retrata-as, com as rugas, expressões e gestos que contam, num clique, a história de uma vida. Apresenta-se como amador. Mas é dos bons, da linhagem de amadores que devolve à palavra a menção original às pessoas que trabalham por gosto, para não dizer por amor. Leva o encargo tão a sério que há mais de uma década carrega mundo afora uma Linhof Technika, câmera de fole grande, complexa e pesada, dotada de um corpo capaz de qualquer contorsionismo para achar a perspectiva certa até nos ângulos errados. É o instrumento ideal para retratados que só se deixam enquadrar de baixo para cima e se espalham por vastos espaços mesmo quando crescem em lugares apertados. Mas, como um puro-sangue arisco, ela só funciona nas mãos de quem sabe controlá-la. Pakeham adotou-a porque um fotógrafo profissional lhe disse que ele não estava à altura da Linhof. “Evidentemente, achei o desafio irresistível”, ele explica.
Com ela, fez “Meetings with Remarkable Trees”, contando seus encontros com árvores notáveis. O livro virou seriado na televisão inglesa e acabou puxando outro, colhido em viagens por todos os continentes. Mas, com a desenvoltura de legítimo aristocrata inglês, nascido com salvo-conduto para exercer em paz sua excentricidade, Pakenham avisa logo na primeira linha do primeiro volume que não se trata de livros convencionais. Ele não é dado a abraçar árvores, informa. Não promete um guia de Botânica nem ajudar o leitor a identificar plantas, “muito menos cultivá-las”. Tudo o que oferece, em bons textos e imagens caprichadas, é um antídoto contra a indiferença humana por velhas árvores, atitude que a seu ver não combina com a moda dos pruridos ambientais.
Grande personalidade
Na Inglaterra ele já viu carneiros roendo a casca de teixos milenares. Na China, fotografou o último pinheiro secular numa floresta que deveria estar cheia deles. Pelo resto, os lenhadores acabavam de passar sem a menor cerimônia, como se não estivessem lidando com criaturas “mais pesadas do que qualquer animal terrestre, mais altas que a maioria dos edifícios e mais velhas do que muitos monumentos antigos”. No entanto, “mesmo se não fosse um organismo vivo uma árvore já seria um objeto extraordinário”, diz Pakenham. Há copas que cobrem, sozinhas, 1.500 metros quadrados de chão, espalhando para todos os lados galhos e ramos que, emendados, alcançariam quase 20 quilômetros de comprimento.
Convencido de que árvore “não se produz em massa”, Pakenham vai atrás das que têm “grande personalidade”, escolhendo-as pela idade, tamanho, forma, viço e importância histórica. Ou seja, pela aparência e pelo currículo. Na Europa, quase todas as árvores históricas têm dono. E, nesse caso, o proprietário posa a seu lado como modesto coadjuvante, espremido num canto da fotografia pela presença descomunal da madeira, como se estivesse ali só para lembrar que o protagonista é o carvalho, a faia, o freixo ou o abeto. A coleção tem de tudo. Gigantes emparedados em cemitérios, capelas, quintais e minúsculos terrenos urbanos.
Sobre uma tília em Shewsbury empoleira-se uma casa de chá. No tronco oco de um baobá em Klaserie instalou-se um bar onde podiam se aboletar até 15 garimpeiros durante a corrida do ouro que varreu a África do Sul no fim do século 19. Na Grécia, no Japão, na Índia ou mesmo na Normandia resistem de pé árvores usadas através das gerações como santuários e capelas. Nas bordas do deserto do Kalahari, Pakenham fotografou cascas que conservam os grafites de exploradores europeus, atravessando o Botisuana 150 anos atrás. Nos vales alpinos de Santa Gertruda, no Tirol italiano, encontrou um lariço que viu passar as tropas de Júlio César. Num subúrbio da Westfalia, na Alemanha, conheceu um carvalho “que daria uma excelente casa para unicórnios” e, ao longo de sua existência, serviu de altar pagão e corte marcial.
Ele foi longe. Começando pelos carvalhos plantados por seu bisavô em Westmeath, armou sua Linhof diante de ciprestes no México, sequóias nos Estados Unidos, eucaliptos na Austrália, figueiras em Madagascar. Mas não passou pelo Brasil. Deve achar que aqui não existem árvores “culturalmente significativas”, o que não deixa de ser um tributo aos costumes locais.
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