Todos os dias, os meios de comunicação mostram mais do mesmo: as vítimas e o impacto econômico dos desastres naturais. A única coisa que se diferencia nessas notícias é que elas podem vir em branco, negro, amarelo ou vermelho, ou seja, nas cores básicas da humanidade. Com efeito, pula-se, em trágica ronda anual, dos furacões da Flórida, dos calores letais de Roma e Paris ou dos incêndios florestais da Espanha para as inundações catastróficas na China, Filipinas e Vietnã e os frios excepcionais nos Andes do Peru e Bolívia, e logo para as pragas de gafanhoto do norte da África e os terremotos do Japão e do Irã, sem esquecer dos buracos na camada de ozônio, que expõem os patagônios modernos a cânceres cutâneos e o sempiterno espetáculo dos bengaleses se afogando no meio de cobras desesperadas ou dos meninos sahelianos cobertos de moscas e morrendo de sede e fome, devido às secas persistentes. El Niño, antes um tímido recém-nascido que assolava apenas as costas do Peru, transformou-se num delinqüente juvenil que não respeita mais seu ciclo natural nem seu território original. E agora tem até irmã, a menos conhecida, embora igualmente pervertida, La Niña.
A correlação entre o aumento da população humana e de suas necessidades e os desastres naturais está muito bem demonstrada.
O que está acontecendo? Será que todos esses problemas, entre muitos outros, são realmente naturais? Será que esses fenômenos se agravam ano a ano ou agora fazem danos maiores apenas porque a população humana é maior? Ou será que os desastres naturais de hoje são em parte conseqüência do aumento da população humana e de seu impacto sobre o entorno natural? Por que a população humana cresce sem parar, quando qualquer outra espécie tem limites estreitos?
Não pretendo tentar responder a perguntas tão complexas, que aliás já foram respondidas em milhares de páginas escritas por grandes filósofos e cientistas. Mas, na verdade, nenhuma das respostas oferecidas pelos sábios é clara ou contundente. O cinza as domina. Porém alguns fatos são óbvios ou indiscutíveis: (i) a população humana alcançou um estágio sem precedentes, com grande probabilidade de ser o limite para a qualidade de vida que se deseja para todos e, o que é pior, apesar da redução da taxa de natalidade o número de humanos vai continuar crescendo muito, antes de se estabilizar, no meio deste século; (ii) muitas ações ou atividades humanas têm impactos comprovados no clima, entre eles o bem conhecido efeito estufa e a deterioração da camada de ozônio, vinculados a formas de contaminação ambiental; (iii) outras ações humanas podem não afetar o clima mundial, mas elevam muito os riscos locais de sofrer impactos não desejáveis da natureza, entre elas o desmatamento e a destruição das bacias hidrológicas; (iv) se a população humana, com a escusa da pobreza ou outras semelhantes, se instala em áreas de elevado risco de desastres naturais, nada vai salvá-la.
O crescimento da população além do que seria razoável é bom negócio para os mercadores, que desejam vender suas bugigangas (chamam isso de “mercado”) e enriquecer mais. Também é ótimo para os que desejam dominar os vizinhos e para os que propalam a fé fanática, na base de “carne de canhão” — sejam soldados fardados ou terroristas suicidas. O conceito de “bom negócio” tem nuances, incluindo os que acham que a população é necessária para ocupar e defender espaços “vazios” (a Amazônia ou a Sibéria, por exemplo).
Mas, sob o ponto de vista dos governos que querem elevar a qualidade da vida do povo isso é um problema enorme, em termos de demanda insatisfeita de serviços públicos como educação, saúde, emprego, segurança ou recreação. Quanto mais gente, mais impostos e ainda assim menos dinheiro para redistribuir. O crescimento abusivo da população é a melhor receita para a pobreza e para o caos social. De outra parte, quanto mais gente, mais pressão sobre a natureza e seus recursos. Surge o desmatamento, a perda da biodiversidade, a falta de água, a aparição do efeito estufa (a redução das geleiras nas calotas polares e nas altas montanhas e, outra vez, falta de água doce), os buracos na camada de ozônio, os processos erosivos violentos (avalanches, aluviões, deslizamentos de terra), etc. A correlação entre o aumento da população humana e de suas necessidades e os desastres naturais está muito bem demonstrada.
Também é evidente que quanto maior a população, proporcionalmente maior é o risco de perdas humanas e econômicas. Quando a Flórida estava pouco urbanizada ninguém dava bola aos furacões e quando no Rio de Janeiro não existiam favelas no pé dos morros, ninguém morria nesses locais. Os furacões até podiam ser completamente naturais, mas não é o caso das avalanches, deslizamentos de terra ou aluviões que matam milhares de pessoas pobres em toda a América Latina, simplesmente porque elas se instalam em áreas proibidas pela lei e pelo bom senso. A culpa é deles mesmos e também, principalmente, das autoridades que, baseadas em Deus sabe que classe de compaixão, não fazem respeitar regras elementares.
Os ecólogos conhecem um pacote de leis básicas que pertencem ao amplo capítulo da dinâmica de populações. Uma delas, elementar, diz que quanto maior é o potencial de reprodução (os coelhos, por exemplo) menor é a capacidade de sobreviver. A espécie humana não tem potencial de reprodução excepcional, mas graças a sua inteligência relativa tem uma enorme capacidade de manter seus indivíduos vivos, resistindo bem aos fatores adversos do entorno. Isso começou com a invenção da agricultura e com a medicina e continuou, imitando os cupins e as formigas, com a formação de exércitos e polícias e a construção de cidades e edifícios enormes para pôr mais gente no mesmo espaço. A ciência foi a melhor aliada do crescimento populacional. Devido a ela os fracos não morrem, os velhos vivem mais e nosso alimento não falta graças aos agroquímicos e agora aos transgênicos. De outra parte, nenhuma onça anda mais por aí comendo humanos. Eliminamos quase todos os fatores limitantes do nosso crescimento.
Então, entra em operação outra regra natural, que diz que quanto maior a densidade da população maior é o impacto dos fatores de controle da mesma, especialmente fatores intra-específicos, ou seja, neste caso, humanos. Para quem queira vê-los, lá estão, sejam enfermidades novas (Aids, mal da vaca louca, gripe asiática e quiçá num futuro próximo uma versão mais duradoura do vírus ebola), homossexualidade desenfreada masculina e feminina (os homossexuais enganam a reprodução), as drogas onipresentes que tanto matam como movimentam o crime, a guerra social na forma de bandidos dominantes e bonzinhos derrotados, violentados, humilhados, assassinados e desarmados pela mesma autoridade que deveria protegê-los. E, se isso for pouco, há outras guerras, as dos donos do mundo, como Bush, e as dos donos da fé, como Bin Laden. A natureza é sábia e ainda que muitos humanos não o aceitem, ou não o saibam, ela faz e fará todo o possível para evitar que a espécie humana domine o mundo, em detrimento dos outros seres vivos. É uma guerra que está longe de terminar e a natureza dispõe, de seu lado, com o apoio da imbecilidade humana e de sua ilimitada capacidade de autodestruição.
Se o mundo continuar assim, com uma população aumentando em forma tão animal e tão correlata à falta de eqüidade na distribuição dos esgotáveis bens terráqueos, o futuro pode ir ao encontro de uma solução final em versão ainda mais radical que a de Hitler. O gás letal e os modestos crematórios serão substituídos pelo gigantesco forno nuclear, mais rápido, simples e higiênico, e sem discriminação. Nesse caso, alguns sobreviverão, e como a ficção científica anuncia, ela que é precursora de todas as nossas realidades, quiçá voltaremos a começar. E, se não formos beneficiados por um holocausto nuclear, poderá ser ainda pior. A decomposição das sociedades humanas pode gerar um retorno ao que foi o começo da Idade Média, embora com tecnologia de ponta, onde apenas nações, castas ou raças dominantes sobreviverão, eliminando os competidores. Basta olhar como é a “vida” no Haiti ou na Somália atuais, para ter uma idéia do que isso será.
Todos esses fatos e probabilidades, somados aos citados como desastres “naturais”, estão bem na área da visão de todos nós, para nos lembrar que o vilipendiado Clube de Roma não estava tão errado nas suas predições. Apenas se antecipou um pouco. A bomba demográfica está fazendo seu trabalho. Pelo menos, saibamos o que nos espera. Pode ser um consolo. Pode ser o começo de uma mudança.
*Esse texto foi editado em 05/06/2024 para repaginação
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