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Hotelaria para ecoturismo

Crescimento do ecoturismo motiva muitos amadores a tentarem a sorte como hoteleiros da natureza. Muitos cometem erros escabrosos. O que lhes falta é bom senso.

24 de agosto de 2005 · 19 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

É verdade que todas as modalidades de turismo que se aproveitam de produtos naturais, qualquer que seja a sua versão (ecoturismo, turismo na natureza, turismo de esportes radicais ou turismo de caça e pesca, dentre outros), precisam de alguma infra-estrutura hoteleira ou, pelo menos, de um local para acampar. Os turistas precisam se lavar, dormir, comer e beber.

Este fato incontestável motiva que, ademais de alguns empresários com experiência hoteleira, qualquer aposentado ou pessoa a procura de uma vida tranqüila e que dispõe de alguma poupança, se lance na aventura da construção e administração de pousadas, campings e outras facilidades para recepção de visitantes. Alguns têm sucesso, embora a maioria, após descobrir dolorosamente que vida de hoteleiro não é fácil, termine perdendo grande parte de seus investimentos.

Nesta coluna nem se discutirá a falta de análise séria da demanda e dos problemas inerentes à sua periodicidade, dos investimentos colaterais necessários, da projeção da competição com empreendimentos similares ou do cálculo realista dos custos para estimar o preço a ser cobrado pelo serviço. Basta dizer que a maior parte dos investidores dessa modalidade relega toda forma de planejamento econômico. Até em breves visitas a praias ou locais com atrativos turísticos, é fácil topar com esses candidatos a hoteleiros discutindo euforicamente e rascunhando papéis na mesa de um restaurante, “voando” com a mesma leveza que quando abusam das suas drogas favoritas. A improvisação é maiúscula e os espectros das pousadas abandonadas durante a sua construção é testemunha fiel deste fato. Outros, um pouco mais calculadores, conseguem concluir os planos e começar a trabalhar, mas, em geral, por muito pouco tempo, pois percebem que têm menos clientes que o esperado; que estes não querem ou não podem pagar o que seria necessário para que o negócio seja viável; que outra pousada se instalou bem na esquina; ou que não têm paciência para resistir aos comportamentos esdrúxulos e às exigências antipáticas dos seus clientes. Ainda assim é surpreendente observar quantas delas sobrevivem e isso fala bem da demanda que cresce constantemente e da capacidade de aprender e de se adaptar de muitos desses empresários neófitos. Mas, em geral, o que distingue uma pousada bem-sucedida das outras é o bom gosto, o bom senso e, em particular, o respeito pelo entorno natural.

Turismo de praias pode não ser muito exigente, mas turismo na natureza é outra coisa. Os que o praticam são pessoas geralmente muito melhor preparadas intelectualmente e com maior sensibilidade. Sua visita é conseqüência de seu interesse por ver um espetáculo natural, mas apreciarão igualmente toda e qualquer oportunidade de desfrutar da natureza. O local da pousada pode estar no campo ou num centro urbano, mas, em ambos os casos, ela deve manter um elevado padrão de respeito pelo natural. E isso é relativamente raro.

Por exemplo, perto de Manaus existem hotéis “ecoturísticos” formados por dezenas de minúsculas cabanas de material “nobre”, independentes e alinhadas como soldados, munidas de quentes tetos de zinco e, para compensar, de ruidosos equipamentos de ar condicionado. Todas as cabanas olham para o mesmo lugar, em geral uma triste piscina rodeada de vários campos de futebol de grama sem graça. Para construir essas cabanas foram desmatados vários hectares da selva original, sem deixar nem uma árvore para amostra. O sol é intenso e o calor é insuportável. Lá não ficou nem sequer um passarinho ou lagartixa e nada sobrou para deleitar a vista. O investidor, possivelmente um madeireiro ilegal — os únicos que ganham dinheiro com a madeira da Amazônia — se pergunta por que os ansiosos turistas “bird watchers”, com seus bolsos cheios de divisas, não chegam a seu inferno. A resposta é óbvia para qualquer um, menos para ele.

O caso anterior é repetido mil e uma vezes, especialmente na Amazônia, no Pantanal ou no Cerrado. Os futuros hoteleiros ecoturísticos esquecem sistematicamente que a natureza é a razão de seus negócios. Portanto, seus bangalôs devem ficar integrados à mata, brindando um contacto inicial do turista com a natureza e preservando a sua intimidade. Os edifícios podem ser feitos com material local. As varandas dos apartamentos devem olhar para a selva e não para o vizinho, como é usual. Nada é mais antipático do que se topar nariz a nariz com outro hóspede na hora de tomar um trago ou tirar uma soneca. O ar condicionado pode perfeitamente ser eliminado, se as janelas são amplas e bem protegidas por tela metálica e se os tetos são adequadamente feitos. Não precisa de televisor, embora um refrigerador pequeno sempre seja desejável.

Acontece que muitos acreditam que o mero fato de estarem localizados numa área mais ou menos campestre é suficiente para que os turistas se interessem em pernoitar nas suas instalações. Isso é particularmente comum na Amazônia e no Pantanal. Na realidade não é bem assim. Isso pode funcionar unicamente quando a propriedade onde se localiza a pousada ou hotel é grande e desenvolveu, mediante investimentos, seus próprios produtos turísticos, como os baseados em paisagens, cachoeiras, rios, lagos, fauna ou flora excepcional. O termo investir em desenvolvimento de produtos turísticos implica construção de trilhas, mirantes, sinalização e interpretação, disponibilidade de equipamento e implementos para vistas especiais, etc. Existem alguns poucos empreendimentos assim no Pantanal, na Amazônia e no Cerrado, e há vários em Bonito (MS). Essa classe de empreendimentos requer investimentos importantes, que vão muito além da infra-estrutura hoteleira. Muitas vezes dependem de se dispor de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural. Por exemplo, um muito bem-sucedido lodge, perto de Alta Floresta, fundamentou seu sucesso no estudo e divulgação da avifauna da sua própria reserva natural e na construção de excelentes trilhas para observação de aves. Igualmente treinou seu pessoal em ecologia, ornitologia e no idioma inglês. Inverteu muito dinheiro e tempo.

Se, como na maior parte dos casos, os futuros proprietários de hotéis de selva não dispõem de terras aptas para o ecoturismo, devem se instalar perto dos parques nacionais ou estaduais, ou perto de unidades de conservação que têm potencial turístico e que já dispõem de infra-estrutura de visitação. Não podem pretender que extensos desmatamentos ou grandes pastagens com gado, ainda que incluam um sempre bem-vindo churrasco, possam substituir um produto turístico natural capaz de atrair dólares do exterior.

Não obstante, se o tamanho da propriedade o permite, como é comum, pode-se pelo menos desenhar trilhas no entorno, onde os visitantes possam dar seus primeiros passos, examinar as plantas, insetos, aves ou outros aspectos da natureza ou ir tomar um banho no lago, rio ou cachoeira, aproveitando do tempo livre. Isso apenas como preâmbulo a suas visitas ou excursões aos produtos turísticos mais importantes da região. Não é recomendável, como se costuma instalar, jaulas onde ficam presos animais selvagens. Nada ofende mais um amante da natureza que cercear a liberdade dos bichos do mato.

Perto de Manaus também existe um dos hotéis de selva mais estrambóticos jamais vistos. Um monte de gigantescas torres e passarelas intermináveis, todas pintadas de verde quase militar, que recriam o cenário final do famoso filme Apocalipse Now, onde Marlon Brando se transforma no demônio principal do inferno vietnamita dos últimos dias da intervenção americana. Esse hotel, muito famoso por certo, inclui toda classe de animais amestrados e, na verdade, é outra versão da antítese do ecoturismo, ainda que pela sua fealdade notável mereça ser visto pelo menos uma vez na vida. Garante-se que nunca será esquecido.

Felizmente em Manaus, como em outros lugares da Amazônia, do Pantanal e do Cerrado, também existem hotéis e pousadas de selva que são um exemplo. Têm alguns para ricos e outros para gente sem grandes recursos. O luxo não está oposto ao turismo na natureza, do mesmo modo que o bom gosto e a qualidade não se opõem aos preços razoáveis. Mas, esses locais não são tão comuns como se possa acreditar.

São inúmeros os detalhes tontos que diferenciam um hotel bom de outro ruim, sem entrar no tema do luxo, nem nos da qualidade do serviço ou da alimentação. Por exemplo, não esquecer de botar sabonete no banheiro ou uma garrafinha de água, insumos de baixo custo mas que facilitam a vida do hóspede que, imprudentemente, não carregou sabão, água e papel higiênico. Há hotéis que não oferecem uma toalha para os pés dos fregueses que, por isso, saem com os pés molhados do banheiro, molhando o carpete ou umedecendo o piso. Os poucos reais que custa uma toalha para os pés se transformam no custo de trocar de carpete a cada ano ou dois. Pior ainda são os defeitos “estruturais”, como não dispor de uma tomada no quarto exceto a que abastece o abajur ou a televisão. Nestes dias em que máquinas fotográficas, computadores pessoais e toda a parafernália eletrônica é recarregável, não é razoável exigir que o hóspede tenha de mover de lugar a pesada cama para encontrar a tomada da luz de cabeceira. Ou, como em muitos banheiros de pousada, quando a tomada fica na parede oposta à da pia, ou, pior ainda, dentro da ducha, anunciando uma eletrocussão. Outro costume de pousadas mal atendidas é que nos banheiros não existe nenhum lugar para pendurar a roupa e tampouco para colocar os implementos de banho. Uns poucos pregos e uma simples prateleira de madeira, que sobra no local, resolveriam isso. Paredes enormes sem nada não são convidativas. Qualquer raiz seca ou galho retorto ou, melhor ainda, o trabalho muito barato de um artista local, daria vida e simpatia ao cômodo a preço muito cômodo. Todos esses são detalhes que se resolvem com ínfimas porcentagens do investimento total já feito, embora signifiquem a diferença entre sucesso e fracasso.

No Brasil existe um excelente costume com relação ao café da manha, que é o self service. Em países vizinhos ainda subsiste a mania de servir a cada freguês, um por um, o que é desesperantemente lento e especial para quem só quer um café preto sem açúcar e sem cerimônia. Mas, no Brasil como em outros países, é demasiado comum que uma pousada supostamente para turistas naturalistas comece a servir o café da manhã às 7 ou 8 horas, quando as excursões começam às 5 ou 6 da manhã. E quando o grupo volta faminto, não tem nada até a hora do almoço. Todos esses são detalhes muito bobos, muito fáceis de resolver, mas que fogem da imaginação de muitos hoteleiros amadoristas e que determinam seu desastre financeiro.

Claro que existem outras medidas ambientalmente importantes e, assim mesmo, com impacto no turismo naturalista, que incluem materiais de construção, desenho, tratamento das águas servidas e do lixo, manejo da energia e a limitação de outras formas de contaminação ambiental, condições laborais, relações com a sociedade local, etc. Todas elas fazem parte do pacote conhecido agora como “turismo sustentável”. Mas, o essencial é o apontado antes e o primeiro é o uso adequado do espaço natural onde a infra-estrutura é estabelecida. Os erros nesse primeiro passo, o da localização da infra-estrutura no espaço natural, são determinantes. Os outros podem ser corrigidos com o tempo.

O turismo na natureza nas suas mais diversas versões, o ecoturismo ou como queiram chamar essas atividades, vai aumentar muito e é, realmente, uma enorme oportunidade para o desenvolvimento local e para investimentos pequenos e médios, como os dos aposentados mencionados. O investidor, no entanto, deve levar em conta que para ter êxito nessa atividade é preciso aprender primeiro a amar e respeitar a natureza, tanto ou mais que seus futuros clientes.

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