Esta semana gostaria de mudar um pouco o foco da coluna e falar sobre literatura. Não uma literatura qualquer, mas a literatura voltada para os problemas ambientais. Em especial gostaria de me referir ao excelente ensaio de Jared Diamond, Colapso, editado pela Record. Trata-se de um trabalho notável e que deveria ser lido por todos que se preocupam genuinamente com o meio ambiente.
Diamond parte da tese de que o meio ambiente desempenha um papel fundamental no sucesso ou no fracasso das diferentes sociedades e civilizações. Para justificar o seu ponto de vista, são apresentados relatos sobre várias sociedades e a forma pela qual elas tratavam e tratam o meio ambiente. A partir de tais relatos, o autor, firme na sua tese central, demonstra o papel que o meio ambiente desempenhou para que as sociedades chegassem a este ou aquele destino.
Dos temas que mais me chamaram a atenção e que merecem ser examinados com muito critério e cuidado, para que não tiremos conclusões precipitadas, é o relacionado à proteção ambiental e democracia. J. Diamond aponta como exemplo de proteção ao meio ambiente a República Dominicana sob o governo de Balaguer, e o período de Xogunato Tokugawa no Japão.
Balaguer exerceu o poder de forma tirânica em São Domingos – o que não é desconhecido, muito menos elogiado por Diamond —, muito embora tenha dedicado muito esforço para a proteção das matas da ilha. É interessante a comparação feita com o Haiti, que compartilha com a República Dominicana a ilha Hispaniola. O Haiti é apresentado como exemplo de decadência, visto que fora a colônia francesa mais rica e, em função de uma agricultura intensiva e “monotemática”, acabou arruinando o seu solo, a sua riqueza e, como não poderia deixar de ser, o seu povo.
Do outro lado do mundo, o Japão nos dá um exemplo de proteção às florestas que já é mais do que centenário. É interessante a observação de Jared Diamond no sentido de que a proteção das florestas foi feita a partir da constatação de que o patrimônio florestal nipônico se encontrava ameaçado de forma concreta e que a conscientização da elite Tokugawa permitiu a implantação de uma política “de cima para baixo”, capaz de enfrentar os graves problemas. Quais as lições podemos tirar da leitura do livro?
A escolha brasileira
Não adiro integralmente às teses sustentadas por J. Diamond — até porque, dado o caráter de ensaio do livro, não há um aprofundamento maior da situação desta ou daquela sociedade. A argumentação e os fatos são apresentados de molde a dar sustentação àquilo que o ensaísta pretende demonstrar. Entretanto, o que fica claro do livro é que é perfeitamente possível que as sociedades escolham caminhos a serem trilhados com relação aos seus recursos naturais.
Sociedades com menores recursos econômicos e tecnológicos do que a brasileira optaram pela proteção ambiental e conseguiram realizá-la. Certamente, o regime ditatorial de Balaguer tornou algumas medidas mais fáceis. Entretanto, não devemos nos esquecer que, no Brasil, ocorreu exatamente o contrário. Foi durante o regime ditatorial que os ataques à floresta amazônica começaram a se fazer de forma mais intensa. O regime democrático, contudo, e lá se vão 20 anos, não conseguiu barrar o ritmo de destruição da floresta amazônica. Há quem diga que ele se acelerou.
Sob o pretexto da participação das comunidades locais e da produção sustentável, verdadeiros atentados às matas têm sido perpetrados e a ação administrativa governamental é muito aquém do que seria esperado e desejável. Não se desconhece as dificuldades orçamentárias, criadas aliás pelo próprio governo que contigencia orçamentos de forma burra e linear, retirando verbas de setores que, efetivamente, não podem ser subalternizados em nome de um superávit que, afinal, não se sabe para onde vai. Fato é que, inobstante os discursos, a proteção da floresta amazônica não é uma prioridade da sociedade brasileira e, por conseqüência, não empolga o governo. As pressões imediatistas e localizadas acaba que se fazem muito mais efetivas do que os interesses de longo prazo da nossa sociedade.
Estamos, ao assistirmos — como sociedade — impávidos à marcha da motosserra pela floresta adentro, praticando políticas contrárias aos nossos próprios interesses nacionais. Certamente, esta ou aquela declaração oficial servirá para desmentir o que vai escrito nesta coluna, visto que todos os governos sempre promovem as melhores políticas visando atender aos interesses nacionais, pelo menos na visão daqueles que detêm os cargos de poder. Se as declarações se confirmarão ao longo dos anos é um outro problema; mas aí contamos com a amnésia coletiva como um bom mecanismo para que tudo se dirija aos amplos terrenos do ostracismo, sempre benevolente com a incompetência administrativa.
Não é o meu estilo ser pregoeiro de catástrofes e, muito menos, atuar como analista do depois. Entretanto, algumas questões estão bastante claras e não podemos mais agir como se elas não estivessem acontecendo. A Costa Rica, por exemplo, tem nos dado demonstrações no sentido de que é possível proteger o meio ambiente e, paulatinamente, gerar renda para a população. Os parques nacionais e o Inbio são exemplos de que, naquele país, a sociedade fez uma opção: investir no futuro.
Os números não mentem
Aqui no Brasil, estamos vivendo no cheque especial e sacando empréstimos para pagar empréstimos, gerando uma verdadeira bola de neve. Fato é que, independentemente das declarações e intenções, os dados disponíveis demonstram que o desmatamento da Amazônia, no mínimo, se mantém em um ritmo constante e estável. A ditadura de Balaguer determinou o fechamento das serrarias. Um regime democrático também pode determinar tais medidas, basta que haja vontade de assim fazê-lo, visto que qualquer serraria que esteja recebendo madeira cortada ilegalmente estará praticando crime, ou melhor, crimes. Parece pouco provável que imensas toras de madeira transitando por estradas ou rios não sejam percebidas pela fiscalização. Em última análise, chegaríamos à constatação de que precisamos comprar óculos para os fiscais.
Não se deve julgar as administrações pelo que elas pensam sobre si mesmas, pois se assim o fizéssemos, chegaríamos à conclusão que nunca houve no Brasil um governo tão empenhado em proteger o meio ambiente como o atual governo. Os números, no entanto, nos dão outra visão. Os orçamentos, além de minúsculos, são pessimamente executados.
O problema urbano não é diferente. Conscientemente estamos destruindo nossas cidades, sob o pueril argumento de que a destruição de encostas e vegetação de morros pela ocupação por favelas é a expressão de um problema social. Certamente, em algum lugar do passado, a afirmação foi verdadeira. Hoje, com a mais do que centenária ocupação das encostas de nossas cidades, a afirmação soa como uma afronta ao bom senso e ao cidadão que paga impostos, inclusive para a Prefeitura.
Afirma-se que a população não pode residir longe dos locais de trabalho e outras bobagens do mesmo quilate. Com um bom sistema de transportes o problema da distância estaria resolvido. Ou será que alguém imagina que os trabalhadores de Paris residem todos em Paris? Seria muita ingenuidade acreditar que uma das cidades mais caras do mundo é habitada por pequenos trabalhadores em seus bairros mais nobres. O mesmo se diga de Nova Iorque, Tóquio, Londres e outras importantes cidades. Quais as medidas concretas para melhorar o transporte público tomadas pela Prefeitura do Rio de Janeiro nos quase 16 anos de administração contínua de um mesmo grupo de poder? Será que é razoável viver no fio da navalha, a cada vez que se cruza o Elevado do Joá e o Túnel Zuzu Angel?
Destruição da Amazônia e destruição de encostas são faces de um mesmo problema: uma visão imediatista e mesquinha sobre o que pretendemos ser como nação. O livro de Diamond nos mostra que uma outra concepção é possível e, principalmente, que o preço a ser pago pela “insensatez” é muito alto. Infelizmente, ele será pago pelos que ainda não são capazes de entender o que está acontecendo, ou por aqueles que sequer nasceram.
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