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Manobra ousada

Eduardo Braga, governador do Amazonas, busca meios de atribuir valor financeiro às florestas do estado para talvez, lá na frente, encampar uma proposta de desmatamento zero.

João Teixeira da Costa · Manoel Francisco Brito ·
9 de fevereiro de 2007 · 17 anos atrás

O governador do Amazonas, Eduardo Braga, e seu secretário de desenvolvimento sustentável, Virgilio Viana, partiram sábado de Manaus numa viagem que vai levá-los à Nova Iorque e Washington, e de lá até Istambul, com direito a escalas em algumas capitais européias. Os dois vão se reunir com representantes de Ongs, instituições multilaterais e bancos para discutir a viabilidade de um fundo de investimentos lastreado na mata que cresce nos 9,5 milhões de hectares de áreas protegidas estaduais criadas por Braga durante seu primeiro mandato.

A idéia do périplo, que termina logo depois do carnaval, começou a tomar corpo ao longo dessas últimas semanas de intensa exposição na imprensa mundial do tema ambiental. Braga e Viana viram nisso uma oportunidade para tentar transformar as florestas amazonenses em ativos financeiros. Mas o impulso final para correr atrás de botar a proposta de pé aconteceu numa reunião em Manaus, na terça-feira passada, que ambos tiveram com líderes do Greenpeace na Amazônia.

Os representantes da Ong foram ao encontro do governador para sondar sua receptividade à uma idéia, ainda incipiente, de transformar o território do estado numa espécie de zona de exclusão do desmatamento. Conversa vai, conversa vem, o grupo chegou à conclusão que, pelo menos no curto prazo, tratava-se de um delírio. Mas no longo, quem sabe? Antes disso, concluíram, talvez fosse preciso dar passos não necessariamente menos ambiciosos, mas mais realistas. Daí a decisão de buscar uma estratégia para, primeiro, monetizar as matas nativas que estão em áreas protegidas no Amazonas.

Não há nenhuma semelhança entre o que Braga vai discutir com seus interlocutores no exterior e a proposta apresentada pelo governo brasileiro, no ano passado, de fazer os países ricos pagarem pela conservação de florestas no país. Em princípio, o Amazonas não quer receber nenhum dinheiro na frente, a fundo perdido e sem se comprometer com metas. Braga até quer dinheiro, de preferência desembolsado anualmente, mas aceita submeter seu recebimento a uma auditoria externa que comprove que ele cumpriu objetivos prévios de preservação.

Cálculos

Além disso, pretende muito mais do que ter um mecanismo de financiamento para conservar natureza. Seu raciocínio vai pelo caminho de criar um fundo formado por investidores que traga retorno financeiro e possa ser a ponta de lança para a fundação de uma indústria de conservação no estado, que crie um novo mercado de trabalho local e abra outra alternativa de arrecadação para as finanças estaduais, hoje irrigadas quase que solitariamente pela Zona Franca de Manaus.

Os 9, 5 milhões de hectares de áreas protegidas estaduais ainda estão longe da implementação completa, em grande parte por conta da limitação orçamentária de governos. Braga percebeu que se depender apenas de doações internacionais com contrapartidas governamentais, a conservação ambiental não irá tão longe. Por isso ele e Viana decidiram tentar investigar mais detidamente meios de usar essas matas como lastro para um fundo internacional, que consiga transformá-las em ativos financeiros.

O fundo não seria gerido por ente governamental e, inicialmente, teria como parâmetro para retorno a capacidade da mata nativa de seqüestrar carbono (um dos gases do efeito estufa) da atmosfera. Segundo cálculo rápido de Viana, feito durante a reunião de terça passada, só as árvores que estão dentro das áreas protegidas estaduais seqüestram o equivalente a 150 milhões de dólares em créditos de carbono por ano. Duro é convencer a turma do dinheiro que esse valor é real. O motivo é simples. Não existe ainda mercado para créditos de carbono originados em florestas nativas.

Para Marco Antonio Fujihara, do Instituto Totum, um dos maiores estudiosos do país de criação de mercados de serviços ambientais, o valor de uma floresta nativa passa, primeiro, por seu custo de oportunidade. Ele se define a partir do que um produtor de créditos de carbono deixa de receber por não explorar uma mata nativa, com corte de madeira, por exemplo, ou sua terra com a agricultura. Só isso já é um debate. Mas no caso de florestas em Unidades de Conservação, a discussão pode ficar interminável porque nelas não há, pelo menos não deveria haver, atividade econômica.

Aplausos

Essa situação dificulta muito a definição de um valor. De certo modo, pode-se dizer que Braga, ao encarar tantas incertezas, está pagando por um eventual pioneirismo. E ele pode muito bem não dar em nada. Ainda assim, sua decisão de investigar a viabilidade de uma iniciativa dessas merece aplauso. Nem que seja pela ousadia. Pelo menos o governador amazonense está tentando fazer algo diferente em termos de conservação, que gere benefícios econômicos e ambientais para suas florestas e para sua população.

E lá na frente, se esse plano virar realidade, quem sabe a idéia de transformar o estado numa zona de exclusão do desmatamento deixe de parecer apenas um delírio. O contexto econômico do Amazonas permite pelo menos sonhar com a idéia. Sua economia não é dependente, pelo menos não ainda, da agropecuária e da exploração florestal. Mas os obstáculos para se chegar lá são formidáveis. A começar pela equação financeira. E sem falar na equação política.

Seu arco de apoio no estado inclui prefeitos e deputados que sonham em transformar o Amazonas em nova frente de expansão agropecuária. Não custa lembrar também que Braga é aliado político no plano federal de Lula, cujo governo só pensa numa coisa: fazer o país crescer a qualquer preço e no menor espaço possível de tempo. Não será fácil equilibrar todos esses interesses e, ao mesmo tempo, parir uma completa novidade em termos de conservação no Brasil.

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