Projetos de replantios, recuperação de matas ciliares ou recomposição de reserva legal geralmente vêm acompanhados da promessa de plantio de algumas milhares de árvores. Mas, antes das árvores crescidas, é preciso arranjar as mudas. E, antes das mudas, as sementes. Embora seja tão elementar pensar nisso, em pleno país da biodiversidade não é fácil arrumar sementes de espécies nativas brasileiras, o que compromete o sucesso de qualquer iniciativa de reflorestamento.
Produtores, ambientalistas e governo dão diferentes porém complementares motivos para a escassez de sementes nativas no mercado. Mas ninguém questiona um fato crucial: a rápida fragmentação das florestas. “Não tem muito mais de onde tirar. As áreas que restam realmente são unidades de conservação de proteção integral, que não admitem esse tipo de intervenção porque as sementes estão dentro de uma teia alimentar e outros elementos da fauna, por exemplo, dependem delas”, explica Maísa Guapyassú, engenheira florestal da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza.
Mas a existência de cada vez menos florestas nativas não é tudo. Falta estudo para que as coletas não causem impacto aos ecossistemas. “Retiram-se sementes indiscriminadamente das árvores matrizes”, lembra Maísa. Essas árvores, marcadas como produtoras de sementes, também são poucas, o que acarreta em diminuição da qualidade das sementes, e, consequentemente, das árvores adultas. “Se você só tira de um pequeno grupo, diminui o pool genético da espécie. E isso geralmente deixa as árvores menos resistentes a mudanças ambientais, ao surgimento de novas doenças, etc”.
Nilson Máximo, responsável pelo programa Click Árvore, da SOS Mata Atlântica, concorda que é preciso diversificar as matrizes para haver variabilidade genética, mas como poucos investem nisso, bons fornecedores são peça rara neste mercado. “Há poucos fornecedores porque há poucos compradores. Quem se interessa por sementes hoje em dia é só dono de viveiro, que, para economizar, tenta ele mesmo fazer coleta”, diz.
As crescentes propagandas sobre neutralização de emissões de carbono com plantio de mudas, apesar de aparentemente aquecer esse mercado, não têm gerado resultados interessantes para conservação. O número de fornecedores de mudas é o mesmo. A diferença é a promessa de uma maior produção, mas de espécies que continuam não sendo diversas, o que prejudica os próprios plantios.
“Não há interesse para investir no setor de fornecimento de sementes porque o mercado não paga o preço”, diz Ligia Doria, empresária que mantém o Projeto Matas Nativas, no interior de São Paulo. Com restrições para obtenção das sementes, ela é cética sobre a aplicação das leis que obrigam os proprietários rurais a recuperarem suas florestas. “Desde preço de sementes ou mudas, tratos e manutenção, eles vão ter que gastar no mínimo de cinco a sete mil reais para cuidar de 1 hectare!”, calcula Ligia.
Máximo critica os administradores de unidades de conservação de uso sustentável por não promoverem estudos em atividades de coleta de sementes nessas que são hoje as melhores áreas para obtê-las. “Ao menos no estado de São Paulo, eles oferecem um trabalho medíocre”. Por isso, as nativas ainda estão longe de serem economicamente competitivas, se comparadas às exóticas, mais comerciais. “Para fazer reflorestamento em São Paulo, o estado exige no mínimo o plantio de 80 espécies diferentes para 1 hectare. Dão uma canetada e não se interessam em ver o problema”, diz Máximo. A obrigação de diversificar os plantios é excelente. Mas o diretor do Click Arvore questiona. “Quem é que hoje em dia consegue comprar as 80 espécies?”.
Diante das dificuldades, produtores e setor público se uniram para formar redes virtuais de sementes. De acordo com informações do Ministério do Meio Ambiente (MMA), existem pelo menos oito no Brasil, representativas de todos os biomas do país. Na Mata Atlântica, por exemplo, foi criada a Rede de Sementes Rio-São Paulo, que, como todas as outras, pretendeu reunir fornecedores e compradores. Máximo, no entanto, diz que o problema continua sem solução. “Pensou-se em fazer um trabalho grande, mas faltou investimento. E a rede continuou conduzida no âmbito privado”.
Sucesso privado
Lígia Doria, do projeto Matas Nativas, acabou entrando nesse segmento quando quis recuperar sua propriedade. Para conseguir transformá-la em modelo de sustentabilidade, como almejava, se viu diante do primeiro desafio de arrumar as benditas sementes. “Quando fui ao mercado procurar, não encontrei nada”, relata. Lígia recorreu à Universidade do Estado de São Paulo (Unesp) para orientações técnicas e teceu parcerias com proprietários que tinham matas em diferentes pontos do estado de São Paulo e de Mato Grosso do Sul, que além de sua área no município paulista de Itatinga, passaram a ser locais de coleta para a empresa.
“Nós vamos até as propriedades, damos instrução, fazemos inventários e calendários de previsão de coletas”, explica. Hoje, manejando cerca de 170 espécies nativas de Mata Atlântica, Lígia obtém uma tonelada de sementes por ano. Segundo ela, as mais procuradas são sempre árvores frutíferas, mas também ipês, taiuvas, jatobás, palmitos, ingás, canafístulas e guanandis. O preço médio das sementes comercializadas pela empresa de Lígia é de 100 reais o quilo, dependendo do tamanho e da raridade da espécie. Hoje, além das sementes, ela fabrica mudas e dá consultoria a projetos de plantios comerciais e recuperação florestal. E, por licitação, fornece os produtos para órgãos como o próprio Instituto Florestal de São Paulo, administrador das unidades de conservação.
Sementes para outros fins
Segundo Maísa, da Fundação O Boticário, em vez do uso da semente para replantio, o Brasil já tem um mercado consolidado de nativas que servem de matéria-prima para indústrias de cosméticos e farmacêuticas, além do beneficiamento comunitário da castanha-do-Pará, por exemplo. “Há programas de incentivo, catadores e uma verdadeira economia baseada na retirada dessas sementes, mas ninguém sabe o impacto disso”, frisa.
Produtores artesanais e grandes empresas desenvolveram tecnologias próprias para suas necessidades de plantio, no sentido de realizar semeaduras bem sucedidas. Mas os médios, ou leigos que por demandas judiciais se vêem obrigados a recuperar áreas naturais, geralmente resistem a custear e a desempenhar tais investimentos. No entanto, Maísa lembra que entidades como a Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz, da USP, e algumas unidades da Embrapa podem ser procuradas para consultas e orientação para os plantios. “O acesso ao conhecimento não está tão difícil assim. Difícil mesmo continua sendo obter as sementes”, diz a engenheira florestal.
Parece incoerente dizer que é difícil encontrar sementes nativas para reflorestamentos quando cada vez com mais facilidade a população tem contato com elas. A diferença é que as sementes são ofertadas em brincos e colares femininos. Isso quando não viram artigos denominados “biojóias”, cobiçados especialmente por estrangeiros. Embora nem todas essas sementes tenham origem ilegal, isto é, foram tiradas sem autorização em áreas legalmente protegidas, ao comprar uma bijuteria feita com elas, é prudente refletir se vale mais a pena ter a semente no pescoço ou debaixo da terra. “Esse tipo de artigo não tem regulamentação nenhuma, e também pode ser considerado uma ameaça”, pondera Maísa.
Investimentos tardios
Paulo Kageyama, da secretaria de Biodiversidade e Florestas do MMA, admite que ainda faltam investimentos públicos na área de sementes e mudas de espécies nativas, mas não deixa de se orgulhar por estar cumprindo a meta do ministério de plantar pelo menos 50 mil hectares de florestas nativas todos os anos. “Em 2006, recuperamos cerca de 60 mil hectares de matas ciliares pelo Brasil”, diz. Mas, nesse caso, a relativização é mais do que necessária. Esses 60 mil hectares equivalem a apenas 10% do que conseguiu o Programa Nacional de Florestas do MMA. Os outros 90% foram plantios de pinus e eucalipto.
Segundo ele, a maior parte dessas áreas reflorestadas localiza-se nas regiões Sul e Sudeste. Apenas em 2007, a Amazônia vai ganhar seu primeiro programa de plantio de espécies nativas. “No distrito florestal de Carajás, no Pará, nossa meta é 60% de nativas e 40% de exóticas. Vamos oferecer estrutura de produção de sementes para garantir que empresas e proprietários tenham acesso às mudas de espécies nativas”, explicou Kageyama.
Para cobrir a Amazônia, Kageyama sabe que os investimentos ainda são muito poucos. Mas ele reconhece que essa nunca foi e nem é a prioridade para aquela região. “O objetivo na Amazônia não é recuperação. É deter o desmatamento, diferente da região Sudeste, que já tem maior estrutura e demanda para esse segmento”, disse. Kageyama conhece pelo menos cinco grandes viveiros em São Paulo, que produzem mais de um milhão de mudas cada um.
O bom desempenho federal em estimular monoculturas de florestas está previsto nos planos do Ministério do Meio Ambiente, que espera, com elas, combater a deficiência de recursos florestais no mercado. Mas para implementar o manejo e restauração de florestas nativas, em 2001 o governo começou a articular seu Plano Estratégico para Produção de Sementes e Mudas, mas pretende de fato conseguir tirá-lo do papel no segundo semestre deste ano. Segundo Bernardo Pires, técnico do MMA, o objetivo é distribuir equitativamente recursos e ações para estruturação do setor de coleta, beneficiamento, armazenagem e comercialização de sementes florestais nativas de todos os biomas.
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