O ganhador do prêmio Nobel de economia de 2005, Thomas Schelling, é um estudioso do efeito estufa. Ele leva a sério as previsões de que o planeta está aquecendo por conta da atividade humana. Mas com frieza analítica pondera sobre as dificuldades de estabelecer acordos internacionais para resolver o problema. Segundo ele, quem vai sofrer com o efeito estufa são os países mais pobres. Também critica o acordo de Kyoto e defende que a melhor abordagem para o efeito estufa é a que viabilizou o Plano Marshall, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e a OMC (Organização Mundial do Comércio).
Schelling não pára, apesar dos seus 84 anos. Começou a carreira dedicando-se a áreas convencionais da macroeconomia, como o estudo das contas nacionais e a teoria do comércio. Em 1948, foi recrutado para trabalhar na equipe do Plano Marshall, de reconstrução da Europa no pós-guerra. A partir daí, participou de negociações internacionais durante vários anos. O resultado foi que abandonou a economia tradicional e se tornou um dos pioneiros da chamada “teoria dos jogos”, onde se analisa o comportamento estratégico de consumidores, empresas e até nações em situações de conflito e cooperação.
Ele aplica essa abordagem para buscar a melhor maneira de resolver o efeito estufa. Se os modelos de previsão do clima estiverem corretos, a Terra aquecerá gradualmente entre 1,5 e 4,5 graus centígrados nas próximas décadas. As atividades humanas mais afetadas serão as agrícolas. Por isso, sofrerão mais os países em desenvolvimento, ainda muito dependentes do campo e, também, lar de 7,7 dos 9 bilhões que habitarão o planeta em 2050. Os países desenvolvidos serão pouco afetados. Neles, a contribuição da agricultura é muito pequena, cerca de 2% do PIB.
Por outro lado, daqui pra frente, para conter o aquecimento global será importante incluir os países em desenvolvimento. Eles estão se tornando grandes emissores dos gases danosos, como o dióxido de carbono e o metano. O problema é que esses países, incluindo grandalhões como China, Índia e Brasil, priorizam o desenvolvimento econômico. Segundo Schelling, estão certos. Crescer aumenta mais a qualidade de vida do que evitar o efeito estufa. Onde falta saneamento, moradia, educação, ninguém aceitará uma alta conta ambiental com benefícios mundiais. Além disso, o próprio crescimento econômico é uma proteção contra o aquecimento, porque aumentará os recursos para absorver seu impacto e reduzirá a dependência da agricultura.
Schelling conclui que a situação caminha para um beco sem saída. Quem tem dinheiro sobrando, os ricos, não tem incentivo para conter o aquecimento global. Os pobres, mais atingidos, têm prioridades econômicas mais urgentes. Qual a solução?
Existem três bons argumentos para os países desenvolvidos pagarem a conta do controle de emissões mundial. O primeiro é humanitário: se importar com os habitantes dos países pobres. O segundo é ambiental. A perda de amenidades naturais, biodiversidade e mudanças no padrão de chuvas, por exemplo, são difíceis de quantificar e podem tornar a vida desagradável nos países desenvolvidos. Por último, as mudanças que vêm por aí podem ser muito mais drásticas e abruptas, se os modelos climáticos estiverem subestimando o assunto.
Estima-se que os países desenvolvidos deverão gastar por ano, até o fim do século, cerca de 2% do seu PIB para manter a emissão mundial de gases do efeito estufa dentro de limites aceitáveis. Isso, hoje, equivale à cerca de 200 bilhões de dólares anuais. A maior parte deveria ser gasta em projetos nos países em desenvolvimento, que têm baixa eficiência energética e, logo, onde cada dólar gasto tem maior impacto na redução das emissões. Iniciativas de alto retorno incluiriam, por exemplo, financiar um gasoduto para levar o gás da Sibéria à China, reduzindo a sua dependência do carvão.
Segundo Schelling, o protocolo de Kyoto não é a resposta adequada para o efeito estufa. Sua ênfase é no curto prazo, quando o horizonte a ser pensado é de um século. Talvez, ao invés de reduzir emissões imediatamente, fosse mais interessante gastar o dinheiro com pesquisa tecnológica e voltar à carga com reduções maiores no futuro. Kyoto não inclui os países em desenvolvimento, o que, entre outras coisas, dá uma boa razão para o congresso americano não ratificá-lo. E estabelece o mecanismo de créditos de carbono que, segundo ele, é uma solução popular entre os economistas, mas ruim nesse caso. O mecanismo permite aos países ricos poluírem além da sua quota e comprar a diferença nos países em desenvolvimento, em projetos que diminuem a emissão ou seqüestram carbono.
A crítica de Schelling ao sistema de compra de quotas de carbono é sutil, mas importante. Como ele nota, ninguém sabe exatamente qual deverá ser a emissão mundial máxima de gases do efeito estufa. Os modelos climáticos são toscos e deverão ser revisados continuamente ao longo dos anos, o mesmo acontecendo com os limites de emissão mundial. Enquanto isso, os países na condição de vender créditos de carbono percebem que obtiveram boa vantagem na última negociação. No caso, os países em desenvolvimento, que saíram sem obrigações de Kyoto. Eles entrarão na próxima rodada de negociação para reduzir emissões tentando defender seu status quo.
A alternativa a Kyoto seria encarar o efeito estufa como um problema que atinge os pobres, mas cuja conta deveria ser paga pelos ricos. Foi assim que funcionou o Plano Marshall. O formato seria assim: a soma que os financiadores decidissem gastar (algo como os US$200 bilhões por ano) seria posto na mesa de negociação. Os países envolvidos barganhariam por seu naco, apresentando, cada um, seu pacote com projetos de redução de emissão e os resultados previstos. O grupo de países revisaria os pacotes apresentados. Seria um penoso processo de negociação, à la rodadas de redução de tarifas no comércio internacional. Mas que obrigaria os países a apresentar suas melhores propostas cada vez que o processo se repetisse.
Schelling descreve essas idéias com mais detalhes no artigo “What makes greenhouse sense?” (O que faz sentido quando se fala de efeito estufa?), publicado na Foreign Affairs de maio/junho de 2002. É leitura obrigatória para os interessados.
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