Colunas

Desafio ao biocombustível

Estudo recente revela que os carburantes verdes não são tão limpos. A competição de áreas agrícolas com as culturas alimentares pode causar desmatamento e elevar as emissões.

14 de fevereiro de 2008 · 17 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Em dezembro, o semanário inglês The Economist proclamou o fim da comida barata. De 2005 para cá, o índice de preço dos alimentos calculado pela revista subiu 75%. É uma mudança dramática de tendência, já que no período 1974-2005 os preços dos alimentos caíram na mesma proporção. Os culpados são os suspeitos habituais, chineses e americanos. Os primeiros porque, mais ricos, passaram a se alimentar melhor. Os americanos por aproveitar a onda do aquecimento global e subsidiar o plantio de milho para conversão em etanol. Encher o tanque de um utilitário com álcool gasta o equivalente a quantidade de milho anual para alimentar uma pessoa.

O pior de tudo é que os biocombustíveis não parecem ser a panacéia ambiental anunciada por aí. Ao contrário, um novo estudo publicado no jornal acadêmico Science desmente os seus benefícios. Nos mais diversos cenários, o grupo de pesquisadores liderados por Timothy Searchinger, economista ambiental da universidade de Princeton, conclui que o resultado é aumentar a emissão de gases do efeito estufa. No novo cálculo, o uso do etanol de milho agrava as emissões durante 30 anos e aumenta o estoque de gases por 167 anos. A estimativa tradicional é de uma redução.

A vantagem dos biocombustíveis sobre os fósseis ocorre quando a liberação de carbono na queima dos primeiros é compensada pela sua absorção, durante o crescimento das colheitas. Porém, o aumento na produção de etanol de milho, celulose e cana exige mais terra. Há duas maneiras de obtê-la: a primeira é transformar florestas ou cerrados nas plantações necessárias. A outra é avançar sobre espaço antes usado para outras culturas. A novidade do trabalho é considerar esse efeito.

Quando a plantação necessária aos biocombustíveis expande a fronteira agrícola, gera aumento de emissão de carbono de duas maneiras. A primeira, através da decomposição ou queima da mata derrubada, lançando na atmosfera o carbono acumulado ao longo da vida dessas plantas. A segunda é cessando o fluxo de absorção das matas perdidas. Como enfatizam os autores, ambas não podem ser esquecidas no cálculo do custo-benefício dos biocombustíveis.

O outro caminho é, ao invés de desmatar, desviar terra de outras culturas. Os agricultores americanos de milho costumavam alternar seu cultivo com o de soja. Com os incentivos, passaram a cultivar só milho para etanol. Isso levou a um aumento de 40% do preço do milho para consumo humano, 20% da soja e 17% do trigo. Esse aumento generalizado do valor dos grãos induz ao desmatamento e ao aumento de produção de grãos em outras partes do mundo. Sabemos, por exemplo que, no Brasil, uma melhoria do mercado de soja leva a uma aceleração do desmatamento.

Nos EUA, até 2016, o aumento da produção de milho para etanol tomará quase metade das terras usadas hoje para a produção de grãos. Como a quantidade de comida demandada cai pouco com aumento dos preços, a conseqüência inevitável é mesmo a busca, em outros lugares, de mais terras para a agricultura.

O maior impacto do aumento de emissões causada pelos biocombustíveis ocorre no momento inicial, em que eles mudam o uso da terra para a sua produção. Ao longo do tempo, esse efeito é diluído. Para o caso do etanol de milho, calcula-se que a perda inicial leve 167 anos para ser recuperada. Os autores do estudo também simulam cenários mais otimistas em que a produtividade das culturas aumenta. No melhor deles, o etanol de milho leva (em termos de emissões) 34 anos para se pagar.

No caso da cana-de-açúcar brasileira, os números são bem melhores, mas não animadores. Se ela for plantada em áreas de floresta tropical, serão necessários 45 anos para que a mudança pague o aumento inicial de emissões. Se ela for plantada em pastos, esse tempo cai para quatro anos. Esperemos que o Brasil siga esse último caminho.

Leia também

Reportagens
17 de dezembro de 2024

Governo lança plano de rastreio individual na pecuária, com foco apenas sanitário

Identificação individual será obrigatória para todo rebanho de bovinos e bubalinos a partir de 2032. Pressão de mercados importadores impulsionou iniciativa

Análises
17 de dezembro de 2024

A curiosa história da doninha africana que, na verdade, é brasileira

Muito além da confusão pelo seu nome, a doninha-amazônica é notória por ser o mamífero predador mais misterioso do Brasil

Reportagens
17 de dezembro de 2024

Associações e cooperativas lutam para manter extrativistas na Resex Chico Mendes

Invasões e produção de gado ameaçam reserva extrativista, uma das mais desmatadas da Amazônia. Manter o modo de vida do seringueiro atrativo é grande desafio

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.