Há muitos anos atrás, quando eu ainda era adolescente, ou talvez pré-adolescente, passei por uma situação que me deixava envergonhada até pouco tempo atrás. Hoje, trabalhando em uma organização não-governamental (ong) ligada ao meio ambiente, vejo que o que eu fiz foi talvez prever o futuro (para usar uma expressão bastante em moda atualmente: foreseeing).
Fizemos um amigo oculto e o presente que escolhi foi um livro já usado e antigo, com cara de usado e antigo, é bom frisar. Não lembro onde era, nem quem recebeu o presente, mas posso ainda sentir a cara de decepção do sujeito e a vergonha que senti, quando realizei que talvez aquele não fosse um presente adequado.
O final do ano chegou e com ele as festas das empresas – jantares ou almoços e trocas de presentes. Estamos em outro país e, aos poucos, vamos nos acostumando com a cultura canadense. Na Clean Calgary, combinou-se que os presentes levados seriam usados. Alguma coisa que você tenha em casa e não use mais ou não precise mais. Reutilizar. Reciclar. Reaproveitar. Dê o nome que quiser, mas não vá a uma loja comprar um presente novo!
Embrulhe-o de forma a torná-lo atraente e sem mostrar o que tem dentro (aliás, a arte do embrulho vale uma coluna, escrita por Ana Claudia Nioac de Salles, aqui no Eco, já que aqui praticamente nenhuma loja o faz). A idéia é tornar tudo um jogo, onde você pode “roubar” o presente de outra pessoa e, assim, acaba escolhendo o que quer ganhar. Seguimos a ordem da mesa em que estávamos sentados e a primeira pessoa abriu um embrulho. A segunda pessoa pôde escolher entre abrir outro embrulho ou “roubar” o presente que a primeira abriu e assim por diante. Esta “roubalheira” só é permitida três vezes para cada presente (cada grupo cria uma regra, lógico, mas em geral não pode roubar novamente o presente que acabaram de roubar de você e no nosso caso fizemos um round’ extra, já que a última pessoa da mesa pôde escolher entre presentes já abertos!).
Desta vez, tive dificuldade em encontrar alguma coisa. Os livros ficaram fora da lista por um motivo quase óbvio, já que boa parte da minha biblioteca é em português! Coisas usadas que não quero mais? Deixei quase tudo no Brasil, quando nos mudamos para o Canadá e não tínhamos como trazer tudo. Trouxe apenas 2 metros cúbicos de coisas que considerei essenciais, e acho que ainda as considero… Acabei encontrando um CD da Cassia Eller, repetido e que veio por engano. Acrescentei um batik que trouxe da minha viagem à África, dez anos atrás, e que ainda não emoldurei… Será que alguém vai querer? Bem, presente é presente e se vão querer ou gostar, já não está mais ao meu alcance decidir. Mas quiseram, sim. E foi quase disputado! E o presente terminou na mão da minha chefe – depois de duas outras pessoas o “roubarem” – que achou que o filho de dois anos adoraria o batik… Coincidência ou não, tenho outros emoldurados que enfeitam o quarto do meu filho!
E o que eu ganhei? Uma linda cesta para frutas, que eu “roubei” depois de me “roubarem” três outros presentes.
E o inverno chegou
Ele nunca falha. Não que eu saiba. Escrevo esta coluna com o termômetro batendo os -42ºC. Você leu correto: mais de 40 graus abaixo de zero! Um amigo canadense que fala Português comentou que o tempo estava “miserável” – certo ou errado, é um ótimo adjetivo para definir estas temperaturas glaciais. Banff teve a temperatura mais baixa da província de Alberta. É muito frio. Tão frio que carro não liga, janela racha e urso não sai de casa.
Para ligarmos o carro, precisamos plugar o aquecedor do carter do motor a uma tomada. Até shopping centers têm tomadas em estacionamentos ao ar livre. Em janeiro de 2008, o frio bateu nos –45ºC de sensação térmica no dia em que meu marido começava um trabalho novo, na cidade vizinha. Aqueceu o carro e dirigiu até lá e, na hora de estacionar, ouviu um barulho de vidro rachando: era o pára-brisa do carro, que rachou com o contraste entre o quente de dentro do carro e o frio do lado de fora.
Passamos pelo menos seis meses por ano com neve na porta de casa e nas estradas. Bem, pior que a neve, para mim, é o gelo, traiçoeiro, que se esconde formando o “gelo negro” no asfalto e causando milhares de acidentes por ano. A vida muda completamente. Desde em como se vestir (em camadas e com um grosso casaco de pena de ganso por cima – pelo menos, nunca conheci nada que esquentasse como a pena de ganso), até no trabalho que temos para fazer coisas simples como ir ao supermercado, ou abrir a porta do carro. Luvas, casacos, gorros, duas calças, pescoceira e o que mais você conseguir colocar acabam fazendo parte do “uniforme”. Hoje, vendo esta paisagem branca e linda de morrer, pensei em como é fácil sair de casa e ficar com a porta aberta no verão, vendo meu filho brincar lá fora.
Este vai ser o primeiro inverno dos quatro que estou no Canadá em que vou ter de cuidar para que uma pessoinha que mal sabe falar não congele – meu filho estará enfrentando o segundo inverno da vida dele, mas o primeiro em que descobrirá o quanto a neve pode ser divertida e gostosa. Mas também gelada e perigosa! Meu maior medo é dele congelar as mãos, já que não sabe dizer que está com frio. Mas já sabe rir quando descemos uma colina escorregando nos nossos tobogãs, como na imagem acima.
Sim, porque a neve é lúdica e divertida e linda e diferente. Minha teoria é que devemos tornar o inverno o mais divertido possível e, de preferência, ao ar livre, para que o tempo passe sem sentirmos muito, mesmo com as poucas horas de luz – única coisa que não sou muito fã nesta época do ano (no verão, chegamos a ter mais de 18 horas de luz e, no inverno, temos apenas 8!). Canadense chega a ficar 90% do tempo dentro de lugares fechados – não deixa de ser uma delícia e um privilégio passar um dia ao ar livre, seja ele verão ou inverno. Portanto, desejo que vocês, aí no Brasil, aproveitem o verão que apenas começou, enquanto estarei aqui aproveitando tudo o que o inverno tem de bom! E, como dizem por aqui: stay warm!
Feliz 2009 para vocês!!!
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