Estes colunistas moram em São Paulo, e já estão mais do que acostumados a ouvir esta cidade sendo chamada de “selva de pedra”. De fato, não podemos subestimar os problemas ambientais da metrópole. Poluição do ar, inversão térmica, altas concentrações de ozônio; dificuldades de abastecimento de água e tratamento insuficiente de esgoto; zonas de mananciais ameaçadas pela ocupação desordenada do solo; produção insustentável de resíduos sólidos; e a lista segue.
Alguns desses problemas são comuns a outras grandes cidades brasileiras, mas São Paulo, por ser maior, acaba enfrentando desafios em escala maior, ou antecipando problemas que outras conurbações brasileiras enfrentarão no futuro. Por outro lado, o tamanho de São Paulo também implica em diversidade. Há regiões muito pior servidas do que outras. Os bairros da região dos Jardins, por exemplo, apesar de congestionados pela excessiva verticalização, ainda gozam de alguns privilégios, entre as quais a arborização de suas ruas (ou alamedas).
Essa arborização data do seu estabelecimento como loteamentos da Cia. City, que procurava seguir o modelo das “garden cities” inglesas. Assim, algumas dessas árvores têm 70 ou 80 anos de idade, e sofrem com os estresses da vida urbana. Quem aprecia o verde e os benefícios da arborização, como a criação de sombra, a absorção de ruídos, o abrigo para as aves e tantos outros, fica apreensivo durante as tempestades que caem sobre a cidade, pois é comum que causem a queda de galhos e de troncos desses indivíduos, alguns deles de mais de 25 metros de altura.
A morte de um cidadão em 2003, atingido por um galho, acabou por precipitar a ação da prefeitura no sentido de avaliar as condições das árvores. Quem está fazendo esse trabalho sob contrato é o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas). Conversamos com o biólogo Sérgio Brazolin, pesquisador do Instituto e coordenador do projeto “Operação Árvore Saudável”. É um primeiro levantamento, por amostragem, do estado em que se encontram as árvores situadas em vias públicas em São Paulo.
Brazolin é um especialista em preservação de madeiras, e chegou às árvores vivas através dos cupins. Os cupins subterrâneos, em parceria com os fungos, são os principais responsáveis pela queda de árvores em São Paulo. O primeiro registro de sua presença no Brasil é do início do século XX. De lá para cá sua expansão foi tamanha que já se tornaram problema de saúde pública. O IPT começou a se interessar pelo tema ao analisar o problema dos cupins nas edificações da cidade, e concluiu que a praga não pode ser combatida edifício por edifício se os vizinhos e as árvores do entorno também estão infestados.
Mas a Operação Árvore Saudável vai além dos cupins. Cada indivíduo é avaliado e cadastrado com cerca de 60 parâmetros, criando-se assim uma base de dados pioneira para o manejo dessas árvores. Esse conhecimento, ao final do projeto, deve ser transferido para as subprefeituras, que são as responsáveis pelo manejo. Trabalhando com árvores acima de 5 metros de altura em sete bolsões da cidade, a Operação constatou que uma proporção significativa delas encontra-se em estado crítico. Isso se deve não apenas às pragas, mas também ao manejo das árvores e à própria adequação das espécies plantadas.
Muitas das espécies escolhidas quando da criação dos bairros são particularmente suscetíveis aos cupins, ou atingem tamanhos incompatíveis com a sua localização. O que nos traz à questão do manejo. São comuns as críticas à Eletropaulo. Comuns e injustas, segundo Brazolin. O pessoal da empresa é bem treinado e tem consciência ambiental. O problema é que muitas vezes eles se confrontam com árvores inadequadas para os locais onde foram plantadas, e só lhes resta podá-las para impedir o dano à rede elétrica. Para o pesquisador, um problema muito mais sério é a atitude da população, que nem sempre aprecia os benefícios do verde. O levantamento mostrou que muitas árvores estão machucadas, com a casca arranhada, com raízes cortadas, ou com o solo ao seu redor impermeabilizado.
O relatório da Operação deve ser entregue ainda em dezembro de 2004, e não é certo que ele terá continuidade na nova administração da prefeitura de São Paulo. Ainda resta muito a fazer, tanto em termos de um inventário mais completo das árvores da cidade, quanto de um plano de manejo para as mesmas. Esse plano terá que contemplar a supressão daquelas que já não são mais recuperáveis, e a introdução de espécies mais apropriadas e menos vulneráveis ao cupim e aos fungos. É o preço da sustentabilidade.
Resta ainda a fazer um grande esforço de educação da população. Para evitar casos como o daquele motorista de táxi com quem conversamos outro dia, que faz ponto no Jardim Paulista. Ele viu três árvores caírem nos últimos doze anos, e acha que devemos cortá-las todas. Diante desse tipo de atitude, nem valeria a pena pensar na arborização de regiões menos favorecidas da metrópole.
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