Birdwatching – a observação de aves – é um hobby bastante popular no hemsifério norte. A britânica Royal Society for the Protection of Birds, por exemplo, foi fundada em 1889. Ela tem hoje mais de um milhão de membros, administra 180 reservas naturais e se ocupa da proteção das aves e de seus habitats. O que implica não apenas na proteção do meio ambiente rural, mas também em campanhas de preservação no sentido mais amplo, incluindo o combate ao aquecimento global. A equivalente americana, a National Audubon Society, é outra organização centenária que entende a sua missão de proteção das aves e da vida selvagem de maneira dinâmica, e que se tornou uma das vozes mais fortes do movimento ambientalista americano.
Ainda assim, a imagem desse hobby é um tanto dúbia. Os observadores de aves são frequentemente ridicularizados como personalidades obsessivas, que se dedicam a essa atividade por não terem vida social. O cúmulo do ridículo é dedicado aos “twitchers”, aqueles que gastam muito tempo, dinheiro e esforço perseguindo aves raras. Há ainda aqueles que usam a atividade como pretexto para acumular gadgets como binóculos, telescópios e equipamento fotográfico. Mas isso existe em qualquer hobby e seria uma injustiça atribuir esse tipo de comportamento obsessivo-compulsivo somente aos observadores de aves.
No Brasil talvez não existam tantos observadores, mas não é por falta de oportunidade. No meio da Amazônia ou no muito acessível Parque Nacional de Itatiaia, por exemplo, a fauna é riquíssima. O que falta é o hábito. Um ponto de entrada pode estar no simpático livrinho do jornalista esportivo inglês Simon Barnes. O volume traz o curioso título How to Be a Bad Birdwatcher, isto é, como ser um mau observador de aves. Segundo Barnes, ser um mau observador de aves significa não se preocupar demais com listas de aves já vistas e a ver, com binóculos milionários, ou com a angústia de não saber o nome deste ou daquele espécime. Em um tom coloquial de conversa de pub, ele mostra que o importante é ter prazer na atividade. Para isso, não é mais preciso mais nada senão olhar pela janela e observar as aves.
Ou pelo menos é assim que se começa: com um pouco de conhecimento. Afinal, sugere Barnes, todos nós sabemos um pouquinho a respeito de aves. Você, o leitor, sabe que um pato é diferente de um cisne, que é diferente de uma andorinha, que não é igual a um pingüim. Você também deve ser capaz de perceber por que os pássaros exercem tamanho fascínio sobre os humanos: ora, é óbvio. Melhor dizendo: elas, as aves, são óbvias. É muito mais fácil vê-las do que ver mamíferos, exceto os domesticados, é claro. Mas tem mais: elas são coloridas e variadas. E elas voam. E elas cantam.
É por aí que começa o fascínio da vida das aves, mas o observador vai mais longe. Saber os seus nomes não é indispensável, escreve Barnes, mas ajuda bastante a apreciá-las. A vida fica mais rica, na medida em que o conhecimento dos nomes das aves que nos cercam nos faz prestar mais atenção no que se passa ao nosso redor. Ajuda também a desenvolver o que ele chama de um sentido de lugar (a sense of place) – coisa de gente que mora a séculos em um pedaço pequeno de território. E saber identificar uma ave é um ato de descoberta que enche o observador de alegria. Especialmente o mau observador.
Algum equipamento é útil. Um guia de campo, uma caderneta e um binóculo. Com o tempo você aprenderá a identificar as aves da mesma maneira que você identifica uma pessoa conhecida no meio de uma multidão, sem precisar fazer um esforço consciente para achar essa ou aquela peculiaridade da sua aparência. Isso deve valer pelo menos para as aves mais comuns. Mas elas não devem ser desprezadas por serem comuns. Barnes mostra, por sinal, que a obsessão por localizar e identificar aves raras pode ser um esporte bastante cruel. É só pensar no exemplo dos pingüins que de tempos em tempos aparecem nas praias brasileiras, longe de seu habitat natural, perdidos e condenados a morrer rapidamente sem a intervenção humana. O mesmo se aplica às aves perseguidas pelos twitchers da Grã-Bretanha, muitas vezes migratórias que perderam o rumo em mais de um sentido.
Essa resenha não estraga nenhum segredo ao revelar o final do livro: hoje é quase inevitável que qualquer volume dedicado a temas de natureza termine tentando nos assustar com previsões do colapso iminente do nosso planeta, e nos conclamando a fazer alguma coisa a respeito. É o que Barnes faz, de certa maneira. Pois é evidente que as aves são extremamente sensíveis às mudanças que estamos operando no meio ambiente e servem como o proverbial canário na mina.
Os mineiros de carvão ingleses do século XIX levavam canários consigo para dentro das minas. Os pássaros são mais sensíveis ao gás metano, e quando o canário morria, eles sabiam que era a hora de sair dali correndo. As aves já sentem o efeito da mudança climática. Há relatos de que seus movimentos migratórios estão mudando, por exemplo. O desafio é enorme, mas Barnes sugere que o engajamento é uma alternativa melhor do que a desesperança, e que observar aves é uma maneira de começar a perceber o quanto é rico o mundo que nos cerca, e o quanto temos a perder quando o destruímos. O passo seguinte é então o engajamento na causa ambiental. How to Be a Bad Birdwatcher é um grande livrinho.
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