Faltam apenas algumas semanas para que a cidade de Curitiba receba um dos maiores eventos ambientais do planeta: a oitava conferência das partes da Convenção sobre Diversidade Biológica. É o que os americanos chamam de um circo de três picadeiros.
Teremos a oitava Conferência das Partes (COP8) da Convenção sobre Diversidade Biológica, a terceira Reunião das Partes (MOP3) do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, assim como uma série de encontros, seminários, workshops e exposições, oficiais ou não.
Já é possível encontrar na internet uma série de informações sobre a COP/MOP nos websites do secretariado da Convenção, do governo brasileiro e do comitê local. ONGs como a WWF Brasil e o Greenpeace também já estão se mobilizando para participar.
Mas se pouca gente no Brasil parece ter acordado para a importância do acontecimento e não é tão difícil entender as razões disso. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) é uma estrutura diplomática da mais alta complexidade.
Para começo de conversa, a CDB tem três objetivos paralelos igualmente importantes: a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável dos seus componentes, e a repartição equitativa dos benefícios advindos do uso de recursos genéticos.
Para entender o sentido preciso dessas expressões é preciso conhecer a história da negociação da Convenção, onde cada vírgula e cada vocábulo do texto foi objeto de exaustiva barganha. Mas a olho nu já dá para perceber que a articulação dos três não é trivial.
Se isso não bastasse, a Convenção ainda sofre com a dificuldade fundamental da incerteza científica, que torna muito mais difícil a avaliação dos riscos, custos, e do próprio conceito de sustentabilidade.
Quem participou da Rio 92 conta que os países desenvolvidos queriam um tratado apenas sobre a proteção da biodiversidade e acesso ao patrimônio genético, e que os países em desenvolvimento introduziram os conceitos de uso sustentável e de repartição de benefícios acreditando que assim não ficariam apenas com o ônus da conservação sem receber nada em troca.
Quem acompanha essas discussões perceberá aqui algo em comum com a Convenção de Mudança Climática e com outros grandes processos de negociação no âmbito das Nações Unidas: a introdução pelos países em desenvolvimento dos temas econômicos como ficha de barganha.
Não há nada de errado, a princípio, em procurar garantir o direito ao desenvolvimento onde for possível, mas é importante não perder de vista que um tratado internacional sobre biodiversidade e desenvolvimento é, por definição, uma coisa completamente diferente de um tratado internacional sobre biodiversidade.
E, como acontece com freqüência nessas negociações onde as partes têm objetivos muito distintos, os resultados não satisfazem ninguém. A Convenção é apenas uma declaração de intenções, que precisa de protocolos para ser posta em prática. Até aqui o único protocolo assinado foi o de Cartagena, sobre biossegurança, que ainda não entrou em vigor graças à ação do Brasil e da Nova Zelândia.
De resto, na COP6, as partes concordaram com o objetivo estratégico para o ano de 2010 de uma “redução significativa” nas taxas atuais de perda de diversidade. Tudo indica que essa meta não será atingida.
Norit Bensusan, do WWF Brasil, acredita que a Conferência está diante de uma encruzilhada – ou se parte para a implementação, ou o tratado perde toda a sua eficácia. O principal campo de batalha hoje é a biossegurança. O objetivo do Protocolo de Cartagena é proteger a diversidade biológica dos riscos causados por organismos genéticamente modificados, um dos temas mais contenciosos das discussões de comércio internacional nos últimos anos (o que não é pouca coisa).
Não é possível discutir aqui as nuances desses argumentos, mas vale notar a ambigüidade da posição brasileira. Como se repete exaustivamente por aí, somos donos de uma das maiores biodiversidades do mundo. Mas estamos também entre os maiores exportadores de grãos, especificamente de grãos transgênicos, principalmente soja e milho.
Desde o início da Rodada Uruguai da OMC, o Brasil tem insistido na liberalização do comércio de produtos agrícolas, que ainda é muito mais sujeito a restrições e distorções do que o de produtos industriais. E os países desenvolvidos usam todo tipo de argumento para defender a proteção da sua agricultura, inclusive o da biossegurança. Nossas posições na COP são produto desses interesses conflitantes.
O Brasil, como país hospedeiro da COP / MOP, tem enorme interesse em que as negociações avancem. Mas a questão é chegar à definição da posição brasileira. Cabe ao Itamaraty e à Casa Civil arbitrar as posições dos diversos ministérios e da sociedade civil, mas a condução da Conferência caberá à ministra Marina Silva.
Ora, a tramitação da Lei da Biossegurança mostrou que não existe um mínimo de consenso em torno do assunto. A tendência do governo é tratar ambientalistas como mais um grupo de pressão e procurar fazer uma média entre as posições dos ministérios do meio ambiente, da agricultura e do desenvolvimento, o que é obviamente um disparate.
Diante disso, o objetivo primordial daqueles que trouxeram a Conferência para Curitiba, dar maior publicidade ao tema aqui dentro, parece bastante prejudicado. O risco é que fique claro, mais uma vez, que na área ambiental, o Brasil joga na defesa por medo de qualquer tipo de monitoramento externo. Mesmo quando se trata de uma Convenção opaca e de resultados até aqui rarefeitos.
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