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Transposição à moda Bush

O projeto de transposição do Rio Klamath, nos EUA, aponta para um fim melancólico na justiça americana. O governo Lula, com o São Francisco, que se cuide.

20 de outubro de 2005 · 19 anos atrás

O projeto de transposição do Rio São Francisco é, realmente, coisa de primeiro mundo: custa uma fortuna, envolve uma série de tecnologias avançadas e se propõe a resolver um problema criado pela degradação ambiental. Mas não é só isso. O maior sinal de que o governo Lula chegou lá que é o governo dos Estados Unidos tem projeto semelhante. Tão polêmico como o brasileiro. O do Rio Klamath. Mas, no caso, ainda temos muito a aprender com os americanos.

Desde 2002, quando as águas do Rio Klamath – um dos maiores do noroeste dos EUA – passaram a ser desviadas ainda em sua porção superior por um plano governamental para a irrigação de terras, associações de pescadores e ambientalistas têm tentado na justiça impedir a continuação do projeto. O seu argumento é que o desvio das águas deixou o fluxo na parte inferior do rio baixo demais, o que vem causando a morte de centenas de milhares de peixes – especificamente, uma espécie de salmão, o Coho, listada entre as ameaçadas de extinção.

O cronograma da briga judicial nos últimos três anos pode ser encontrado na página do Earthjustice, que representa grupos dispostos a impedir a transposição do rio, e é mais ou menos o seguinte:

Na primavera de 2002, o governo dos EUA, através de seu Bureau of Reclamation, começou a desviar as águas da porção superior do Rio Klamath para as fazendas próximas, tornando as águas na parte baixa do rio insuficientes para a sobrevivência dos filhotes de Coho Salmon. Os pescadores e ambientalistas ajuizaram uma ação para obrigar o governo a deixar mais água no rio. Esse pedido foi negado e, ao final de setembro daquele mesmo ano, cerca de 80 mil salmões morreram doentes, ao subir o rio para procriar.

Enquanto as fotografias da mortandade chegavam à imprensa norte-americana e a administração Bush tentava se esquivar da responsabilidade, afirmando que a morte era devida a razões “misteriosas”, o Earthjustice entrou com outra ação na justiça. A desculpa governamental foi desmentida logo depois, por um relatório do Departamento de Caça e Pesca do Estado da Califórnia, que apontava como única causa do incidente o baixo volume de águas no rio. Diante disso, o governo admitiu que normalmente não há água suficiente para satisfazer ao que ele havia prometido aos fazendeiros e assegurar a sobrevivência dos peixes. A nova ação proposta pelo Earthjustice quer obrigar o governo a balancear as necessidades dos peixes e das populações que dependem deles em seu plano de longo prazo para o Rio Klamath.

Plano de Irrigação

Um mês depois, em Outubro de 2002, um cientista do Serviço de Pesca Marinha dos Estados Unidos afirmou, publicamente, que um trabalho desenvolvido por ele na primavera daquele mesmo ano, para garantir a níveis saudáveis de água para o Klamath, fora deliberadamente ignorado e atropelado por motivos políticos. Por duas vezes, ele e seus colegas apresentaram diretrizes a serem observadas para que os níveis de água fossem compatíveis com o que determina o Endangered Species Act, a lei que regula as espécies ameaçadas de extinção nos Estados Unidos. Tratava-se de preservar o Coho Salmon. E nas duas vezes as propostas foram derrubadas por seus superiores.

Em julho de 2003, uma corte federal decidiu que a aprovação do plano de irrigação do governo violava o Endangered Species Act, apesar de ter negado o pedido dos ambientalistas e pescadores por mais água para os peixes do rio. O Earthjustice e seus representados apelaram dessa última parte da decisão e, finalmente, no último dia 18 de outubro, a Corte de Apelações do Nono Circuito rejeitou o plano de desvio das águas do governo, que considerou ilegal por deixar de assegurar níveis adequados de água para o Coho Salmon, até o oitavo ano dos dez que deve durar o plano.

Na decisão, a juíza Dorothy W. Nelson afirma que, caso os níveis de água continuem assim pelo tempo que pretende o governo – mais 7 anos –, “nem toda a água do mundo será suficiente para proteger os peixes, já que não restará nenhum para ser protegido”. Em seu voto, de 24 páginas, a juíza afirma que, considerando-se o ciclo de vida do salmão, de apenas três anos, as medidas devem ser tomadas em caráter de urgência. “Não basta que se dêem as condições adequadas aos peixes daqui a cinco anos se nesse meio tempo a sua população for enfraquecida ou destruída pela falta de um fluxo adequado”, afirma ela.

Água e sujeira

Em termos práticos, a decisão significa que a agência responsável pela distribuição de águas no oeste dos EUA, o Bureau of Reclamation, terá que bolar uma nova forma de dividir as águas do Rio Klamath, dando menos para os fazendeiros e mais para os peixes ameaçados. Mas o governo ainda pode recorrer desta decisão. Enquanto isso, os representantes dos fazendeiros já anunciam que vão iniciar um lobby no Congresso dos EUA para modificar o Endangered Species Act.

Os ambientalistas e pescadores, por outro lado, comemoram. O Klamath já foi o terceiro maior produtor de salmão dos Estados Unidos. Na década de 1950, cerca de 125 mil Coho Salmons subiam o rio todos os anos para procriar. Em 1990 esse número havia caído para cerca de 6 mil. Não é à toa que os pescadores foram à luta.

Independente dos interesses de cada uma das partes envolvidas, temos uma vitória a ser comemorada e uma lição a ser aprendida. No Klamath ou no São Francisco, não se pode fazer levianamente um projeto com efeitos tão graves, eficiência questionável e motivos discutíveis. Quando a água falta, a sujeira pode transbordar.

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