Seis anos após a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), o estado do Amazonas, o mais extenso e com maior área natural preservada do país, finalmente prepara uma lei estadual para cuidar de suas reservas ambientais. A proposta de lei vai estar disponível para consulta pública na internet a partir desta terça-feira e poderá ser modificada antes de enviada à Casa Civil do Governo do Estado para a redação final.
A lei tem o mérito de nascer de uma discussão entre vários setores. Nos dias 9 e 10 de maio, sofreu alterações durante uma audiência pública em Manaus, que teve a participação de ongs, associações profissionais e representantes de governos municipal, estadual e federal. “É uma revisão do Snuc, com olhar amazônico”, define Rita Mesquita, secretária adjunta de Projetos Especiais da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (RDS) . Mas tem pontos controversos, principalmente sobre a criação de uma nova modalidade de Unidade de Conservação, a Reserva Particular Sustentável (RPS).
A idéia da RPS surgiu de um desdobramento das Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), de proteção integral e prevista no Snuc. Ela foi apresentada como uma alternativa aos proprietários de terras que pretendem dar um uso econômico à floresta, mas sem derrubá-la. “Nas RPS vão ser permitidas atividades que não exijam o corte raso, só o extrativismo”, afirma o secretário do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, Virgílio Viana.
Mas para ambientalistas, ela pode se tornar uma fachada para empreendimentos de grande impacto ambiental e ainda prejudicar movimentos sociais. André Muggiati, da Campanha Amazônia do Greenpeace, teme que elas sejam usadas para atividades de grande impacto ambiental, como a mineração, apenas para oferecer uma imagem sustentável ao empreendimento.
Além disto, as RPS poderiam ratificar a exploração de trabalhadores extrativistas por grandes proprietários. “Esta foi uma idéia retirada do Snuc justamente por este problema. Há grandes áreas de seringueiras em que ainda existem os regatões (barcos que servem de intermediários) e a proposta contraria todo o esforço que vem sendo feito para resolver esta situação”, diz Muggiati.
Para o coordenador do WWF em Manaus, Marcos Pinheiro, a proposta da RPS fere o princípio das Reservas Extrativistas, que seria o uso comunal dos recursos, mediante regras. “Imagina, por exemplo, na Calha do Juruá, onde quase tudo é titulado. Vai haver uma privatização de seringais e castanhais”, critica Pinheiro.
Mas Rita Mesquita acredita que a RPS seja um dos principais avanços na proposta.Ela compartilha as preocupações dos ambientalistas, mas afirma que a norma de regulamentação das Reservas Particulares Sustentáveis podem ter pontos que evitem a distorção da idéia. “A norma pode exigir que sejam feitos estudos prévios para evitar que uma área particular onde existe a exploração comunitária de recursos seja transformada em RPS”, afirma.
Mesquita cita também como pontos positivos da proposta a definição sobre o que são serviços ambientais. “É uma novidade que não existia no Snuc”, destaca. A lei cria outros dois tipos de Unidades de Conservação, bem menos polêmicos, embora sejam mais voltados ao turismo do que à preservação ambiental: a Estrada Parque e o Rio Cênico.
O objetivo destas duas outras modalidades é preservar a paisagem ao longo de rios e estradas do estado, que podem ser exploradas pela indústria do turismo. Para Marcos Pinheiro, a idéia da Estrada Parque pode ser interessante se aplicada, por exemplo, na BR-319, onde a Área de Limitação Administrativa Provisória (Alap) até agora não surtiu efeito.
No Amazonas, existem 35 Unidades de Conservação estaduais, 22 criadas nos últimos quatro anos. A demora em preparar a lei é justificada por Virgílio Viana: “É um processo que vem desde 2004, quando começamos a fazer discussões para preparar a proposta. Tivemos discussões anteriores, por exemplo, sobre biodiversidade e regularização fundiária”.
Na próxima semana, a proposta vai para a Assembléia Legislativa do Estado, onde volta a ser discutidade por uma maioria favorável ao governo estadual, mas nem sempre simpática às causas ambientais.
* Vandré Fonseca é jornalista formado em São Paulo, há oito anos vivendo na Amazônia. Atualmente, é repórter da TV Amazonas.
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