Análises
Sede de quê?
De Rosa Cartagenes (jornalista, indigenista, inspetora sanitária e fã de sua coluna), Santarém - PAPrezado Abranches,Mais uma vez, é de rachar tua lucidez (felizmente ou infelizmente?) e venho aqui testemunhar: pois é, nós também estamos "bolados" em assistir, passivos (só não impassíveis porque falta d'água na torneira é coisa de tornar qualquer cotidiano insuportável...) à desidratação aguda de nossa Mãe D'água, nossa miragem esverdeada, nosso muiraquitã inefável e pretensamente indelével. Moro a uma quadra do rio Tapajós, que transformou-se num riozinho chinfrim com quilômetros de margem de uma areia suja e prenhe de eflúvios de esgoto, bichos em decomposição e todo tipo de detritos urbanos, e as comunidades ribeirinhas de afluentes e outrora "lagos (Arapiuns, Arapixuna, Maicá, Inanu etc etc) têm vivido um duro cotidiano atravessando extensas dunas ( tem ribeirinho andando 4km para beber água, suja ): lata d'água na cabeça/lá vem Maria. Caboclo atravessando a pé o maior rio do mundo em extensão e vazão (o Amazonas) e Raimundos já não sabem onde pescar peixe vivo, pois igarapés tornaram-se veredas de peixes mortos salpicadas de urubus.Grande Sertão e Vidas Secas encontram-se em nosso leito amazônico-tapajoara.Concentração de gente e de água, também os flebótomos se concentram, e a malária recrudesce com força total em comunidades indígenas mais isoladas. Na área urbana, mais de 60% das residências estão sem água, e apenas ontem (18/10) a indecisa prefeitura petista decidiu decretar estado de emergência e o senhor governador social-democrata decidiu pronunciar-se sobre a seca no Estado. Enquanto isso, perseguem nosso Lúcio Flávio Pinto, Passageiro da Utopia, que grita aos ouvidos moucos a evasão de nossas possibilidades de crescimento real para os bolsos (e Bolsas) japoneses, canadenses, europeus, eternos sanguessugas de nossas matérias-primas e energias de todos os tipos. Até as espirituais. Se cientistas e técnicos repetem como motivos aquecimento global, degelo de calotas, "El Niño" e índices marítimos, e ainda não tiveram tempo de produzirem dissertações e gráficos para associar seca e desflorestamento, não temos dúvida que é mesmo só uma questão de tempo. Floresta em pé é pré-condição para retroalimentação do ciclo das águas, e nos microcosmos do cotidiano de lugarejos e aldeias amazônicos, empiricamente sabe-se que em no máximo 5 anos de uso agrícola contínuo, ainda que na limitada escala familiar (inclusos aí não só plantio e coleta, mas a inevitável "coivara", queimada pré-semeadura), não é só a floresta que vira "capoeira" (savanização, para os técnicos..), mas as nascentes, os igarapés "mirins", as "águas do beiradão" vão emagrecendo, perdendo o viço, definhando. Tamanha vulnerabilidade é um dos motivos, inclusive, daquilo que os olhares ocidentais definem como "intenso nomadismo" de comunidades indígenas originais, que precisam se deslocar e alternar continuamente áreas de uso agrícola familiar para permitir a recomposição da fertilidade do solo e da floresta. Imagine o desflorestamento que se tem feito: terá o impacto de mera metáfora os "2/3 do Equador" desmatados nos últimos 10 anos em ecossistema tão suscetível?E a desgovernança vem nos apresentar planos de pretensa "sustentabilidade" (mostre-me uma "BR" amazônica sustentável...), premiar a exploração predatória com "Termos de Ajustamento de Conduta"( "Temos q Arrumar Conluio") que sabemos inoperantes e argumentar "amplas consultas à sociedade civil" (12 audiências "públicas", entre ONGS, PPG7 e "setores produtivos"? Onde o povo?) para a aprovação à toque-de-caixa de um PL que afronta as necessidades mais evidentes de um pacto socioambiental entre as populações locais e indústria madeireira, privilegiando os objetivos megaempresariais e apenas criando mais um ou dois órgãos e mais um complexo de legislações específicas.Onde a efetividade da Lei ( que já existe), onde a eficiência e os recursos para a fiscalização, e onde a ética do Estado para promoção e proteção do patrimônio natural e social de amazônidas, brasileiros e humanidade?A gente não quer só beber, a gente quer cumprimento de lei, governança, moralidade pública, investimento social e científico, cidadania efetiva (não vale consultas pseudo-públicas...). As chuvas, se S.Pedro ou Tupã permitirem, haverão de saciar (provavelmente já não como dantes) nossa sede imediata, mas e as outras? Será que teremos de aguardar o Apocalipse ombreados com D.Cappio para saciar nossa fome e sede de justiça? A Amazônia não dura tanto...Vamos "empatar" essa desgovernança? Um abraço