Reportagens

Lobby ameaça os pampas

Fundação de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul defende em audiências públicas estudo que limita plantio de eucalipto no estado e vai contra plano do governo e de empresas.

Sílvia Marcuzzo ·
11 de junho de 2007 · 18 anos atrás


O zoneamento foi elaborado por técnicos da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e entregue ano passado, no final do governo de Germano Rigotto (PMDB). O documento dividiu o Rio Grande do Sul em 45 Unidades de Paisagem Natural (UPN) e as classificou em alta, média e baixa restrição à plantação de árvores exóticas, como pinus, eucalipto e acácia.

O levantamento estabeleceu em cada uma dessas unidades os principais elementos da paisagem, os aspectos atuais relevantes, como a situação da vegetação, se há Unidades de Conservação ou sítios arqueológico e a ocorrência de espécies ameaçadas. Também indicou o que deve ser conservado e apontou restrições, entre elas as faixas de proteção (150 metros de banhados, 100 metros de sítios arqueológicos, por exemplo). E recomendou que as plantações respeitem uma faixa de 1.500 metros de atrativos turísticos. O zoneamento aponta como áreas passíveis de serem cultivadas pelo menos nove milhões de hectares – mais de um terço do Rio Grande do Sul. Mas antes da definição do zoneamento, as três empresas compraram grandes propriedades, principalmente na metade Sul, região mais pobre do Estado e que sofre com o declínio da pecuária. Segundo o zoneamento, esta região está inserida no bioma Pampa e é muito frágil sob o ponto de vista ambiental. Apresenta características únicas e abriga 450 espécies de gramíneas, 150 de leguminosas, 70 espécies de cactos, 385 de aves e 90 de mamíferos. Além disso, o território gaúcho dispõe de apenas 0,36% de Pampa em áreas protegidas.


Além da ameaça aos Pampas, o zoneamento alerta que as plantações vão converter ambientes naturais, especialmente de áreas de interesse para a conservação, como as dunas costeiras, os butiazais, as matas de pau-ferro e remanescentes de Mata Atlântica. Elas podem alterar a composição da flora e fauna nativas, com destaque para as espécies de ambientes abertos, e provocar extinção de espécies. Ainda há possibilidade de causar modificações de disponibilidade hídrica, entre outros impactos.

Governo desqualifica trabalho da Fepam

O Código Estadual do Meio Ambiente, de 2000, prevê o zoneamento e o licenciamento como a forma mais qualificada para estudar os possíveis impactos ambientais das plantações florestais a fim de estabelecer diretrizes e critérios que possibilitem um desenvolvimento regional com qualidade ambiental. O zoneamento antecede o licenciamento, permitindo o conhecimento prévio das limitações de cada região. Mas não substitui os estudos locais, necessários ao licenciamento.

Impacientes com os obstáculos ambientais para a execução de seus projetos, as empresas Aracruz, Stora Enso e Votorantim se queixaram à governadora Yeda Crusius (PSDB). As papeleiras, como estão sendo chamadas pelos gaúchos, também levaram deputados e jornalistas para Finlândia e São Paulo. A campanha surtiu tanto efeito que alguns deputados quiseram interferir junto à Fepam para acelerar o licenciamento.


Mas a primeira vez a governadora cedeu à pressão das empresas de papel e celulose foi em fevereiro deste ano, quando lançou uma portaria para formar um grupo de trabalho para revisar o zoneamento ambiental. Convidou apenas funcionários públicos e representantes dos setores industrial e madeireiro. Nenhuma entidade do movimento ambientalista nem de órgãos de pesquisa foi chamada.

O grupo desqualificou os estudos da Fepam. Os empreendedores contrataram diversos consultores, especialmente escritórios de advocacia para contestar o trabalho. Um dos argumentos usados no relatório é que o zoneamento foi estritamente ambiental, não levou em consideração aspectos econômicos e sociais. Essa também é a tese defendida por Pellini.

O relatório diz que o zoneamento torna o negócio da silvicultura inviável sob o ponto de vista econômico. Afirma que “apresenta impropriedades, erros e omissões de natureza jurídica, que o tornam um documento prejudicial para o fim a que se propõe e que afronta e desobedece vários instrumentos legais”, entre eles a Constituição Federal de 1988.


É o que está acontecendo. A Fepam já emitiu até o momento 90 licenças. Grande parte em áreas de municípios da metade Sul do estado. A liberação das licenças para a silvicultura está sendo viabilizada pela edição da Portaria 35/2007, assinada pela presidente da Fepam, “disciplinando” o licenciamento da atividade enquanto não vigorar o zoneamento.

Para áreas de até 40 hectares o licenciamento será realizado através de licença única. Para áreas maiores que isso e menores de 1000 hectares deverá ser elaborado o Relatório Ambiental Simplicado (RAS), de acordo com o Termo de Referência a ser fornecido pela Fepam. Para áreas superiores a 1000 hectares deverá ser elaborado o EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental com Relatório de Impacto ao Meio Ambiente).

Acordos e pressões

A pressão para a emissão das licenças já vem de algum tempo. No primeiro semestre de 2005, 78 áreas da Votorantim foram licenciadas numa única licença, contestada até hoje pelos Ministérios Público Estadual e Federal, pois a empresa precisava fazer o plantio devido ao cumprimento de prazos para o financiamento junto ao BNDES. O técnico que assinou as licenças na época hoje trabalha para a Aracruz.

O professor de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paulo Brack, que tem chamado a atenção sobre os impactos ambientais da monocultura, afirma que nas eleições de 2006, só a Aracruz gastou R$ 908.275,88 com doações para mais de 70 candidatos, incluindo dois ex-secretários da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), do PSDB, que exerceram a pasta entre 2004 e 2006.

Em 2006 a Fepam assinou com o Ministério Público Estadual um Termo de Ajustamento de Conduta (Tac), para que fossem dadas apenas “autorizações”e não licenças para os plantios durante o ano de 2006, em áreas já alteradas pela agricultura. O Tac também dizia que a Fepam deveria concluir o zoneamento da silvicultura e discuti-lo com a sociedade através da realização de audiências públicas e enviá-lo ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). Nunca um zoneamento teve que ser submetido ao Consema.

As audiências públicas começaram nesta segunda-feira, 11 de junho, em Pelotas e acontecem dia 13 em Alegrete, dia 14 em Santa Maria e dia 19 em Caxias do Sul. O professor titular da pós-graduação em Biologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutor em ciências naturais pela Universidade de Tübinger, Ludwig Buckup, disse que examinou o estudo “página por página” e aprovou o trabalho. “Esta apresentação deixou bem claro como foi bem feito, pela qualidade das fontes, a riqueza da bibliografia, os levantamentos e os critérios adotados. Se existem restrições (à silvicultura), devem ser acatadas”, afirmou. E criticou o governo Rigotto, que acenou para as empresas “como se o Rio Grande do Sul fosse terra de ninguém”.

Terras impróprias


“O que as empresas mais questionam é a porcentagem de plantio por propriedade,” esclarece o técnico, que garante que apesar do zoneamento não ser considerado, a legislação ambiental é cumprida. Além disso, a aquisição de terras na região da fronteira-oeste pela Stora Enso está sendo questionada pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e pela Procuradoria da República. A Constituição Federal, entre outras leis sobre o assunto, determinam rigorosos limites à compra de propriedades rurais na faixa de fronteira de 150 quilômetros de largura por razões de segurança nacional.

Encontro pode selar trégua

O movimento nacional Diálogo Florestal, que congrega Ongs que atuam principalmente na Mata Atlântica e empresas do setor de celulose e papel, quer realizar um encontro no Rio Grande do Sul no fim de junho. Apesar de Aracruz, Stora Enso e Votorantim fazerem parte deste grupo, a idéia é apresentar o zoneamento para empresários de outros estados com o objetivo mostrar a eles o trabalho desenvolvido pelos técnicos gaúchos. A ambientalista Kathia Vasconcelos Monteiro,da coordenação da Rede Mata Atlântica, acredita que as empresas vão entender melhor o que pretende o estudo e talvez possam influenciar as que hoje atuam no Rio Grande do Sul. “Esperamos que a boa experiência do Diálogo Florestal para a Mata Atlântica também traga frutos para o bioma Pampa”, conclui.

* Sílvia Franz Marcuzzo é jornalista em Porto Alegre.

  • Sílvia Marcuzzo

    Jornalista, facilitadora de grupos, consultora em comunicação, editora e produtora de conteúdos de publicações impressas e digitais.

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