No primeiro texto aqui em O Eco, citei o caso da madeira apreendida na operação Arco de Fogo, em Paragominas. Para onde vai essa madeira? Os leitores se interessaram e me incitaram a contar um pouco mais sobre o seu destino. O assunto foge ao dia-a-dia do meu trabalho, mas assisti a situações que permitem uma análise.
Algumas vezes essas apreensões representam quantidades pequenas, irrisórias diante do volume movimentado nesse mercado. Outras, como foi o caso da Arco de Fogo, são volumes significativos. No problema como um todo, existem diversas variáveis a observar, quando se busca uma destinação correta para o produto apreendido. Começa com a localização do produto. O custo de frete pode inviabilizar um leilão, visto que é frequente a madeira apreendida estar em locais quase inacessíveis. O tempo de armazenagem também é importante, porque certas madeiras não resistem a um período longo de armazenagem a céu aberto. Para não falar da dificuldade de encontrar um local para armazenar a carga até que ela encontre um destino final. Pode parecer fácil, mas nenhum particular aceita de bom grado ser fiel depositário. Ele cede espaço e não ganha nada por isso, a não ser a responsabilidade por cuidar do produto. Em caso de furto ou destruição, pode ser responsabilizado.
Ou seja, após a sensação de vitória diante de uma grande apreensão, o que resta é um estorvo, pelo qual ninguém se interessa.
Em apreensões feitas no pátio de serrarias, o mais frequente é o próprio infrator ficar como fiel depositário do produto. Ele realoca a madeira para uma parte ociosa da propriedade e a madeira apodrece antes que ganhe um destino. Já visitei muita madeireira que, no fundo, possuía uma pequena montanha de cipós, onde, após acostumar a vista, podia-se divisar pilhas de toras podres. Chega a um ponto onde sequer é possível distinguir o volume ou as espécies. Quando é assim, nas vistorias é difícil investigar se o depositário substituiu ou consumiu parte do produto ilegal.
Outras vezes, a apreensão é feita meio da mata. Essa é a pior das situações. Não existe estrutura dos órgãos públicos para transporte e armazenagem ou sequer alguém para ser escolhido como fiel depositário (caso de áreas públicas ou devolutas, por exemplo). Tampouco há meios de se destacar uma equipe para vigiar a madeira até que se consiga, com todas as limitações que o serviço público se depara, logística para o transporte e armazenagem. Uma situação comum é simplesmente medir a quantidade confiscada e deixá-la para trás. Em um segundo momento, certamente alguém o aproveita, quiçá o próprio responsável pela extração.
Quando a apreensão de madeira ocorre em situação adversa, há quem advogue (e eu sou um deles) pela destruição ou inutilização das toras. Se não existe condição para se destinar o produto a um fim justo, é preferível garantir que ele não vá abastecer o mercado ilegal. Não há medida que devolva à floresta árvores ilegalmente abatidas. Se não for destruída, essa madeira pode permitir novos ilícitos e atrapalhar o mercado legal.
Os mais otimistas acreditam que possa haver estrutura ou agilidade na destinação, para que a madeira não se perca. Sugerem a doação para instituições de caridade ou obras do governo. Essas entidades, recebendo o produto gratuitamente, teriam interesse em contratar uma serraria que faça o processamento e transporte da madeira. Na prática, isso raramente ocorre. O custo de uma contratação esporádica e o risco de que esse produto não atenda à necessidade da instituição desencorajam as instituições a aceitá-lo, mesmo que gratuitamente. Para não falar dos trâmites burocráticos para documentar a carga. Toda madeira transportada e processada deve necessariamente ter o Documento de Origem Florestal. O trabalho e tempo para obter essa documentação também diminuem o interesse dos possíveis destinatários.
Falemos agora da madeira apreendida na Operação Arco de Fogo. Nesse caso, havia uma estrutura logística previamente contratada. Por isso, especialmente nas primeiras cidades onde a operação ocorreu foi possível armazenar o produto em pátios, dividi-lo em lotes, cadastrá-lo no sistema de controle (SISFLORA, no caso do Pará e Mato Grosso) e leiloar a madeira. O custo de transporte até os pátios principais de estocagem foi pago pelo Estado. Porém, não tive acesso a dados para verificar se o valor arrecadado nos leilões cobriu esse custo. Houve denúncias de madeira retirada ilegalmente dos pátios, mas nada pôde ser confirmado, pois não existiam dados precisos do volume e essências inicialmente estocados. A única certeza é que boa parte dessa madeira retornou ao mercado legal, onde foi processada e vendida.
Chamo a atenção nessa história justamente para um fato: não se faz rotineiramente estudos e coletas de dados sobre o produto, nem antes da apreensão, nem durante, e nem após sua destinação. Não se sabe os custos do Estado, e se há que se planejar ou não, antes da operação, uma estrutura logística para o transporte, armazenagem e destinação do produto. Em suma, não se conhece a viabilidade econômica para um eventual leilão.
Além disso, há outra questão de ordem ética que considero importante. O produto irregular apreendido que volta ao mercado cria uma concorrência do Estado com os produtores legais. Ou seja, com aqueles que arcaram com os gastos de fazer estudos e aprovar um Plano de Manejo Florestal em suas áreas. Será que a comercialização da madeira de origem ilegal não derruba o preço e desestimula a busca de fontes realmente sustentáveis, prejudicando os produtores exemplares? Não possuo dados, mas desconfio que sim, porque impressiona a quantidade de madeira comercializada sem origem legal. No próximo artigo pretendo detalhar essa questão.
Não existe resposta para praticamente qualquer pergunta que se refira ao mercado de madeira nativa. Sem esses dados, não consigo acreditar que seja possível um planejamento de políticas públicas que possa, efetivamente, fomentar a produção sustentável na floresta.
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Que situação terrível sem qualquer solução,talvez toda apreensão é um trabalho em vão, pois, mais importante que punir os culpados é dar um destino louvável a madeira, por fim fica a natureza a maior e mais sacrificada vítima de tudo isso , sendo que o que foi tirado jamais voltará, só mudará esse cenário quando mudarem a consciência humana, sinceramente . . . Nunca. Muito triste.