O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) apurou que em maio de 2008 o desmatamento na Amazônia Legal diminuiu 26% em relação ao mesmo período do ano passado. Só no Mato Grosso, essa redução foi de 60%. Mas antes de soltar os rojões para comemorar, é prudente esperar. A queda em um único mês após aumentos registrados desde o final do ano passado requer, para dizer o mínimo, cautela nas análises.
De acordo com o pesquisador Laurent Micol, do Instituto Centro de Vida (ICV), é mais fácil interpretar os dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) observando-se uma tendência de vários meses. “Quando acontece algum salto no desmatamento, dá para visualizar e interpretar melhor, mas uma redução em um único mês é mais difícil”, considera. Existem alguns fatores em curso que podem ter exercido efeito inibidor do desmatamento em Mato Grosso, como a presença de forças do Ibama e da Polícia Federal em campo e o alto preço dos insumos agrícolas, mas por enquanto, são apenas hipóteses. “Hoje a gente consegue detectar o desmatamento muito rápido e não conseguimos explicar com a mesma velocidade”, complementa Carlos Souza Jr, pesquisador do Imazon.
Comemorar, então, nestas condições, é pedir demais. Embora a tendência de aumento, que vinha sendo identificada desde outubro do ano passado, tenha sido interrompida em maio em Mato Grosso, não dá para ignorar o índice de ilegalidade no corte subindo à marca dos 86%, nem que apesar dos 60% de redução, o estado continua sendo responsável por 48% de todo desmatamento que ocorreu na Amazônia entre agosto de 2007 e maio de 2008. “Ainda há um grande esforço a ser feito”, diz Micol.
Nebuloso
Considerando apenas o mês de maio, o vilão da vez foi o Pará, que derrubou 60% dos 294 quilômetros quadrados de desmatamento registrados pelo SAD. Bem abaixo deste índice aparece Mato Grosso, contribuindo com 17% do desmate, seguido por Rondônia (13%) e Amazonas (9%). Toda essa discrepância do desempenho do Pará em relação aos outros estados pode ter uma explicação que vem do céu. Segundo Souza Jr, é impossível saber se o desmatamento detectado no Pará ocorreu em maio ou antes disso em virtude da elevada cobertura de nuvens sobre o estado nos meses anteriores. “Estamos reportando um incremento mensal no período. É realmente uma limitação de qualquer sistema de monitoramento deste tipo. Por isso, registramos em maio o que conseguimos enxergar”, explica o pesquisador do Imazon.
Em maio, aliás, a cobertura de nuvens sobre a Amazônia Legal foi de 36%. Mas, na opinião dos pesquisadores, com exceção do oeste do Pará (região de Santarém), as áreas encobertas não são tradicionalmente críticas. Os satélites não conseguiram ver boa parte do Amazonas, alguns pontos no oeste do Pará e a totalidade dos estados de Roraima e do Amapá. Graças à constância de nuvens, no entanto, esses dois estados são ainda uma incógnita. “O desmatamento no Amapá e em Roraima é praticamente desconhecido, é muito difícil monitorar”, diz Souza Jr.
Assalto às UCs
Neste mês o desmatamento dentro de unidades de conservação contribuiu significativamente para o total de derrubadas, com 19%. Rondônia, como sempre, teve o maior número de unidades de conservação desmatadas no ranking do SAD – seis entre dez listadas, especialmente as reservas extrativistas estaduais e a Floresta Nacional de Bom Futuro. “Rondônia é um estado que já perdeu quase todas as suas florestas. Há muito tempo monitoramos as pressões que as unidades de conservação têm sofrido”, informa Souza Jr. No entanto, em termos absolutos, quem se destacou mais foi a Floresta Nacional do Jamanxim (PA).
Criada em fevereiro de 2006 na tentativa de barrar o desmatamento no eixo da BR-163, no Pará, perdeu 35 quilômetros quadrados em maio, 44 km2 desde agosto do ano passado e 92 km2 em relação aos últimos dois anos. As imagens de satélite mostram claramente que esta é a segunda unidade de conservação mais desmatada na Amazônia, perdendo apenas para a Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu, no município de São Félix do Xingu (PA).
A degradação nas unidades de conservação superou até mesmo os desmates dentro de assentamentos rurais, que representaram 9,9% do total. O assentamento conhecido como Terra Nossa, em Altamira (PA) lidera na categoria, com quase 12 quilômetros quadrados derrubados. O detalhe é que ele se enquadra na modalidade Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), que segundo o Incra é criado com o compromisso de aproveitar as potencialidades extrativistas da área e evitar as derrubadas. Os assentamentos amazonenses de Acari, em Novo Aripuanã, e Rio Juma, seguem no ranking como o segundo e o terceiro maiores desmatadores do mês de maio.
As terras indígenas contribuíram com 1% do desmatamento registrado na Amazônia Legal pelo SAD, com destaque para a TI Kayabi (MT), que perdeu 0,67 km2 e TI Aripuanã (RO/MT), com 0,53% do total.
Na análise dos números acumulados de agosto de 2007 a maio de 2008, o Pará apresentou crescimento expressivo do desmatamento, da ordem dos 62%. Outro estado com destaque neste quesito é o Acre, com aumento de 34%. Mas, também em função das nuvens nos meses anteriores, os pesquisadores supõem que o desmatamento visto no estado de Marina Silva possa não ter acontecido exatamente agora. Na outra ponta, quem diria, aparece o Mato Grosso, com um desmatamento acumulado negativo, de 16% e uma redução de 50% em maio se comparado com o desempenho de abril. Nos primeiros cinco meses de 2008, no entanto, o estado aumentou em 25% seu percentual de derrubadas se comparado ao mesmo período do ano anterior.
Altamira, Novo Progresso e Itaituba (PA) foram responsáveis pelos maiores desmatamentos na análise por município. Os dois primeiros, em tese, estão sujeitos às medidas mais severas impostas pelo governo federal para combater o desmatamento, pois fazem parte da lista dos 36 que mais contribuíram com o corte nos últimos meses. Mesmo assim apresentaram índices expressivos de desmatamento. De acordo com o SAD, de janeiro a maio de 2008 os 36 municípios foram responsáveis por 61% do total das derrubadas na Amazônia. Apesar disso, Souza Jr, do Imazon, enxerga uma melhora. “O desmatamento continua, mas não na mesma velocidade de antes. Isso merece ser considerado”, diz o pesquisador.
Embora ainda seja prematuro especular, a redução do desmatamento observada em maio não será suficiente para fazer os números do desmatamento de agosto de 2007 a julho de 2008 baixarem em relação ao período anterior. “Junho e julho serão decisivos. Nossa expectativa é que as derrubadas aumentem em relação ao ano passado, mas não de forma muito grande”, diz Souza Jr, do Imazon.
Leia o relatório do SAD do mês de maio para Amazônia Legal e Mato Grosso.
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