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Carta – Soja do bem

De Ricardo B. Machado, D.ScDiretor do Programa Cerrado-PantanalConservação InternacionalPrezado Senhor Maurício,No artigo 'Soja do Bem", publicado...

Redação ((o))eco ·
16 de junho de 2006 · 18 anos atrás

De Ricardo B. Machado, D.Sc
Diretor do Programa Cerrado-Pantanal
Conservação Internacional

Prezado Senhor Maurício,

No artigo ‘Soja do Bem“, publicado pelo site O Eco em 10/jun passado, vi que há um comentário seu sobre a atuação da CI-Brasil em relação à conservação do Cerrado. Não é a primeira vez que vejo uma fala sua mencionando que nossa atuação é tacanha, ou seja, não é ampla o suficiente para promover a conservação do bioma. É bem verdade que não temos pernas ou a pretensão de salvar o Cerrado sozinhos, mas as iniciativas que empreendemos e vamos empreender no Cerrado estão longe de serem tímidas ou estão longe de serem consideradas como de um instituição que “não tem visão de conjunto”.

Eu avalio que talvez o seu comentário nesse artigo e também no episódio da discussão entre a Funáguas e a Bunge, quando o senhor também comentou especificamente que o nosso projeto com a Bunge é pretensioso e não vai conseguir salvar o Cerrado, seja fruto de um desconhecimento das atividades recentes da CI-Brasil no Cerrado. Por esse motivo, tomo a liberdade de elencar algumas das mais expressivas atividades por nós desenvolvidas e que tratam a questão de conservação do Cerrado de forma mais ampla.

Quando assumi a Diretoria do Cerrado, que anteriormente era conduzida pelo Paulo Gustavo, me propus a realizar um grande diagnóstico do bioma no sentido de levantar informações estratégicas sobre o estado da cobertura atual, a velocidade de perda de ecossistemas naturais, o estado de conservação da biodiversidade e a identificação de lacunas de conservação. Assim, cronologicamente foram desenvolvidas as seguintes atividades:

1. Em 2003 mapeamos as áreas remanescentes do Cerrado Brasileiro com o uso de imagens recentes do sensor MODIS e pela primeira vez foi possível estimar a taxa de desmatamento incidente sobre o bioma. Em nossa página está disponível o relatório técnico com os resultados e as estimativas realizadas.

2. Em 2004, realizamos a primeira análise de lacunas de proteção da biodiversidade com base nas diretrizes definidas pelo Programme of Work on Protected Areas, documento produzido pela 7a Conferência das Partes da CDB. O estudo, que estimou as áreas insubstituíveis no Cerrado, foi divulg= ado no IV Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, evento organizado em Curitiba pela Fundação O Boticário.

3. Também em 2004, trabalhamos junto com o MMA, WWF-Brasil, TNC, WCS, Funatura, UnB e Ibama no sentido da criação do termo de referência para a revisão das áreas prioritárias no Brasil, revisão essa que deveria observar os preceitos do Planejamento Sistemático para Conservação. O resultado desse trabalho foi o acatamento do mesmo pela Comissão Nacional de Biodiversidade-CONABIO, que o adotou como a metodologia padrão para a revisão das áreas prioritárias para conservação em todos os biomas brasileiros.

4. Ainda em 2004 iniciamos uma atividade de capacitação de técnicos do serviço público no uso de ferramentas de apoio à tomada de decisão e princípios do planejamento sistemático para a conservação. Em conjunto com o WWF-Brasil e UnB, já ministramos esse curso teórico-prático para técnicos do MMA, SEMA-GO, UFG, Ibama, TNC e UnB.

5. Em 2005 fizemos um levantamento de todas as ocorrências de espécies ameaçadas de extinção no Cerrado e mapeamos todas as áreas-chave para a biodiversidade. No nosso entendimento, tais áreas são aquelas onde as ações de proteção são prioritárias no sentido de reduzir significativamente as perdas de biodiversidade, conforme determina o acordo das Metas do Milênio. 6. Também em 2005 apresentamos no XIX Annual Meeting of the Conservation Biology Society um estudo sobre os custos e oportunidades de conservação da biodiversidade do Cerrado, considerando tanto aspectos biológicos quanto socioeconômicos. Após esse evento tivemos a iniciativa de elaborar uma moção em prol do Cerrado contendo as principais ações que o Governo Federal deveria adotar para minimizar as perdas de biodiversidade e ausência de conhecimento científico no bioma. Tal moção, assinada por várias instituições nacionais, internacionais e participantes do evento, foi entregue por mim diretamente nas mãos da Ministra Marina Silva.

Com base em todos esses diagnósticos, o Programa do Cerrado definiu suas estratégicas de ação para o bioma e nesse sentido estamos trabalhando com um rede de parceiros em seis corredores de biodiversidade que abrangem a região de Emas, Médio Araguaia, Cadeia do Espinhaço, Vão do Paranã, região do Jalapão e oeste da Bahia e a região entre Uruçuí-Una e Mirador. Algumas dessas regiões correspondem a centros de endemismos que são muito importantes do ponto de vista biogeográfico do Cerrado.

Somente no Cerrado aplicamos anualmente um montante de quase meio milhão de dólares para apoiar projetos de pesquisa com espécies ameaçadas, inventários biológicos em regiões pouco conhecidas, criação de unidades de conservação (como é o caso do recém-criado Parque Nacional Chapadas da Mesa, um unidade com 160.000 hectares localizada no estado do Maranhão e criada com recursos da CI-Brasil), implantação de unidades de conservação (como é ocaso do apoio aos planos de manejo do Parque Nacional da Serra do Cipó, Parque Nacional de Emas e Parque Nacional Sempre Vivas) e concessão de bolsas de estudos a pesquisadores e estudantes de pós-graduação de universidades como a UFMG, UFG e UnB.

Para complementar essas ações e apoiar outras, estamos articulando a constituição de dois fundos fiduciários, sendo um voltado para a manutenção de unidades de conservação públicas, em uma parceira com o MMA, Banco Mundial, Ibama e TNC, e outro voltado para a conservação da biodiversidade em terras privadas, em uma articulação com a Fundação Boticário e a Fauna & Flora International. Tais fundos receberão recursos destinados a proteger a biodiversidade em áreas críticas ou estratégicas, definidas pelas ações acima.

Desta forma, o senhor poderá verificar que a nossa atuação em prol da conservação do Cerrado não é baseada em projetos individuais, como é o caso do projeto com a Bunge ou tantos outros que apoiamos em várias regiões do Brasil, mas sim em diagnósticos amplos e abrangentes sobre as necessidades e prioridades de conservação do bioma.

Por sermos uma instituição transparente e que promove parceiras, gostaria de aproveitar a oportunidade para demonstrar que estamos abertos a qualquer sugestão, contribuição ou observação sobre nossas atividades e estratégias. Contudo, críticas pejorativas e infundadas, como a que foi veiculada na matéria do jornal O Eco, não serão aceitas ou toleradas, venha de q= uem quer que seja.

Cordialmente,

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