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Carta – Legislar não é brincadeira

De Mauricio MercadanteDiretor de Áreas Protegidas da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente Marc Dourojeanni, em...

Redação ((o))eco ·
18 de julho de 2006 · 18 anos atrás

De Mauricio Mercadante
Diretor de Áreas Protegidas da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente

Marc Dourojeanni, em geral, escreve bons artigos. Chama a atenção para questões importantes, fundamenta suas críticas, contribui para o debate. São artigos consistentes, equilibrados, relevantes. Infelizmente, não se pode dizer o mesmo do artigo “Legislar não é brincadeira”.

Ao ler o artigo, eu me perguntei se o Marc tem algum compromisso com O Eco de produzir artigos periodicamente. Colunistas obrigados a produzir artigos periodicamente não raro são vítimas da falta de inspiração. Eu penso que quando uma pessoa não tem algo realmente relevante para dizer, deve optar por não escrever. Assim não perde tempo e, melhor, não toma o tempo do leitor.

Marc gasta metade do seu artigo tecendo longos comentários sobre duas questões irrelevantes: o registro de moto-serras e o registro de usuários de tinta spray. Quem sabe por que se irritou na hora de comprar uma moto-serra para podar árvores no sítio ou na hora de comprar uma tinta spray para pintar a geladeira.

Em seguida, serve-se desses exemplos para afirmar que “qualquer exame de leis bem mais importantes, como as que regulam o uso ou determinam a conservação dos recursos naturais renováveis, demonstra a existência de inúmeros artigos tão absurdos, por contraproducentes, inúteis ou inaplicáveis, como os dispositivos mencionados.”

A legislação ambiental brasileira tem defeitos sim. Mas daí a afirmar que “qualquer exame” revelará “inúmeros” dispositivos “absurdos” há uma larga distância. Julgar a legislação ambiental brasileira a partir dos irrelevantes exemplos escolhidos seria o mesmo que julgar a contribuição intelectual do Marc com base no artigo “Legislar não é brincadeira”. Marc daria uma contribuição importante para o debate e o aperfeiçoamento da legislação se indicasse esses inúmeros dispositivos absurdos.

Na seqüência, o Marc atribui as deficiências das leis ambientais à “ignorância do legislador”. Definitivamente, o Marc não sabe como as leis são feitas no Brasil. Vou justificar minha afirmação discorrendo sobre um tema que conheço bem: Marc afirma que “na lei vigente de unidades de conservação existem várias categorias não necessárias e duplicadas entre elas mesmas.”

Não existem “várias” categorias duplicadas ou desnecessárias na referida lei. No grupo das “duplicadas”, para encurtar o assunto, vamos encontrar apenas as Reservas Biológicas e as Estações Ecológicas, que bem poderiam constituir uma única categoria. Mas o fato relevante aqui é que a existência dessa duplicidade não é, em absoluto, o resultado da ação de parlamentares ignorantes.

O Anteprojeto de Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, que deu origem à Lei n° 9.985, de 2000, foi proposto, em 1988, pela Fundação Pró-Natureza – Funatura, na ocasião dirigida por Maria Tereza Pádua. A Funatura, mesmo reconhecendo e alertando para a similaridade entre Reserva Biológica e Estação Ecológica, propôs, como alternativa, por razões “históricas” e “políticas”, a manutenção das duas categorias. A proposta encaminhada pelo Ibama à Presidência da República, que a encaminhou ao Congresso, propunha a manutenção das duas categorias. O Congresso apenas ratificou a proposta, que nunca foi seriamente questionada por nenhum ator relevante durante o processo de tramitação no Parlamento. Portanto, a existência dessa duplicidade na Lei é o resultado do trabalho daquelas instituições mencionadas pelo Marc que “em geral, fazem propostas de dispositivos legais [mediante] projetos bem feitos”, e não por culpa de deputados e senadores incompetentes, levianos ou mal intencionados (o que não quer dizer que muitos não sejam exatamente isso). Parece-me estranho o Marc não saber disso ou não ter sido alertado para o fato, por razões óbvias.

A verdade é que as leis ambientais importantes, com raras exceções, foram e são elaboradas pelo Poder Executivo, com base no trabalho de técnicos e instituições competentes, como foi o caso da Lei do SNUC. Essas leis, em geral, saíram do Congresso melhor do que entraram, novamente por ação de técnicos e instituições competentes. Os defeitos dessas leis são o resultado, em geral, de falhas técnicas, da impossibilidade, muitas vezes, de antever todas as implicações dos dispositivos propostos, das tentativas de conciliar modelos contraditórios, ainda que tecnicamente fundamentados e politicamente legítimos, da incapacidade dos atores envolvidos, técnicos e não técnicos, de encontrarem solução legislativa adequada para os problemas enfrentados e, em muito menor grau, de interferências políticas indevidas. Se a legislação ambiental brasileira tem falhas graves, a responsabilidade é sobretudo nossa, que trabalhamos na área ambiental. De qualquer forma, no caso da duplicidade de categorias mencionadas, isso não tem gerado nenhum dano palpável. É mais uma questão irrelevante.

Marc tem razão quando diz que legislar é um assunto importante demais para ficar nas mãos de deputados e senadores. Mas vale lembrar que, por outro lado, exatamente porque é um assunto importante demais, não pode ser decidido por técnicos, sobretudo quando acreditam (e muitos acreditam) que a ciência é neutra e que suas posições, técnica e cientificamente fundamentadas, são politicamente isentas. As leis precisam ser amplamente discutidas, com a máxima transparência e publicidade, assegurando-se a possibilidade de participação de todos os atores interessados. O papel do Congresso é fundamental.

Resposta do autor:

Prezado Maurício:

Agradeço seu comentário ao meu artigo “Legislar não é brincadeira”. Você está certo em vários pontos: tenho um compromisso com O Eco para produzir artigos periodicamente; é verdade que fiquei irritado quando quis comprar motoserra e tinta spray e; também é verdade que não fiquei feliz com o meu artigo que você critica. Embora o leitor e você não precisem acreditar, a última versão do meu artigo foi erradamente eliminada do meu computador e tive que “reconstruí-lo” às pressas antes do prazo de fechamento da edição. Tampouco é obrigado a acreditar que, após enviar o material para sua publicação, fiquei ruminando alguns assuntos lá mencionados, em especial o que você acertadamente comenta dizendo que muitas vezes os promotores governamentais da lei são tão culpados pelos erros como os legisladores. Não foi minha intenção sugerir que os congressos ou assembléias devem ser eliminados e isso, na verdade, nem sequer é insinuado no meu artigo.

Assim, como eu bati nas duas leis “ambientalistas” mais absurdas que conheço e que por serem “irrelevantes” não deixam de ser leis, você, Maurício, está usando como referência uma lei marcada com a sua própria impressão digital. O projeto de lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, preparado por especialistas no ano 1988, foi reformado, maltratado e até torturado durante 12 anos pelos mais diversos atores, incluído o Conselho Nacional do Meio Ambiente e, principalmente, pelas diversas instâncias do Congresso, resultando num mostrengo que nada tem a ver com a proposta original. Reconheço, sem dificuldade, que muitos deputados e senadores não têm culpa nenhuma pelo resultado que, como você coloca, pode ser produto do intento infeliz de conciliar dois enfoques radicalmente diferentes. Mas, em minha opinião, fazer uma lei para proteger a biodiversidade que favorece, no seu próprio texto, os elementos chaves da sua destruição, é um erro inadmissível que resulta na situação desastrosa das unidades de conservação e da biodiversidade no país, o que é denunciado dia a dia na imprensa e também nas páginas do O Eco.

Finalmente, a legislação sobre unidades de conservação não é a única que não funciona, dentre as leis que tratam do meio ambiente e dos recursos naturais e, todas elas, como dito no artigo, pecam pela falta de realismo, a falta de recursos para sua aplicação e, de fato, elas não são aplicadas ou são muito mal ou parcialmente aplicadas. Nem você, Maurício, pode negar isso, pois sofre no dia a dia as conseqüências dessas legislações mal feitas na sua elevada função no Ministério do Meio Ambiente.

Cordialmente,

Marc Dourojeanni

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