No primeiro evento público da indústria automotiva após a reeleição de Dilma Rousseff (PT) na Presidência da República, os presidentes das principais montadoras fizeram cobranças públicas para que o governo federal mantenha as taxas de descontos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para o setor em 2015, e ainda tome novas medidas para incentivar mais o consumo de carros. Entre as propostas defendidas para tentar manter em alta a produção e comercialização está a concessão de créditos para aquisição de veículos novos. As declarações foram feitas durante coletivas de imprensa na apresentação de lançamentos no Salão do Automóvel, aberto para o público a partir desta quarta-feira, dia 30.
Em meio a congestionamentos cada vez mais intensos, o pacote de benefícios defendido pelas montadoras têm recebido críticas em redes sociais e já foi chamado até de Bolsa Trânsito. O impacto no meio ambiente urbano do aumento da frota preocupa em um contexto de piora da qualidade do ar nas metrópoles brasileiras.
Em São Paulo, de acordo com o recém-divulgado Relatório de Emissões Veiculares de 2013, da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), o padrão estadual de qualidade do ar para ozônio foi ultrapassado em 13 dias em 2013 e, mesmo com inovações tecnológicas e renovação da frota, as emissões seguem altas. Entre os principais problemas, está a emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE), que tem aumentado de forma sistemática. “Ainda que os fatores de emissão dos veículos novos estejam decrescendo, o aumento da frota de veículos e os congestionamentos das vias comprometem os ganhos obtidos com os avanços tecnológicos”, diz o documento.
Não é a primeira vez que os empresários se articulam para prolongar descontos de impostos. Em junho, os representantes do setor pressionaram e conseguiram adiar para o fim do ano o aumento gradual de taxas de IPI, inicialmente previsto para 1º de julho. A discussão é complexa porque, fazem parte da política de redução de IPI condicionantes para modernizar a produção de modo a melhorar a eficiência energética dos novos veículos, o que ajuda a reduzir a poluição (clique aqui para ler todas as leis e decretos que regulamentam o desconto de IPI).
“Pacote de bondades”
Para a engenheira Carmen Silvia Câmara Araújo, diretora administrativa do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), o governo deveria considerar alternativas em vez de ampliar benefícios para as montadoras. “No lugar de um novo pacote de bondades para o setor, seria interessante pensar em alguma política de incentivo ao transporte público, por exemplo, algo para melhorar a mobilidade. Mesmo se for para pensar na questão econômica é possível seguir essa linha. As montadoras fazem ônibus, não fazem?”, questiona.
Ela participou das discussões que resultaram no Inovar-Auto, como é chamado o programa que condiciona redução de IPI a inovações tecnológicas, e apesar de ser crítica à ampliação de benefícios para montadoras, destaca a importância das condicionantes de inovação tecnológica já adotadas. O aumento da eficiência dos motores novos foi o que garantiu que as emissões não disparassem no mesmo ritmo do aumento da frota. O relatório da Cetesb aponta o quanto a frota circulante aumentou em São Paulo, e indica que, se o número de emissões não aumentou por um lado (com exceção das emissões de Gases de Efeito Estufa, que dispararam), por outro motos e automóveis ainda têm papel preponderante na emissão de alguns poluentes, conforme é possível observar nos gráficos abaixo.
Ecocongestionamentos
A compra e venda de automóveis não é vista necessariamente como um problema. “O fato de uma pessoa comprar um carro não quer dizer que ela vai usar todo dia. Ela pode deixar o automóvel na garagem e continuar usando o transporte coletivo”, lembra Carmen. O Iema realizou em setembro o Seminário Internacional de Desestímulo ao Uso do Automóvel e tem investido no debate sobre mobilidade urbana. Hoje, quem cuida do tema na organização é Renato Boareto, ex-diretor de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades e defensor de que, mais do que pensar em reduzir as emissões com avanços tecnológicos, é preciso uma mudança no atual padrão de mobilidade, priorizando o transporte coletivo (leia artigo a respeito).
Assim como em São Paulo, a frota tem crescido significativamente em outras cidades, conforme o Inventário Nacional de Emissões organizado pelo Iema. “Ter um carro para viajar, para usar no final de semana não é problema nenhum. O crescimento da frota ocorre em todos os países que passaram por um crescimento de renda, isso é inevitável. Mas uma cidade não pode ser pensada para recepcionar essa frota crescente e proporcionar condições para que todos circulem ao mesmo tempo. O foco tem que ser no transporte que garante o deslocamento de um número maior de pessoas. É fundamental pensar em incentivos ao transporte público e não motorizado”, defende, citando a implementação de corredores exclusivos de ônibus e restrições a estacionamento privado em espaços públicos como exemplos de medidas necessárias.“É óbvio que produzir veículos mais limpos é importante, mas se o governo federal tem condições de alocar mais recursos públicos, que seja para investir em transporte público mais limpo”, completa, lembrando que um ônibus usa menos energia para transportar pessoas do que veículos individuais. “Mesmo com o desenvolvimento de carros mais limpos, mesmo se tivermos carros hibridos e elétricos, ainda assim teremos problemas se não houver mudanças no padrão de mobilidade. Brevemente estaremos no que chamamos de ecocongestionamento, um trânsito igualmente parado, só que com carros mais limpos”, afirma. “E aí cabem outros questionamentos. De onde vai vir a energia elétrica para abastecer esse congestionamento? E se for de uma termoelétrica? O transporte público é mais eficiente no uso de energia e todos ganham”, afirma.
Ar sujo
Em linhas gerais, o monitoramento da qualidade do ar nas principais metrópoles do país ainda é deficiente, o que dificulta o monitoramento dos índices. Em São Paulo, a falta de chuvas na capital e o tempo seco tem agravado a poluição, e nas últimas semanas os termômetros da capital monitoram a qualidade do ar têm apresentado índices alarmantes. O ar sujo afeta principalmente crianças e idosos. “Nesses períodos de mais secura do ar os atendimentos por urgência aumentam significativamente”, explica o pneumologista pediátrico Luiz Vicente Ribeiro Ferreira da Silva Filho, do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas. “A exposição a poluentes interfere significativamente na saúde das crianças”.
Questionado sobre o pedido por parte das montadoras de mais investimentos para a produção e venda de automóveis, ele lembra que a questão é complexa, defendendo que o tema deve ser abordado em profundidade. “A conjuntura precisa ser vista como um todo e o tema envolve outras questões. Se por um lado o aumento da frota é ruim para o ambiente, por outro lado pode ter um impacto na economia importante, é preciso considerar isso na análise”, afirma preocupado em não simplificar a questão antes de dar sua avaliação como médico:
“É lógico que com mais carros na rua, mais poluição. Em termos de saúde, seria melhor o transporte público, medidas para que a gente tenha menos veículos na rua, medidas que estimulem uso da bicicleta e caminhadas contra medidas que estimulem a venda e aumento da frota particular”.
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