Na antevéspera do Natal, nesta terça (23), a presidente Dilma Rousseff formalizou o senadora Kátia Abreu (PMDB-Tocantins) no comando do Ministério da Agricultura, um dos principais do país. A escolha, vazada pela Folha de S. Paulo no dia 21 de novembro, foi tomada como uma afronta pelos movimentos sociais de luta pela reforma agrária e com receio pelos ambientalistas. Os protestos aparentemente adiaram a decisão, mas ela não mudou.
Era questões de dias, principalmente após o emblemático discurso de Dilma na cerimônia de recondução de Kátia Abreu à presidência da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), na segunda-feira da semana passada (15), ao afirmar que a parceria com Kátia Abreu apenas começava: “Quero das os parabéns à minha amiga Kátia Abreu por todas as realizações passadas e tenho certeza por todas as realizações futuras. Desejo grandes conquistas para o agronegócio e tenho certeza que vamos caminhar juntas e estaremos muito próximas nesses quatro anos, mais próximas que nunca”, disse a presidente. A senadora havia se licenciado da CNA para concorrer à reeleição para o Senado.
Abreu é uma das lideranças dos ruralistas no Congresso Nacional e está no terceiro mandato à frente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), associação que reúne os médios e grandes produtores rurais do país.
No Congresso desde 1999, onde foi primeira suplente, deputada (2003) e senadora (2007), agora reeleita (2015), Kátia Abreu se destacou sendo uma das principais vozes em defesa do Agronegócio e por apresentar e defender propostas de flexibilização da legislação ambiental e indígena.
É autora da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, de 2013, que veda a demarcação de terras indígenas em áreas invadidas.
Uma das propostas apresentadas pela senadora, em 2007, foi o projeto de Decreto Legislativo Nº 90, que quer excluir o símbolo de alerta transgênico das embalagens, aquele triângulo amarelo com um T maiúsculo. O projeto está parado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, pronto para ser votado.
No Congresso, foi uma das maiores defensoras da reforma do Código Florestal.
Aproximação de Dilma
A aproximação entre Kátia e Dilma aconteceu durante os primeiros anos do governo. Mas foi durante o lançamento do Plano Safra 2012/2013, no dia 28 de junho daquele ano, que a senadora e a presidente apareceram mais próximas. Na ocasião, a senadora elogiou a ministra Izabella Teixeira, do Meio Ambiente, pelas mudanças no Código Florestal: “Esperamos por 20 anos uma lei ambiental que nos tirasse do martírio e da criminalidade. E depois de 20 anos, a senhora [presidente Dilma] ainda nos deu uma ministra de meio ambiente que pensa pelo Brasil, que pensa por todos os brasileiros e, principalmente, pelos seres humanos, que precisam estar em conexão com essa grande biodiversidade. Parabéns, ministra Izabella”.
Os elogios públicos [e mútuos] se tornaram frequentes. A senadora deixou o PSD ano passado e foi para o PMDB, partido da base aliada de Dilma. Antes do PSD, Kátia Abreu era afiliada do DEM.
Nas eleições presidenciais, subiu no palanque e apareceu na propaganda eleitoral pedindo votos para Dilma. O apoio político foi recíproco: Dilma também apoiou a senadora e chegou a gravar um vídeo pedindo votos para ela. As duas foram reeleitas.
Repercussão
De acordo com especialistas ouvidos por ((o))eco, a escolha escancara uma política que leva em pouca consideração o meio ambiente.
Para Aldem Bourscheit, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil, a confirmação do nome da senadora para a pasta da Agricultura representa uma péssima sinalização para o “necessário desenvolvimento sustentável do Brasil e do planeta”.
“A senadora pelo PMDB do Tocantins vem fazendo de seus mandatos e de sua liderança à frente de entidades ligadas ao agronegócio um exercício claro contra unidades de conservação, terras indígenas e outros instrumentos desenvolvidos pelos brasileiros para salvaguardar direitos e riquezas socioambientais. (…) Além disso, a senadora atua contra a reforma agrária, pelo uso indiscriminado de sementes geneticamente alteradas em laboratório e patenteadas por grandes corporações de biotecnologia, e pela flexibilização da legislação contra o trabalho escravo”, diz Bourscheit, ressaltando que a defesa da implantação do Código Florestal feita pela Confederação Nacional da Agricultura, presidida pela senadora, é um ponto positivo: “A nova legislação impôs retrocessos em relação ao Código Florestal anterior quanto à proteção de florestas nativas, mas também trouxe instrumentos importantes para o conhecimento e gestão da terra em propriedades rurais em todo o país”.
Na análise feita pelo jornalista Alceu Castilho, autor do livro Partido da Terra, sobre políticos ruralistas, a vinda de Kátia Abreu para o governo significa escancarar uma escolha: “Seu histórico [de Kátia Abreu] é de defesa dos interesses mais mesquinhos dos agropecuaristas e rentistas, e não o de uma agricultura inclusiva, que contemple o direito de populações tradicionais e o respeito aos biomas. Ela chega ao governo com a marca da truculência. Dilma Rousseff demonstra com isso não se importar com as reivindicações de movimentos sociais e com o discurso à esquerda que a ajudou a se reeleger. Sua face desenvolvimentista ganha com mais evidência a face de defesa do atraso no campo, e ambas pertencem à mesma moeda”.
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