Um relatório apresentado nesta terça-feira (7/7) por uma comissão internacional traz uma notícia má e uma boa para as aflições climáticas da humanidade. A má é que a conta da descarbonização necessária para evitar um aquecimento global de mais de 2oC neste século é salgada: somente em energia limpa será preciso aplicar US$ 1 trilhão por ano a partir de 2030. A boa é que fazer esses e outros investimentos nos deixará mais ricos.
O documento, chamado New Climate Economy Report, lista dez ações urgentes que governos e sociedade precisam adotar para fechar o buraco existente entre as políticas de redução de emissões em vigor hoje e o que é necessário fazer para ficar dentro do limite de aquecimento da Terra reconhecido como “seguro”. Entre essas medidas estão o desenvolvimento urbano limpo, a recuperação de 500 milhões de hectares de pastos e florestas degradadas, o fim do desmatamento e o estabelecimento de um preço efetivo para o carbono.
A maior parte dessas ações tem custos iniciais mais elevados, mas que mais do que se pagam ao longo do tempo devido a ganhos de eficiência e redução do custo de operação. Numa escala planetária, é como comprar uma lâmpada de LED em vez de uma incandescente: você paga mais no ato, mas economiza no longo prazo na conta de luz e não precisará mais substituir a lâmpada uma vez por ano.
A comissão responsável pelo relatório, liderada pelo ex-presidente mexicano Felipe Calderón e que tem entre seus membros o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), calculou o tamanho dessa economia em alguns casos. Somente os investimentos em eficiência energética poderiam turbinar o PIB mundial em R$ 50 trilhões (quase dez vezes o tamanho da economia brasileira) em 2035. O grupo lembra também que é possível que no ano passado a economia mundial tenha crescido pela primeira vez com uma queda nas emissões de gases-estufa.
Claro que não foi nada perto do que elas precisam cair. Para colocar a sociedade industrial no rumo dos 2oC, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente estimou que, em 2030, a humanidade deveria emitir no máximo 42 bilhões de toneladas de CO2. Com as atuais políticas, chegaremos lá emitindo quase 70 bilhões.
O relatório reconhece que as metas colocadas na mesa até agora para a conferência do clima de Paris, as chamadas INDCs, não bastam para fechar esse hiato, e traz uma receita para reduzir a diferença.
“Essas recomendações poderiam entregar até 96% dos cortes de emissão necessários até 2030 para colocar o planeta no rumo de manter o aquecimento global abaixo de 2oC”, diz Rachel Biderman, do WRI (World Resources Institute), organização que coordenou a produção do relatório. “E essas ações também produziriam múltiplos benefícios para a economia.”
Infraestrutura inteligente
Uma das dez recomendações do relatório diz respeito a um debate central para o Brasil: a necessidade de investir em infraestrutura de baixo carbono.
Nos próximos 15 anos, estima-se que US$ 90 trilhões (R$ 270 trilhões – isso mesmo, trilhões) serão investidos em infraestrutura no mundo todo: estradas, portos, aeroportos e usinas de eletricidade, por exemplo.
A maior parte desse investimento está em países emergentes como Brasil, Índia, Indonésia e China e, cada vez mais, na África. Bancos de desenvolvimento nacionais, como o BNDES e o Banco de Desenvolvimento da China, ou até plurilaterais, como o da Ásia e o dos BRICS, vêm assumindo um papel predominante de financiamento desses projetos. A visita ao Brasil do premiê chinês, Li Keqiang, acompanhado de R$ 53 bilhões anunciados em investimentos (a maioria em infraestrutura) é um exemplo da importância crescente desse tipo de gasto público.
A comissão liderada por Calderón alerta, porém, para a necessidade de orientar esses investimentos para que eles levem o clima em consideração. “Muitas formas de infraestrutura contribuem significativamente para as emissões de gases-estufa, e também são particularmente vulneráveis à incidência de eventos climáticos extremos”, afirma o relatório.
O custo dessa reorientação é estimado em US$ 4 trilhões em 15 anos, algo considerável, mas mesmo assim uma fração do investimento total planejado. Além do mais, sugere o relatório, há no momento taxas de juros extremamente baixas em países desenvolvidos, que criam uma janela de oportunidade para o financiamento desses custos de transição.
Deixar de fazê-lo poderia travar o mundo em estrutura poluente e/ou vulnerável, já que uma usina termelétrica ou uma refinaria de petróleo, por exemplo, é um projeto com vida útil de décadas. “Seria extremamente míope construir infraestrutura que seja imediatamente vulnerável a impactos da mudança climática ou a políticas climáticas mais estritas no futuro”, afirma o relatório.
O recado do New Climate Economy Report tem um alvo certo: a reunião do G20 em novembro, quando será debatida a Iniciativa Global de Infraestrutura criada no ano passado pelo bloco. Segundo o relatório, a iniciativa do G20 “ignora em larga medida os elos entre investimentos em infraestrutura e a mudança climática”.
Um estudo feito sob encomenda do WRI por Oswaldo Lucon, do Instituto de Energia e Ambiente da USP, cujos resultados preliminares foram apresentados em maio numa reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, dá um exemplo da dimensão desse casamento infeliz e de longo prazo com projetos poluentes em um setor, o de energia.
Lucon mostra, com base no Plano Decenal de Energia, que 78% dos investimentos em energia no país até 2023 já estão “travados” em combustíveis fósseis. Por causa disso, em seis de nove cenários de emissão analisados por ele o Brasil excede sua cota máxima de carbono antes do meio do século.
Por enquanto, o aporte maciço de investimentos chineses em infraestrutura no Brasil confirma essa tendência carbonizante em vez de revertê-la.
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse em entrevista ao OC em junho que a infraestrutura de baixo carbono é uma discussão que precisa ser feita no Brasil. “Não é contabilizado na ambição brasileira, mas o Brasil, diferentemente de um país europeu, não tem sua infraestrutura toda implantada”.
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